XIV ENCONTRO INTERNACIONAL DO CONPEDI BARCELOS - PORTUGAL

DIREITO EMPRESARIAL

O Grupo de Trabalho “Direito Empresarial” deste Congresso propôs-se a examinar, sob distintas abordagens metodológicas, os múltiplos desafios enfrentados pelo Direito na mediação das relações empresariais em uma sociedade complexa, marcada por tensões entre autonomia privada, regulação estatal, reestruturação produtiva e renovadas exigências de governança e responsabilidade. A dicotomia entre o dinamismo dos agentes econômicos e a necessidade de segurança jurídica em um Estado Democrático de Direito se manifesta em todos os eixos temáticos abordados nos trabalhos aqui reunidos, os quais exploram com acuidade aspectos do direito societário, contratual, tributário, falimentar e regulatório, evidenciando a vitalidade e a diversidade do campo do Direito Empresarial contemporâneo. A questão da holding familiar, como instrumento de planejamento patrimonial e sucessório, emerge em dois estudos complementares. No artigo “A Holding Familiar e as Cláusulas Protetivas Essenciais no Planejamento Patrimonial”, Solange Teresinha Carvalho Pissolato analisa o papel das holdings na proteção jurídica dos bens familiares frente aos novos paradigmas do pós-pandemia e às incertezas trazidas pela Reforma Tributária. Enfatiza-se a função das cláusulas protetivas no reforço da estabilidade intergeracional. Em abordagem convergente, o trabalho de Davi Niemann Ottoni, Matheus Oliveira Maia e Claudiomar Vieira Cardoso, intitulado “Holding Familiar”, detalha o arcabouço normativo aplicável à constituição dessas sociedades, abordando aspectos fiscais, civis e empresariais. Ambos os artigos evidenciam como o Direito Empresarial atua preventivamente na organização patrimonial, revelando-se como ferramenta de eficiência e segurança. No entanto, a constituição de holdings familiares também impõe desafios teóricos e operacionais, como discute o artigo “O animus familiae versus o affectio societatis: as implicações de atribuição de personalidade jurídica ao núcleo familiar”, de Carlos Henrique Roscoe Januzzi, Ana Maria Lima Maciel Marques Gontijo e Vinícius Jose Marques Gontijo. O trabalho problematiza a tensão entre laços afetivos e relações societárias, propondo mecanismos jurídicos que reforcem a racionalidade empresarial sem suprimir os vínculos familiares. A análise propõe uma reflexão sofisticada sobre o estatuto jurídico da família-empresa e seus limites, exigindo do Direito Empresarial soluções que equilibrem identidade, governança e longevidade.

A temática da reestruturação empresarial aparece com destaque em três estudos. Em “As Implicações Jurídicas da Recuperação Judicial na Sociedade Anônima do Futebol (SAF): Análise dos Cenários Pré e Pós-Transformação”, Andre Lipp Pinto Basto Lupi e Rafaela Chaves Alencar discutem os efeitos da recuperação judicial sobre os clubes transformados em SAF, evidenciando a coexistência entre os regimes da Lei nº 11.101/2005 e da nova Lei nº 14.193/2021. Complementarmente, no artigo “Conflito e Cooperação na SAF: uma análise à luz da Teoria dos Jogos e do Direito Societário”, os autores Davi Niemann Ottoni, Matheus Oliveira Maia e Claudiomar Vieira Cardoso refletem sobre a legitimidade institucional da SAF e o papel estratégico do torcedor, demonstrando como o modelo societário exige governança participativa e sensibilidade cultural. Finalmente, o estudo “O Plano Alternativo dos Credores como Instrumento de Preservação da Empresa e Gestão de Conflitos na Recuperação Judicial”, de Fernando Passos, Ricardo Augusto Bonotto Barboza e Ricardo Noronha Inglez de Souza, analisa o instrumento introduzido pela Lei nº 14.112/2020 sob a ótica da autonomia privada coletiva e da governança da crise, destacando os limites e riscos da atuação credora no contexto da recuperação judicial. Esses trabalhos, em conjunto, traçam um panorama crítico e multifacetado da nova arquitetura jurídica das empresas em crise, evidenciando a complexidade e a inovação do regime falimentar brasileiro. O tema da função social da empresa e da responsabilidade corporativa é explorado no artigo “Compliance, de atenuante a instrumento de prevenção à corrupção: relevante atribuição da função solidária da empresa”, assinado por Francisco Diassis Alves Leitão, Daniel Barile da Silveira e Rufina Helena do Carmo Carvalho. Os autores analisam o compliance não apenas como mecanismo de mitigação de sanções, mas como expressão da responsabilidade proativa da empresa perante a coletividade, sobretudo no contexto das relações com o setor público. Ao reforçar a noção de função solidária da empresa, o artigo contribui para uma leitura contemporânea da ética empresarial, em sintonia com os fundamentos do Estado Democrático de Direito e os princípios do direito negocial. A atuação estatal no ambiente empresarial também é objeto de reflexão em dois estudos. Edson Ricardo Saleme, em “As Estatais e os Meios Alternativos de Soluções de Controvérsias”, propõe a ampliação do uso de métodos consensuais – como mediação, conciliação e arbitragem – no âmbito das empresas estatais, interpretando os dispositivos da Lei nº 13.303como vetores de modernização institucional e eficiência procedimental. A análise sustenta que os meios alternativos de solução de conflitos podem ser utilizados pelas estatais como instrumentos legítimos de gestão contratual, inclusive em matérias que envolvam direitos patrimoniais relativamente indisponíveis. Tal perspectiva contribui para o fortalecimento de uma cultura jurídica mais dialógica, menos litigante e mais orientada à consensualidade nas relações empresariais envolvendo o poder público.

No mesmo sentido, o artigo “É possível privatizar a ECT?”, também de autoria de Edson Ricardo Saleme, examina os limites normativos e as possibilidades político-jurídicas da eventual privatização da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, à luz da Lei das Estatais e dos decretos presidenciais vigentes. O trabalho destaca o paradoxo entre a ineficiência econômica e a essencialidade de determinados serviços postais, sugerindo que a privatização, além de tecnicamente controversa, demanda um projeto institucional consistente, que respeite os princípios constitucionais e os valores do serviço público. Ambas as contribuições reforçam o papel estratégico do Direito Empresarial na mediação entre interesses públicos e dinâmicas privadas.

Por fim, o estudo “Desconsideração da Personalidade Jurídica e Redirecionamento da Execução Fiscal”, assinado por André Lipp Pinto Basto Lupi e Carla Bittelbrun Tahara, encerra este volume com uma análise detida sobre os limites da atuação estatal na cobrança de créditos tributários. O artigo esclarece as diferenças conceituais e procedimentais entre a desconsideração da personalidade jurídica (nos termos dos arts. 50 do Código Civil e 133 do CPC) e o redirecionamento da execução fiscal (art. 135 do CTN), propondo critérios para sua aplicação harmônica. A pesquisa aponta para a necessidade de segurança jurídica e uniformidade jurisprudencial, especialmente em matéria tributária, onde o poder de cobrança do Estado precisa ser equilibrado pela observância do devido processo legal e da autonomia da pessoa jurídica.

Em sua totalidade, os trabalhos apresentados neste Grupo de Trabalho revelam não apenas a diversidade temática do Direito Empresarial, mas sua crescente centralidade como campo de mediação entre complexidade econômica, inovação institucional, responsabilidade social e garantias jurídicas. Os artigos articulam, com densidade teórica e sensibilidade prática, os diversos eixos que compõem a estrutura contemporânea das relações empresariais: a organização patrimonial das famílias empresárias, os mecanismos de reestruturação de empresas em crise, os limites e potencialidades do compliance, as novas dinâmicas do futebol-negócio, os desafios da atuação estatal e os instrumentos de controle da autonomia privada.

Mais do que um panorama estático, os estudos aqui reunidos desenham um retrato dinâmico e crítico do Direito Empresarial em transformação, comprometido com sua função reguladora e promotora de desenvolvimento. Este GT se firma, assim, como espaço qualificado de produção e circulação de conhecimento jurídico aplicado, reafirmando o papel do CONPEDI como fórum essencial para o fortalecimento da pesquisa jurídica de excelência no Brasil.

ISBN: 978-65-5274-219-3