DIREITO PENAL, PROCESSO PENAL E CONSTITUIÇÃO I
Ainda saudosos do calor humano proporcionado pelos encontros presenciais do Conpedi, porém nos valendo da tecnologia para virtualmente congregar juristas de todo o País, reunimos, numa tarde de sexta-feira da primavera brasileira, no intuito de discutir questões ecléticas sobre o Direito Penal e o Processo Penal sob a égide da Constituição Federal de 1988. Os textos doravante apresentados qualificam-se pela profundidade e pela qualidade, o que foi o norte dos debates encetados e desenvolvidos no âmbito do Grupo de Trabalho Direito Penal, Processo Penal e Constituição I, por ocasião do IV Encontro Virtual do Conpedi.
Foram os seguintes os assuntos discutidos e que ora compõem, em textos, o livro:
- “A ação penal de iniciativa pública condicionada no crime de estelionato: a retroatividade da representação como critério de prosseguibilidade das ações penais em curso perante as garantias constitucionais”, em que o objetivo do estudo é analisar as alterações promovidas pela Lei 13.964/2019, conhecida como lei do pacote anticrime, no tocante a ação penal do crime de estelionato, a qual se tornou de iniciativa pública condicionada à representação, ressalvadas as exceções legais. Os autores, entretanto, chamam atenção para o fato de que surgiram questionamentos acerca da retroatividade da lei penal, os quais apresentaram divergências doutrinárias e entendimento diferenciado pelos Tribunais Superiores.
- “A proteção na sociedade de risco e o direito penal de garantia”. No texto aborda-se os problemas enfrentados pelo Direito Penal na proteção das demandas originadas na sociedade de risco e aqueles pela ciência criminal nos litígios originados na sociedade de risco. Após, apresentam-se alguns dos conflitos estruturais internos do Direito Penal diante das novas exigências sociais e, por fim, expõem-se algumas correntes existentes sobre a utilização do Direito Penal no gerenciamento dos novos riscos, concluindo-se pela possibilidade da intervenção penal na proteção dos riscos e segurança social, desde que respeitados os princípios limitadores do poder punitivo estatal e as garantias do Estado Democrático de Direito.
- “A reabilitação criminal da pessoa jurídica: desafios à efetiva sujeição penal dos entes morais na ordem jurídica nacional”. O estudo analisa a possibilidade de reabilitação criminal da pessoa jurídica, a partir do método indutivo e de pesquisa qualitativa e descritiva. À mingua de previsão específica de reabilitação para os entes morais, conclui-se pela integração do ordenamento pela analogia. O tratamento das inabilitações dos falidos pela Lei 14.112/20 é paradigma. A pessoa jurídica tem um patrimônio moral legítimo e intangível, por representar outra dimensão das personalidades das pessoas físicas que a integram. Essa perspectiva, alinhada à deontologia depuradora da reabilitação, justifica a integração do sistema pela analogia, favorecendo o reemprendedorismo e os benefícios sociais da atividade econômica.
- “A revista vexatória na jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul à luz da perspectiva de gênero”. O artigo tem como objetivo verificar de que forma as revistas íntimas constituem uma violação de direitos humanos, a partir de pesquisa jurisprudencial no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Adota-se o método dialógico de abordagem, mobilizando-o com revisão bibliográfica e análise de julgados. Conclui-se que a prática da revista íntima viola princípios constitucionalmente previstos, como o da dignidade da pessoa humana, da intimidade e da pessoalidade da pena. Na análise jurisprudencial, referente ao ano de 2019, verificou-se dois posicionamentos diferentes sobre a revista íntima entre as Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça gaúcho.
- “A superlotação das penitenciárias brasileiras: uma violação ao princípio da dignidade da pessoa humana do preso”. Neste trabalho objetiva-se discorrer acerca da atual situação do sistema penitenciário brasileiro, visando elencar possíveis soluções a fim de amenizar os problemas enfrentados. Através da pesquisa bibliográfica, é apresentado o papel da pena, evidenciando a violação aos princípios da dignidade humana do preso, a humanização e legislações vigentes, frente à situação degradante das penitenciárias brasileiras. Aborda-se a questão da privatização do sistema penitenciário como uma possível solução, a qual, somada a outras medidas, como, por exemplo, a atuação mais efetiva do Estado, inserção de políticas públicas, poderão amenizar os problemas enfrentados atualmente.
- “A tutela penal dos interesses metaindividuais nos crimes contra o sistema financeiro nacional”. O texto discute a intrincada questão dos bens e interesses jurídico-penais tutelados na Ordem Econômica Nacional, cujo fundamento encontra-se na Constituição Federal. O bem jurídico constitui o elemento nuclear do tipo penal, sua razão de ser, sendo a principal razão para se admitir a intervenção estatal no exercício de seu poder-dever de punição. Os objetivos principais do trabalho giram em torno dos bens e interesses tutelados nos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, especificamente a Lei nº 7.492/1986, sem deixar de apontar eventuais lacunas e deficiências que estariam a exigir a atuação legiferante do Estado.
- “Direito penal do inimigo e prisão preventiva: crise da técnica processual penal.” A pesquisa propõe identificar a presença dos elementos da teoria do Direito Penal do Inimigo no ordenamento jurídico brasileiro, em especial, no instituto da prisão preventiva com fundamento na garantia da ordem pública. A pesquisa é bibliográfica, qualitativa, e o método utilizado é dedutivo. O trabalho é voltado para os estudantes, profissionais do direito, e para aqueles que simpatizam com o tema.
- “Efetividade e finalidade sócio-jurídica das atribuições da efetividade e finalidade sócio-jurídica das atribuições da autoridade policial na primeira análise dos fatos e representação por medidas cautelares.” O artigo visa abordar as atribuições jurídicas da autoridade policial, inter-relacionada a aspectos sociológicos e a adequação e efetividade do serviço público da polícia judiciária, especificamente quando da análise fático-jurídica referentes aos fatos que chegam ao seu conhecimento e quando da representação por medidas cautelares. O aprofundamento teórico e sociológico são circunstâncias imprescindíveis para o desenvolvimento e evolução de tal matéria, assim como a análise jurídica em coadunação com os ditames constitucionais. Essa pesquisa possui abordagem pragmática, objetivando desvendar, na atual conjuntura jurídica, o quanto a atividade policial cumpre sua(s) finalidade(s) sócio-jurídica(s).
- “Estrangeiras, prisões e identidade (s): uma reflexão a partir da Lei n. 13445, de 24 de maio de 2017. No artigo, dialoga-se com presas estrangeiras mediadas por pesquisadoras(es), que lhes dão voz, e outros estudiosos da população prisional. Debate-se com a Lei de Migração, Execução Penal e a Constituição Federal. Expõe-se inovação em conteúdo dos conceitos de não nacional e de estrangeira, com itálico. Observa-se predominância do tráfico de drogas, com destaque da cocaína; prevalência de jovens, mães, primárias, com emprego declarado, escolaridade e status superior à média das brasileiras presas; questões relacionadas às motivações para o crime, ao gênero, à etnia e à cor da pele.
- “Mandados de criminalização e o enfrentamento à criminalidade organizada.” O artigo trata da teoria dos mandados constitucionais de criminalização e seus reflexos no combate à criminalidade organizada, tendo em vista que a Lei nº 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”) acrescentou o crime de organização criminosa no rol dos crimes hediondos, previsto na Lei nº 8.072/1990 (que cumpriu o mandado explícito de penalização constante do inciso XLIII do artigo 5º da Constituição Federal). Nesta senda, transcorre-se sobre o princípio da proporcionalidade (proibição da proteção deficiente) e o fato da hediondez do crime organizado ter sido condicionado à prática de crimes hediondos e suas implicações no enfrentamento às novas formas de criminalidade.
- “O direito penal brasileiro no início do século XXI: novas velhas respostas ao fenômeno da criminalidade”. O artigo objetiva analisar o expansionismo penal brasileiro a partir da edição da Lei nº 13.964/2019. Parte-se do seguinte problema de pesquisa: em que medida o “Pacote Anticrime” oferece ao fenômeno da criminalidade respostas que perpassam pela expansão do Direito Penal e pelo agravamento das condições do apenado? O texto é perspectivado pelo método hipotético-dedutivo e se estrutura em duas seções que correspondem aos seus objetivos específicos: inicialmente, avalia o processo de expansão do Direito Penal como um fenômeno global com reflexos locais; em seguida, avalia o referido processo expansionista a partir da edição, no País, da Lei nº 13.964/2019.
- “ O dogma da independência das instâncias e a interface entre ilícitos administrativos e crimes contra o mercado de capitais: efeitos das decisões da CVM sobre o processo penal”. O trabalho propõe a superação, ao menos na abrangência em que atualmente enunciado, do dogma da independência das instâncias, acolhido majoritariamente pela jurisprudência brasileira. Argumenta-se que se trata, em verdade, de uma relação de interdependência. Sugerem-se novas propostas interpretativas a respeito dos efeitos gerados pelas decisões administrativas na esfera penal. As soluções apresentadas serão testadas no âmbito do mercado de capitais, campo fértil de sobreposição entre ilícitos administrativos e penais.
- “O fenômeno da transnacionalidade no novo ‘plea bargaing’ brasileiro: uma análise do art. 28-A do Código de Processo Penal”. A pesquisa pretende investigar a instalação através da Lei 13.964/2019 da nova modalidade de barganha negocial chamada de acordo de não persecução criminal, que seria fruto de uma ordem estatal diversa, abrangida por uma concepção baseada no Direito Transnacional. Tem-se em conta a discussão acerca da finalidade do Processo Penal nesta nova modalidade de consenso criminal, sua influência como um modelo normativo que transcende as fronteiras nacionais e sua eventual colisão a partir dos conceitos e definições da teoria do bem jurídico penal aplicadas há décadas no país. O método da pesquisa é o dedutivo.
- “O pacote anticrime e seus impactos no sistema acusatório brasileiro: a constitucionalidade do artigo 385, do CPP na jurisprudência dos Tribunais”. Enfoca-se no texto que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal precisam rapidamente alinhar-se à nova tendência do sistema acusatório brasileiro superando seus precedentes que ainda emprestam constitucionalidade ao artigo 385, do Código de Processo Penal apesar da recente mudança promovida pela Lei 13.694/2019. Desse modo, por meio de pesquisa documental e teórica-bibliográfica, propõe-se uma reflexão sobre os argumentos que ainda sustentam a constitucionalidade do artigo 385, do Código de Processo Penal em face das mudanças promovidas pela Lei 13.964/2019, modificando os poderes instrutórios do juiz em razão dessa nova realidade legislativa
- “O princípio do devido processo legal como instrumento de efetivação dos direitos fundamentais e da personalidade”. Advindo do ideal inglês do due process of law, especialmente associado à Magna Carta do Rei João Sem-Terra, do ano de 1215, o princípio do devido processo legal consiste no estabelecimento de autolimitações ao poder estatal através do reconhecimento de garantias aos indivíduos. Diante do movimento de constitucionalização do Direito, tal princípio passou a ser concebido como possível instrumento de efetivação dos direitos fundamentais da personalidade. Objetivou-se assim, no trabalho, analisar a eficácia do princípio do devido processo legal, especialmente na seara penal. Para tanto, utiliza-se a abordagem metodológica hipotético-dedutiva, por meio da revisão bibliográfica.
- “O problema não está resolvido: que teoria das nulidades no processo penal brasileiro deve ser aplicada?” Partindo do pressuposto de que, teoricamente, o processo penal encontra-se em esfera distinta ao processo civil é que se desenvolveu a presente pesquisa, que objeta a teoria das nulidades no processo penal brasileiro, principalmente, porque alguns institutos – equivocadamente -utilizados no âmbito do estudo das nulidades do processo penal são remissivos ao processo civil. Este artigo tem como objetivo discutir sobre que teoria das nulidades no processo penal brasileiro deve ser aplicada diante da sua ausência efetiva. Trata-se de um texto fruto de uma pesquisa bibliográfica e jurisprudencial.
- “O programa universal de enfrentamento ao Covid-19 e o direito penal como instrumento subsidiário de proteção”. As consequências globais da pandemia causada pelo COVID-19 ampliaram a crítica sobre o enlace entre a pauta internacional de proteção à humanidade e os programas internos de proteção à saúde pública. Nesse contexto, o artigo tem o objetivo de analisar as ações internacionais e locais voltadas ao enfrentamento da atual pandemia, criticando – a partir da perspectiva dedutiva com o recorte na saúde pública brasileira – a complexidade da relação entre o plano político de saúde local e a emergência da proteção da saúde universal. O estudo avalia a intervenção penal como um instrumento adequado à proteção da saúde pública.
- “O tribunal do Júri como um direito fundamental do cidadão, e não como mera regra de competência: uma reinterpretação à luz da sua posição topológica na Constituição Federal”. O artigo tem como objetivo analisar o Tribunal do Júri, previsto Título II, Capítulo I, da Constituição Federal, como um direito fundamental do cidadão, e não como mera regra de competência. Daí porque cabe ao acusado, após encerrada a instrução, optar pelo seu exercício. Do contrário, não estaremos diante de um direito fundamental, mas de uma imposição arbitrária. Isso, pois, atualmente, especialmente em crimes de grande repercussão, o Tribunal do Júri tem revelado inseguranças quanto à imparcialidade dos jurados, havendo clara predisposição condenatória. O método da pesquisa é o dedutivo.
- “O viés de confirmação na tomada de decisão no âmbito do processo penal brasileiro: o instituto do juiz de garantias como instrumento de desenviesamento”. O estudo aborda o direito processual penal a partir de uma perspectiva interdisciplinar, apoiando-se nas descobertas recentes provenientes da psicologia cognitiva e da economia comportamental sobre a tomada de decisão e julgamento, especificamente no tocante à existência de heurísticas e vieses, especialmente o viés de confirmação e sua influência no processo penal brasileiro. A partir daí, verifica-se o funcionamento do instituto do juiz de garantias e sua possível utilização como instrumento de desenviesamento da sentença penal, como forma de promover maior imparcialidade no julgamento.
- “Reconhecimento de pessoa no direito brasileiro. A falibilidade da memória humana: uma análise à vista da redução do erro.” O artigo analisa a prova de reconhecimento de pessoa e suas repercussões no cenário criminal, especialmente por ser um meio de prova que ocupa espaço de destaque nos processos penais. O reconhecimento como espécie de prova dependente da memória, logo está propenso ao erro. Portanto, não é possível atribuir a esse meio de prova uma infalibilidade que não lhe é própria. O estudo dedica-se à necessidade de se adotar meios adequados capazes de assegurar resultados mais confiáveis à vista da redução do erro. Para tais fins, busca-se um diálogo com psicologia do testemunho. A pesquisa bibliográfica é a metodologia principal.
- “Regime disciplinar diferenciado: capacidade postulatória do delegado de polícia e o controle da criminalidade organizada”. A judicialização em busca de provimentos cautelares de internação de líderes de organizações criminosas desafia as autoridades e o Estado brasileiro. Não raro os crimes são perpetrados dentro de estabelecimentos prisionais, e vê-se o delegado de polícia diante de realidade inexorável de insuficiência na adoção de medidas de contenção da criminalidade, porquanto prisão, para quem já está preso, soa como uma contradição. A partir de análise do sistema de justiça criminal, pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, demonstra-se a legitimidade dos delegados de polícia na formulação de pleitos para isolamento no regime disciplinar diferenciado daqueles investigados que preencherem os requisitos.
- “Termo de Ajustamento de Conduta como uma técnica extraprocessual para a concretização do direito ao trabalho decente no sistema carcerário do Pará e no do Amazonas.” Neste artigo, discute-se o TAC ou ACDH como uma técnica extraprocessual para a concretização do trabalho decente no sistema carcerário do Pará e no do Amazonas. O objetivo é analisar de que maneira o termo pode ser um instrumento para estabelecer os parâmetros para labor decente aos encarcerados no Pará e Amazonas. Por fim, conclui-se que o acordo representa uma ferramenta adequada para concretizar o trabalho decente aos apenados no Pará e Amazonas, preservando os Direitos Humanos e fundamentais. Na pesquisa, utiliza-se o método hipotético-dedutivo, com uma análise documental e bibliográfica e uma abordagem qualitativa do tema.
- “Testemunho de ‘Hearsay’ como prova atípica e sua aplicação jurisprudencial”. O artigo trata o depoimento de testemunhas que não presenciaram crime, mas “ouviram dizer”, como prova atípica. Então, trata de apresentar a jurisprudência das Cortes Superiores e do TJRS acerca da admissibilidade do testemunho de hearsay para o recebimento da peça acusatória, a pronúncia e a sentença condenatória, partindo-se de uma revisão bibliográfica sobre a prova testemunhal no Processo Penal. Ainda que a doutrina seja contrária à utilização do hearsay, os magistrados majoritariamente aceitam o depoimento indireto para a instauração de investigação e o início do processo criminal, vedando-o para atos decisórios em atenção ao Estado Democrático de Direito.
“Vulnerabilidade e crimes contra a relação de consumo em tempo de pandemia do Covid-19.” A pandemia do COVID-19 tem trazido uma nova realidade e efeitos diretos a sociedade, nas mais diversas áreas. Nesse viés o comercio eletrônico tem crescido, gerando oportunidades para empresas que estão com potencial de venda reduzidos. Entretanto, também tem crescido a vulnerabilidade do consumidor, vivenciando crimes cada vez mais comuns contra a relação de consumo. Portanto, o artigo visa demonstrar os problemas originados do avanço do comercio digital no período de pandemia, bem como evidenciar a vulnerabilidade do consumidor e os crimes na relação de consumo atual.
Observa-se, portanto, que os artigos ora apresentados abordam diversos e modernos temas, nacionais e/ou internacionais, dogmáticos ou práticos, atualmente discutidos em âmbito acadêmico e profissional do direito, a partir de uma visão crítica às concepções doutrinárias e/ou jurisprudenciais.
Tenham todos uma ótima leitura. É o que desejam os organizadores.
Primavera de 2021
Prof. Dr. Luiz Gustavo Gonçalves Ribeiro
Dom Helder – Escola de Direito
Prof. Dr. Alceu de Oliveira Pinto Júnior
Universidade do Vale do Itajaí
ISBN: 978-65-5648-415-0
Trabalhos publicados neste livro: