DIREITO CIVIL CONTEMPORÂNEO
O Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI) reafirma, mais uma vez, seu compromisso com a internacionalização e a valorização da produção acadêmica brasileira em Direito, promovendo o XIV Encontro Internacional, realizado entre os dias 10, 11 e 12 de setembro de 2025, na encantadora cidade de Barcelos, Portugal. Ao longo de sua trajetória, o CONPEDI consolidou-se como o maior evento científico em Direito da América Latina, destacando-se por estabelecer parcerias estratégicas com instituições internacionais de ensino, ampliando o alcance da pesquisa jurídica brasileira e fortalecendo o intercâmbio acadêmico global.
Nesta edição, o encontro contou com a colaboração e o apoio determinante do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave (IPCA), uma das mais prestigiadas instituições de ensino superior politécnico da Europa, referência em inovação, pesquisa aplicada e integração com o setor empresarial. Através de sua Escola Superior de Gestão, o IPCA projeta-se internacionalmente, participando de redes de cooperação como a RUN-EU – Regional University Network – European University, que amplia a mobilidade acadêmica e fortalece o intercâmbio cultural e científico. A realização do encontro em Barcelos, cidade de história, cultura e tradição, conferiu ao evento um ambiente singular de diálogo e reflexão.
O Grupo de Trabalho em Direito Civil Contemporâneo, coordenado pelos professores doutores Frederico Thales de Araújo Martos (FDF e UEMG), Luiz Fernando Bellinetti (UEL), Luiz Henrique Urquhart Cademartori (UFSC) e Emília Rita Bragança da Silva Ferreira (IPCA), reuniu estudos submetidos a um rigoroso processo de dupla revisão cega, conduzido por avaliadores ad hoc, assegurando a qualidade científica e a originalidade das reflexões apresentadas.
Entre os trabalhos, merece destaque o estudo de Natan Galves Santana, intitulado “A exclusão de herdeiros por abandono afetivo inverso: uma necessidade jurídica à luz da dignidade da pessoa idosa”, que analisa a possibilidade de exclusão sucessória em razão do abandono dos pais pelos filhos, reconhecendo no princípio da solidariedade intergeracional e na dignidade da pessoa idosa fundamentos para a interpretação evolutiva do Código Civil, ainda que este estabeleça hipóteses taxativas de deserdação. O trabalho defende a viabilidade jurídica e a necessidade social de se admitir a deserdação por abandono afetivo inverso, ressaltando os impactos psicológicos e sociais do abandono e sugerindo tanto a via interpretativa quanto reformas legislativas futuras.
No campo da responsabilidade civil, Karina Pinheiro de Castro apresentou “A teoria da perda de uma chance na responsabilidade civil médica sob a perspectiva da reforma do Código Civil brasileiro à luz do ordenamento jurídico de Portugal”. O estudo aborda de forma comparada as legislações e jurisprudências brasileira e portuguesa, examinando a aplicabilidade da teoria no âmbito médico e sua inclusão no Projeto de Lei n. 04/2025, que propõe alterações ao Código Civil de 2002. A autora conclui pela necessidade de categorização autônoma do dano decorrente da perda de chance, garantindo reparação mais adequada aos pacientes privados de cura ou sobrevida.
Na interface entre direitos fundamentais e diversidade, Natan Galves Santana, Tereza Rodrigues Vieira e Valéria Silva Galdino Cardin trouxeram a reflexão “Famílias invisibilizadas: desigualdade reprodutiva e os direitos fundamentais e da personalidade das minorias sexuais”. O artigo denuncia a marginalização de arranjos familiares não tradicionais e as barreiras enfrentadas por homossexuais e transexuais no acesso às técnicas de reprodução assistida, dada a ausência de legislação específica e as restrições éticas impostas no Brasil. A pesquisa, enriquecida pelo direito comparado, defende políticas públicas inclusivas e regulamentações que assegurem o exercício pleno dos direitos reprodutivos, com base na dignidade, igualdade e liberdade.
No âmbito previdenciário, Elizabete Cristiane de Oliveira Futami de Novaes e Jorge Teles Nassif discutiram em “Filiação socioafetiva e seguridade social: o valor jurídico da afetividade na concessão de benefícios de pensão por morte” a consolidação da socioafetividade como marcador jurídico no reconhecimento da família, especialmente a partir do Tema 622 do STF. A pesquisa, fundamentada em análise comparada com a legislação francesa, evidencia a necessidade de adaptação do sistema previdenciário brasileiro às novas dinâmicas familiares, garantindo a efetividade dos direitos personalíssimos oriundos da filiação socioafetiva.
O estudo de Augusto de Lima Camargo, Rafael Alves dos Santos e Rita de Cássia Resquetti Tarifa Espolador, intitulado “Novos danos: estudo a respeito do dano existencial no ordenamento jurídico brasileiro e análise jurisprudencial”, aborda a evolução da responsabilidade civil e a ampliação do conceito de dano para além da esfera moral tradicional. O trabalho destaca a natureza multifuncional da responsabilidade civil e analisa decisões judiciais que reconhecem o dano existencial, inclusive casos envolvendo o nascituro como vítima, ampliando os contornos da reparação civil.
Ainda sobre filiação, Silvio Hideki Yamaguchi, Valéria Silva Galdino Cardin e Tereza Rodrigues Vieira apresentaram “O instituto da filiação socioafetiva e seus excessos: da banalização do instituto e a violação aos direitos fundamentais e da personalidade”. O artigo questiona o reconhecimento indiscriminado da socioafetividade, sobretudo em hipóteses post mortem, alertando para riscos de banalização e violação de direitos da personalidade. A pesquisa qualitativa aponta que, embora existam critérios para o reconhecimento judicial, muitas demandas buscam desvirtuar o instituto, fragilizando sua legitimidade.
Em um debate transnacional sobre direitos da personalidade, Marco Aurélio Rodrigues da Cunha e Cruz e Sabrina Favero analisaram “O valor da pessoa? Uma análise da dimensão patrimonial dos direitos de personalidade a partir dos casos Wackenheim e Zacchini”. A comparação entre as decisões da Suprema Corte dos EUA e do Comitê de Direitos Humanos da ONU demonstra a tensão entre a exploração econômica da imagem e a proteção da dignidade humana. O estudo defende a coexistência de dimensões patrimoniais e existenciais dos direitos da personalidade, propondo um equilíbrio que compatibilize autodeterminação e proteção.
O fenômeno digital foi abordado no trabalho de Frederico Thales de Araújo Martos, Kairo Telini Carlos e Tarcisio Henrique Santana Lima Queiroz Oliveira, intitulado “Quem fica com meu perfil? Herança digital, direitos da personalidade e o destino jurídico das contas digitais”. A pesquisa analisa a colisão entre interesses privados das plataformas digitais e os direitos de herdeiros, com base em casos paradigmáticos como o julgado pelo Tribunal Constitucional Federal Alemão. O artigo sustenta que negar o acesso aos bens digitais viola o direito à herança e a dignidade humana, defendendo uma regulação pública que reconheça os herdeiros como legítimos curadores dos bens digitais pós-morte.
Por fim, Frederico Thales de Araújo Martos, Jorge Teles Nassif e Miguel Teles Nassif trouxeram o instigante estudo “Quem são meus pais? Memória, estigma e reparação: os efeitos das políticas públicas de exclusão institucionalizadas na profilaxia da hanseníase”. O artigo revisita a política de isolamento compulsório de hansenianos no Brasil, instituída pela Lei n.º 610/1949, e seus efeitos devastadores sobre os chamados “órfãos de pais vivos”. A análise destaca a reparação tardia reconhecida pela Lei n.º 14.736/2023 e a relevância da ADPF 1060, proposta pelo MORHAN, na reabertura do debate sobre indenizações. O estudo defende a reparação como parte do dever estatal de reconhecimento das violações históricas de direitos fundamentais.
Todos os trabalhos apresentados evidenciam a riqueza e a pluralidade do Direito Civil Contemporâneo, abordando temas como herança digital, novas formas de família, proteção de minorias sexuais, danos existenciais, responsabilidade médica, filiação socioafetiva e reparação histórica. Cada pesquisa trouxe contribuições significativas não apenas para a doutrina e a jurisprudência, mas também para a formulação de políticas públicas que promovam dignidade, igualdade, solidariedade e justiça.
Os anais que ora apresentamos reúnem, portanto, reflexões de grande relevância acadêmica, intelectual e social. São estudos que ultrapassam os limites da dogmática jurídica, dialogando com demandas concretas da sociedade contemporânea, e que certamente inspirarão novas pesquisas e debates. Desejamos que a leitura destas páginas seja enriquecedora e mobilizadora, ampliando horizontes e fortalecendo o compromisso de todos com a construção de um futuro mais inclusivo, democrático e sustentável.
Convidamos todos a explorarem as reflexões e análises contidas nos anais do evento, que reúnem a riqueza intelectual e a profundidade acadêmica dos debates realizados. Desejamos,
portanto, uma leitura enriquecedora e inspiradora, que possa ampliar os horizontes e fortalecer o compromisso com a construção de um futuro mais justo e sustentável.
Frederico Thales de Araújo Martos (Faculdade de Direito de Franca - Universidade do Estado de Minas Gerais)
Luiz Fernando Bellinetti (Universidade Estadual de Londrina)
Luiz Henrique Urquhart Cademartori (Universidade Federal de Santa Catarina)
Emília Rita Bragança da Silva Ferreira (Politécnico do Cávado e do Ave)
ISBN: 978-65-5274-223-0
Trabalhos publicados neste livro: