PROCESSO CIVIL
O Grupo de Trabalho intitulado Processo Civil I, foi instalado no dia 27 de novembro de 2024, em Brasília, durante a realização do XXXIII Congresso Nacional do Conpedi. Nesta oportunidade, vinte e três trabalhos aprovados foram apresentados, todos eles retratando temas das mais variadas matrizes jurídicas da ciência processual, analisando os problemas mais atuais relacionados aos desafios do processo contemporâneo, como as medidas coercitivas atípicas na execução civil e o seu processo de desjudicialização, a natureza jurídica do Agravo de Instrumento e a sua análise sob a ótica do STJ, a análise as questões envolvendo a força normativa da repercussão geral no sistema de precedentes brasileiro, o incidente de resolução de demandas repetitivas nos Juizados Especiais, a prescrição intercorrente e o princípio da cooperação no processo coletivo.
Inicialmente, tratou-se acerca do Projeto de Lei nº 6.204/2019 que propõe a desjudicialização da execução civil, transferindo algumas funções do Judiciário para esferas extrajudiciais, como cartórios, visando acelerar e reduzir os custos dos processos. No entanto, essa mudança levanta preocupações sobre o acesso à justiça, especialmente para as camadas mais vulneráveis da sociedade. Para que a desjudicialização não prejudique o direito de defesa e a proteção contra abusos, é crucial que sejam adotadas medidas que garantam transparência, igualdade e possibilidade de revisão judicial, assegurando o pleno exercício dos direitos dos cidadãos.
Seguindo a apresentação dos trabalhos, os expositores trataram acerca da estabilização da tutela antecipada antecedente prevista no artigo 304 do CPC. O STJ interpreta esse dispositivo com o objetivo de garantir decisões rápidas e definitivas, mas também se preocupa com os direitos das partes, assegurando o direito de defesa. O tribunal tem ressaltado que, embora a estabilização busque a eficiência, em casos excepcionais, é possível revisar a decisão, principalmente se surgirem novos elementos no processo. O STJ busca equilibrar eficiência processual e proteção dos direitos das partes.
No que tange à força normativa da repercussão geral no sistema de precedentes brasileiro, discutiu-se que está relacionada ao impacto das decisões do STF sobre questões constitucionais relevantes, que devem ser seguidas pelos tribunais inferiores. Introduzido pela Constituição de 1988 e regulamentado pelo CPC de 2015. Esse instituto garante uniformidade e previsibilidade nas decisões judiciais, promovendo a aplicação consistente do direito. A repercussão geral fortalece o sistema de precedentes no Brasil, assegurando que as decisões do STF tenham efeito vinculante e contribuam para a estabilidade e a segurança jurídica no país.
Ainda sobre o tema da prescrição intercorrente na execução fiscal, debateu-se que ocorre quando há inatividade no processo por mais de cinco anos devido à culpa do credor, podendo levar à extinção da execução. Prevista no artigo 40 da Lei nº 6.830/1980, essa prescrição é respaldada pela jurisprudência do STJ, que reforça a contagem do prazo a partir da última movimentação processual. O objetivo da prescrição intercorrente é garantir a efetividade e o dinamismo do processo, evitando que ele se arraste indefinidamente e promovendo segurança jurídica tanto para o Fisco quanto para o contribuinte.
Sobre a teoria dos precedentes administrativos, ficou demonstrado que o tema visa promover a adoção de decisões anteriores como base para resolver casos futuros, garantindo uniformidade e previsibilidade nas ações da administração pública. A Instrução Normativa 15/2023 da Agência Nacional de Mineração (ANM) implementa essa teoria ao estabelecer critérios e procedimentos que devem ser seguidos pela ANM, promovendo maior segurança jurídica e eficiência. A norma busca assegurar que decisões anteriores sirvam de referência, garantindo transparência e igualdade no tratamento de questões semelhantes, fortalecendo a confiança nas regulamentações do setor mineral.
Acerca das ações possessórias em conflitos coletivos, conforme o Código de Processo Civil (CPC) de 2015, fora debatido que visam proteger a posse de grupos ou coletividades em situações como disputas de terras ou imóveis. O CPC permite que associações ou entidades representativas pleiteiem a proteção possessória em nome de um grupo, quando houver interesses comuns. Essas ações seguem procedimentos similares às ações possessórias tradicionais, mas com foco na defesa da posse coletiva, podendo envolver medidas urgentes para a proteção dos direitos. O objetivo é resolver conflitos coletivos e garantir a ordem social e os direitos possessórios em casos de disputas envolvendo comunidades.
Outro tema de grande impacto, tratou sobre as audiências de instrução virtuais, ampliadas após a pandemia de COVID-19, as quais facilitaram o acesso à justiça e agilizaram os processos, especialmente em áreas remotas. No entanto, o uso crescente da inteligência artificial (IA) no Judiciário traz desafios, como o risco de "inteligência artificial degenerativa", quando sistemas de IA começam a tomar decisões imprecisas ou enviesadas. Isso pode afetar a qualidade das audiências virtuais, prejudicando a interpretação de expressões faciais, a privacidade e a imparcialidade. Por isso, é essencial garantir que as tecnologias usadas no Judiciário sejam responsáveis, transparentes e respeitem os direitos fundamentais.
Prosseguindo as apresentações, fora explanado sobre a assistência judiciária gratuita, prevista no artigo 98 do CPC, a qual garante o acesso à justiça para quem não tem recursos para arcar com as despesas do processo. O artigo 98, §3º, trata dos honorários de sucumbência, estabelecendo que, quando a parte beneficiária da gratuidade for condenada, os honorários podem ser cobrados de forma parcelada ou diferida, dependendo de sua situação financeira. A nova interpretação jurisprudencial reconhece que a assistência gratuita não isenta automaticamente o pagamento dos honorários, mas permite uma análise mais flexível, garantindo justiça social e considerando a capacidade financeira do beneficiário.
Seguindo com a citação por edital em meio eletrônico, debateu-se que estas substituem as publicações físicas, busca aumentar a eficiência processual ao reduzir custos, agilizar o processo e ampliar o alcance, tornando-o mais acessível. Embora essa modernização contribua para a celeridade, é crucial garantir que os direitos fundamentais das partes, como a ampla defesa e o contraditório, sejam preservados. A citação eletrônica deve ser usada com cautela, apenas quando esgotados outros meios de localização, para assegurar que a parte tenha pleno conhecimento da ação movida contra ela e possa se defender adequadamente.
Sobre as convenções processuais, previstas no Código de Processo Civil de 2015, estas permitem que as partes definam certos aspectos do processo, como prazos e formas de resolução de conflitos, promovendo a autonomia e a colaboração entre os envolvidos. Elas desempenham um papel importante na pacificação social, ao reduzir a litigiosidade e favorecer soluções consensuais, especialmente em disputas contínuas. Além disso, contribuem para a efetivação do acesso à justiça, acelerando a tramitação dos processos e oferecendo soluções mais adequadas às necessidades das partes, tornando a justiça mais eficiente e próxima da sociedade.
Continuando as apresentações dos trabalhos, tratou-se das cartas como um meio formal de comunicação dos atos processuais, como citação, intimação e notificação, garantindo que as partes tomem conhecimento das decisões e possam exercer o direito de defesa. Quando o ato não pode ser realizado pessoalmente, a comunicação por carta registrada assegura o valor jurídico da notificação. Embora a tecnologia tenha introduzido meios mais rápidos, como a comunicação eletrônica, as cartas continuam sendo um instrumento essencial para a efetiva comunicação processual, principalmente em contextos onde os meios digitais não são viáveis.
O artigo acerca dos grandes litigantes no Conselho da Justiça Federal (CJF) aduziu que desempenham um papel crucial na gestão e prevenção de demandas repetitivas no sistema judiciário brasileiro. O CJF adota mecanismos como a Repercussão Geral e o Sistema de Precedentes para uniformizar e agilizar a resolução de processos, evitando a proliferação de ações idênticas. Além disso, promove estratégias de prevenção de litígios repetitivos, como conciliação, mediação e soluções extrajudiciais. Os grandes litigantes, tanto privados quanto públicos, influenciam esse processo ao adotar práticas eficientes e colaborar na redução da judicialização, contribuindo para um judiciário mais ágil e acessível.
Acerca do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) denota-se que visa uniformizar decisões em casos repetitivos, mas sua aplicação nos Juizados Especiais gera incongruências, pois esses juizados têm um rito simplificado e focam na celeridade. O IRDR é um mecanismo que se processa nas instâncias superiores, como os Tribunais de Justiça ou Regionais, o que pode contradizer a natureza rápida dos Juizados Especiais. A solução para essa incongruência poderia envolver a adaptação do processo, criando formas simplificadas de resolução de demandas repetitivas nos Juizados ou incentivando alternativas como mediação e conciliação.
Tema como as medidas executivas atípicas no processo estrutural revelou que tais medidas visam transformar estruturas ou comportamentos sistemáticos que geram problemas sociais, indo além da simples resolução de conflitos individuais. Essas medidas são aplicadas em casos envolvendo direitos fundamentais ou questões coletivas como saúde, educação e meio ambiente. Elas podem incluir a imposição de reformas, monitoramento contínuo, criação de comissões de execução e o acompanhamento de terceiros. O objetivo é garantir mudanças duradouras em políticas públicas e práticas institucionais, promovendo uma justiça mais eficaz e transformadora, com impactos a longo prazo.
Avançando acerca do negócio jurídico processual atípico, do princípio da cooperação e do processo coletivo, ficou demonstrado que são eles elementos que buscam uma solução mais eficaz e colaborativa para litígios de grande impacto social. O negócio jurídico processual atípico permite que as partes ajustem aspectos do processo conforme as necessidades do caso, especialmente em ações coletivas. O princípio da cooperação implica que todos os envolvidos no processo trabalhem de forma colaborativa para alcançar uma decisão justa, o que é crucial em processos coletivos. Esses conceitos, quando combinados, tornam o processo mais flexível, eficiente e alinhado ao interesse coletivo, promovendo soluções mais justas e eficazes.
Ainda neste viés e sob uma nova perspectiva, debateu-se sobre o negócio jurídico processual, o qual permite que as partes ajustem aspectos do rito processual, proporcionando maior autonomia e flexibilidade no andamento do processo. A flexibilização procedimental é a adaptação das regras processuais para atender melhor às necessidades do caso, aumentando a eficiência e agilidade. No entanto, existem limites, como a impossibilidade de modificar normas de ordem pública ou direitos fundamentais. A flexibilização é útil em litígios complexos ou coletivos, mas deve ser usada com cautela para garantir a segurança jurídica. Esse mecanismo é especialmente aplicável em mediação, arbitragem e ações coletivas, promovendo soluções mais adequadas aos casos.
Na seara recursal, o trabalho apresentado tratou sobre o agravo de instrumento que é um recurso processual utilizado para impugnar decisões interlocutórias, ou seja, decisões tomadas durante o andamento do processo que podem causar danos imediatos às partes. Sua principal função é permitir uma revisão célere dessas decisões antes da sentença final, evitando prejuízos irreparáveis. O STJ reconhece que o agravo de instrumento possui uma natureza híbrida, com caráter urgente e autônomo, sendo distinto de outros recursos, como a apelação. Com a reforma trazida pelo Código de Processo Civil de 2015, o recurso passou a ser mais restrito, sendo cabível apenas contra decisões que causam efeitos imediatos e irreparáveis. O STJ, assim, tem buscado garantir a utilização adequada e restritiva desse recurso.
Com fundamento principiológico no artigo debatido, o princípio da razoável duração do processo, garantido pela Constituição e pelo CPC de 2015, visa assegurar que os processos judiciais não sejam excessivamente demorados, promovendo celeridade e efetividade. O CPC concretiza esse princípio por meio de medidas como a priorização de processos urgentes, encerramento célere da fase de instrução, incentivo à mediação e conciliação, redução de prazos processuais e julgamento antecipado de mérito. Apesar das inovações, desafios como o excesso de processos e a falta de infraestrutura ainda dificultam a plena concretização desse princípio.
A temática do processo estruturante em conflitos fundiários coletivos, também discutida no GT, demonstrou que o seu objetivo está voltado não apenas a resolver disputas sobre a posse da terra, mas também a transformar as condições que geram ou perpetuam esses conflitos. Esse tipo de processo visa mudanças estruturais, como a regularização fundiária e a promoção de políticas públicas justas, envolvendo diversos atores sociais como as comunidades afetadas, os movimentos sociais e as instituições governamentais. A abordagem busca a transformação social e econômica, prevenindo futuros conflitos e promovendo a inclusão e a justiça territorial. Embora tenha grande potencial, enfrenta desafios como a resistência de interesses privados e a falta de recursos.
Mudando de perspectiva, foi apresentado o tema sobre a promoção do acesso à justiça e o incentivo a mediação como alternativa para a resolução de conflitos, buscando soluções mais rápidas e colaborativas. A mediação, embora sem uma regulamentação específica, pode ser requerida de forma unilateral pelas partes, permitindo que uma parte proponha a mediação ao juiz, mesmo sem o consentimento expresso da outra parte. A mediação oferece vantagens como celeridade, autonomia das partes, redução da judicialização e preservação de relacionamentos. No entanto, enfrenta desafios como a resistência à mudança e a falta de formação adequada de mediadores, sendo necessário fomentar uma cultura de resolução consensual de conflitos para sua efetividade.
Avançando nos temas sociais processuais, o direito à saúde garante às mulheres o acesso à reprodução assistida como parte de sua autonomia reprodutiva e do direito de ter filhos, assegurando a igualdade de condições para constituir família. O Estado tem o dever de oferecer os meios necessários para que as mulheres possam exercer esse direito, especialmente em casos de infertilidade, por meio do acesso a tratamentos médicos adequados, como os oferecidos pelo SUS. No entanto, o acesso a esses tratamentos ainda enfrenta desafios, como barreiras financeiras e desigualdade no acesso. É essencial que políticas públicas garantam acesso universal, igualitário e de qualidade à reprodução assistida, respeitando a dignidade da mulher.
Passando para o campo do uso da utilização da inteligência artificial (IA) no sistema judiciário, debateu-se que este uso levanta preocupações sobre imparcialidade e justiça. Embora a IA possa auxiliar em tarefas como análise de dados e precedentes, ela tem mostrado insucessos em julgamentos devido a vieses nos algoritmos e à incapacidade de compreender a complexidade humana dos casos. A IA pode reproduzir preconceitos históricos, comprometendo a imparcialidade, um princípio essencial do direito. Além disso, a falta de transparência nos processos decisórios da IA pode violar os direitos ao contraditório e à ampla defesa. Por essas razões, a IA pode ser útil em funções de apoio, mas o juiz humano é crucial para garantir decisões imparciais e justas.
Por fim, o trabalho da prescrição intercorrente revelou que é uma ferramenta processual que impede a perpetuação dos conflitos sociais, estabelecendo prazos para a continuidade do processo. Ela visa evitar a morosidade e sobrecarga do Judiciário, garantindo que os litígios não se arrastem indefinidamente, o que poderia gerar insegurança jurídica e prejudicar as partes envolvidas. Ao promover celeridade e eficiência, a prescrição intercorrente contribui para a resolução mais rápida de conflitos, especialmente em questões coletivas, como direitos fundiários ou sociais. Dessa forma, ela ajuda a mitigar a perpetuação dos conflitos, promovendo maior segurança jurídica e um sistema judiciário mais justo e eficaz.
Este grupo de trabalho contou com a participação de três coordenadores; o Professor Doutor Horácio Monteschio da UNIPAR – Universidade Paranaense, o professor Doutor Luiz Fernando Bellinetti da Universidade Estadual de Londrina e a professora Doutora Clara Angélica Gonçalves Cavalcanti Dias da Universidade Federal de Sergipe, previamente definidos a critério da Comissão Organizadora, os quais foram responsáveis pela ordem de apresentação e moderação das discussões.
O objetivo deste Grupo de trabalho foi, na verdade, refletir sobre os instrumentos processuais existentes e as suas mais variadas funções, todos com vistas à finalidade do direito processual que é a de propiciar a tutela das pessoas e dos direitos de forma adequada, tempestiva, justa e efetiva, mediante o processo que tenha uma duração razoável.
A experiência obtida foi muito exitosa, como se pôde comprovar quando da apresentação de todos os trabalhos e dos debates expostos. Além da produção científica escrita, devemos registrar a alegria do encontro, a convivência, o aprofundamento dos laços entre os professores, os alunos de graduação e pós-graduação de todos os cantos e regiões do país, o que tornou o evento um estímulo a continuarmos a aprofundar os vínculos entre os sujeitos que integram o nosso cenário acadêmico.
Assim, é com satisfação que apresentamos a toda comunidade jurídica a presente obra, que certamente será um importante contributo para a pesquisa jurídica nacional.
Coordenadores:
Profª Drª Clara Angélica Gonçalves Cavalcanti Dias
Prof. Dr. Horácio Monteschio
Prof. Dr. Luiz Fernando Bellinetti
ISBN: 978-65-5274-081-6
Trabalhos publicados neste livro: