DIREITO PENAL, PROCESSO PENAL E CONSTITUIÇÃO I
Durante uma tarde aprazível da primavera Uruguaia, nas dependências da Universidad de la Republica do Uruguay, no âmbito do Grupo de Trabalho intitulado Direito Penal, Processo Penal e Criminologia I, foram encetados e desenvolvidos debates que tiveram por escopo a discussão de questões contemporâneas e bastante ecléticas versando sobre as ciências penais.
As apresentações foram realizadas em um só bloco de exposições, havendo, pelos(as) autores(as) presentes, a apresentação dos respectivos artigos aprovados em sequência. Ao término das exposições, foi aberto espaço para a realização do debate, que se realizou de forma profícua.
Segue, abaixo, a descrição e síntese dos artigos apresentados:
O primeiro artigo, intitulado “Análise da geração ‘nem nem’ no Brasil à luz do direito à educação: juventude, exclusão e implicações do direito penal”, dos autores Luiz Gustavo Gonçalves Ribeiro, Hercules Evaristo Avancini e Isabela Moreira Silva, resulta de um estudo que associa e analisa o Direito à Educação e uma parcela significativa da população brasileira a que se convencionou chamar de “Geração Nem Nem”, constituída de 10,9 milhões de pessoas segundo o IBGE. Embora diversa em seu interior, em termos socioeconômicos e étnicos encontra semelhanças em virtude de viverem na condição de não estudarem e de não trabalharem, mesmo em idade ativa. O objetivo deste artigo é o de analisar as informações relevantes acerca da GNN e de refletir sobre a complexidade do contexto socioeconômico, com destaque às questões educacionais, além de colaborar na compreensão de sua relação com a manutenção do distanciamento do direito à educação e ao trabalho. No tocante ao aspecto penal, propõe-se uma reflexão construída no campo da análise criminológica que associa os direitos não exercidos pela GNN e a consequente ampliação da condição de vulnerabilidades sociais que exortam atividades ilícitas e marcam o aprofundamento da exclusão social, apontando para a necessidade de se repensar políticas públicas com o escopo de diminuir a incidência de jovens no submundo do crime. O desenvolvimento deste estudo apoiou-se na investigação e na revisão bibliográfica, também nos dados da Síntese de Indicadores Sociais do IBGE 2023, no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira e na Constituição Federal Brasileira adotando o método crítico-reflexivo. A utilização de informações quantitativas, geradas pelo IBGE e pelo INEP, geraram o suporte para as abordagens qualitativas.
O próximo artigo, cujo título é “Gestão integrada da segurança pública e da paisagem urbana”, dos autores Rodrigo Sant´Ana Nogueira e Rodrigo de Paula Zardini, tem como pressuposto fundamental analisar quatro eixos basilares para compreensão da relação entre o crime patrimonial (furto e roubo) e o meio ambiente. O primeiro elemento é a prevenção geral e abstrata composta pelo imperativo axiológico social e estatal que visa mitigar o desencadeamento do fato social considerado como crime. O segundo elemento é o papel do Poder Judiciário na materialização controle social proporcionando a percepção de segurança. O terceiro elemento é a compreensão da dinâmica territorial do crime face ao vazio intermitente das limitações sociais impostas pela sociedade ou pelo próprio Estado. O quarto elemento é composto por um silogismo social, qual seja, que não há espaço defensável, pois o Poder Judiciário, como instituição estatal de controle social é ausente e ineficaz nas periferias urbanas, sendo este o cinismo social evidente nas relações crime/efetiva punição e ressocialização do indivíduo. Face ao exposto, o objetivo geral do trabalho é avaliar os mapas de calor de criminalidade em um modelo de dinâmica mecânica e linear, pois, nesse sentido, se estratifica um determinado ponto de equilíbrio para projeção da paisagem segura, ou, numa segunda perspectiva, a criminologia ambiental seria um modelo líquido e caótico, que não seria possível determinar uma constante de equilíbrio.
O artigo seguinte tem por título “Informação criminal oficial, mortes violentas intencionais e elucidações dos crimes: uma história sobra a construção do sistema nacional de estatísticas criminais no Brasil”, de autoria de Cassandra Maria Duarte Guimarães, Ana Luisa Celino Coutinho e Gustavo Barbosa de Mesquita Batista. O trabalho tem por objeto de estudo a construção do sistema de informação criminal oficial, acompanhando a quantificação da incidência das mortes violentas intencionais, buscando responder a seguinte questão: as informações criminais oficiais advindas da segurança pública sempre foram validadas e usadas no Brasil? Supõe-se que o uso atual da contabilidade oficial criminal é recente, assim como sua correlação com o sistema de segurança e justiça criminal e com a persecução penal no país, uma vez que a coleta e o tratamento dessas informações até bem pouco tempo eram sinalizados pelas lacunas e imprecisões de um sistema uniformizado que contemplasse todas os Estados e o Governo Federal. A pesquisa torna-se relevante ao se observar que o cômputo oficial criminal no Brasil é reflexo da estrutura constitucional do sistema de persecução penal, que tem por locus inicial as instituições policiais da segurança pública, de onde também se origina a coleta inicial dos dados criminais no país. A análise foi realizada mediante uma abordagem qualitativa sobre a quantificação oficial dos crimes, especialmente tratando as mortes violentas intencionais, valendo-se dos procedimentos histórico e estatístico, bem como de técnicas de pesquisas bibliográfica e documental, quanto às publicações sobre as estatísticas criminais no país, detendo-se principalmente nas legislações sobre a atual política de informação oficial e segurança pública que, mesmo com os avanços alcançados, ainda apresenta ausência de dados e análises sobre as elucidações dos crimes.
O próximo texto, intitulado “Juvenicídio e feminicídio: vulnerabilidades entrelaçadas”, dos autores Thayane Pereira Angnes e Ana Paula Motta Costa, propõe uma análise das correlações entre juvenicídio e feminicídio, destacando a relevância como categorias-chave na compreensão dos problemas sociais, especialmente no contexto da violência enfrentada por adolescentes e pelas mulheres. O propósito do trabalho é aliar os estudos de juventude e gênero, explorando as proximidades dos conceitos, e como estes se entrelaçam, culminando em processos geradores de vidas descartáveis e passíveis de violência letal. Metodologicamente, este estudo baseia-se em uma análise teórica e de revisão bibliográfica. Inicialmente, são delineados os conceitos de juvenicídio e feminicídio como expressões emblemáticas de precarização e morte. Em seguida, são discutidas as interconexões e repercussões destes processos na sociedade. O estudo conclui que além de conexos, o feminicídio é um dos principais catalisadores do juvenicídio, o que é visível quando se observa submissão histórica das mulheres pelo patriarcado misógino, que impacta diretamente nas trajetórias de vida de jovens meninas, resultando em violência, precariedade e morte.
O trabalho seguinte, que tem por título “Lei n. 14843/2024: a restrição das saídas temporárias e os impactos ao processo de execução penal brasileira”, dos autores Luiz Fernando Kazmierczak e Vinicius Hiudy Okada, dispõe que a lei referida alterou a Lei de Execução Penal para dispor sobre a monitoração eletrônica do preso, prever a realização de exame criminológico para progressão de regime e restringir o benefício da saída temporária. A Anacrim e o CFOAB apresentaram ADIs contra a lei perante o STF, sustentando que a alteração legislativa viola valores fundamentais da CF/88 e prejudica a ressocialização do condenado. A pesquisa objetivou investigar os impactos trazidos pela Lei nº 14.843/2024 em relação ao processo e execução penal nacional, buscando-se responder questões como: a) “de que modo as restrições às saídas temporárias podem prejudicar os direitos fundamentais dos condenados?”; e b) “qual a importância do STF nesses casos?”. Utilizou-se para a confecção o método dedutivo – junto à análise de artigos científicos, doutrinas, legislações e reportagens de repercussão nacional –, partindo-se da premissa de que as alterações trazidas pela Lei nº 14.843/2024 trarão impactos não apenas ao processo e à execução penal, mas também à segurança pública nacional. Com todo o exposto, concluiu-se que as alterações trazidas pela lei prejudicarão – e muito – o processo e a execução penal brasileira, podendo, além de lesionar direitos fundamentais previstos constitucionalmente, colocar em risco a segurança pública nacional, através de institucionalização prisional e rebeliões. Pôde-se perceber a extrema importância do STF nesses casos, a começar pela decisão certeira do ministro André Mendonça, ao manter a saída temporária ao preso beneficiado antes da Lei nº 14.843/2024.
O próximo artigo, de nome “Machado de Assis e seletividade penal: a obra machadiana que revela o autoritarismo do aparato repressivo estatal e do sistema de justiça criminal”, de autoria de Léo Santos Bastos, visa responder como a obra de Machado de Assis e, mais especificamente, o conto Pai Contra Mãe exploram e expõem o racismo estrutural da sociedade brasileira, demonstrando as influências da colonização, da escravidão e do autoritarismo na seletividade do sistema de justiça criminal. Em vista disso, a partir do marco teórico da criminologia crítica, nos diálogos entre direito e literatura, buscou-se compreender os elementos antidemocráticos que contribuíram para a exclusão e marginalização de pessoas negras, por meio de políticas de morte e prisão. A partir da obra machadiana, pode-se compreender as desigualdades sociais e raciais que estruturam a sociedade brasileira, bem como formas e ações de participação popular que contribuem para a defesa e proteção de um Estado de bem-estar social que contenha o poder punitivo do Estado policial máximo. O artigo se insere no campo das reflexões interdisciplinares, procurando analisar o sistema de justiça criminal contemporâneo concomitantemente com os campos da literatura, da sociologia e da filosofia. A pesquisa se apropria de uma obra literária para examinar o estado da arte das relações raciais, sociais e institucionais brasileiras.
O texto seguinte, intitulado “Malwares: os limites do uso de novas tecnologias por agentes públicos em investigações criminais em face aos princípios e garantias constitucionais”, de Fausto Santos de Morais, Alan Stafforti e Juliana Oliveira Sobieski, tem o condão de abordar o impacto dos avanços tecnológicos na pesquisa e na aquisição de informações envolvendo a cibersegurança, destacando, principalmente, a crescente utilização de malware por agentes infiltrados digitais nas investigações criminais no Brasil. O estudo elaborado analisa a viabilidade legal do uso desse meio intrusivo para obtenção de elementos probatórios a fim de coletar dados para se chegar na autoria e materialidade de delitos, considerando os direitos e garantias constitucionais da privacidade e da proteção dos dados. A legislação brasileira atual, incluindo o Código Penal, a Lei 12.850/2013 (norma que rege as organizações criminosas, dispondo sobre a investigação e a obtenção de provas) e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), são examinadas quanto à adequação e a necessidade de uma regulamentação específica para o uso dos malwares. O trabalho discute a tensão entre a eficácia investigativa e a proteção dos direitos fundamentais, propondo a criação de um marco regulatório robusto para a obtenção, armazenamento e descarte dos dados coletados com a utilização do programa. A conclusão ressalta a urgência de regulamentar o uso de malwares, visando proteger a privacidade e garantir a legalidade das investigações criminais, promovendo um sistema de justiça investigatório mais seguro e eficiente.
O texto seguinte, de nome “O controle dos corpos femininos através da manipulação de discursos religiosos”, dos autores Larissa Franco Vogt, Mariele Cássia Boschetti Dal Forno e Doglas Cesar Lucas, tem como objetivo principal analisar o discurso persuasivo de líderes religiosos e casos de abuso da fé ocorridos em momentos de vulnerabilidade feminina, quando as vítimas buscavam conforto, esperança e a cura por meio de sua crença religiosa. O problema de pesquisa centraliza-se na seguinte questão: por que a violência sexual cometida dentro de instituições religiosas ainda é tratada como tabu e silenciada? A pesquisa demonstra que boa parte das mulheres vítimas dos abusos sexuais se calam por receio, vergonha, insegurança, mas principalmente por não quererem acreditar que sua fé foi objeto de manipulação e instrumento de violação de seu corpo, outrossim, quando resolvem falar acabam por serem questionadas e desacreditadas pelos órgãos públicos e até mesmo pela comunidade onde vivem. Para isso, foi utilizada uma metodologia de abordagem hipotético-dedutiva, com a análise de artigos e estudos, considerando que as pesquisas sobre o tema ainda são escassas.
O próximo artigo tem por título “O direito penal ambiental brasileiro na efetivação dos objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS) n. 13, 14 e 15”, e a autoria de Luiz Gustavo Gonçalves Ribeiro, Edimar Lúcio de Souza e Élica Viveiros. O texto tem como objetivo geral a análise de como o Direito Penal Ambiental brasileiro pode contribuir na efetivação dos ODS’s n. 13, 14 e 15. Utilizou-se das metodologias de revisão bibliográfica e de análise documental para fundamentar a pesquisa com resultados extraídos de estudos científicos, doutrinas, legislações e normas. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, básica, descritiva e bibliográfica/documental. Os resultados encontrados evidenciam que os dispositivos do Direito Penal Ambiental são de grande valia para dispor de certo controle preventivo e punitivo para a satisfação dos ODS’s n. 13, 14 e 15 no Brasil. Em considerações finais, a pesquisa destaca que o Direito Penal Ambiental vale-se de subsídios constitucionais para atuar em favor do meio ambiente.
O artigo seguinte, denominado “O espaço dos maiores estabelecimentos penais no Brasil sob a ótica dos preceitos fundamentais do preso”, de Luciano Rostirolla, avalia o espaço dos maiores presídios do Brasil sob a ótica dos preceitos fundamentais estabelecidos da Lei de Execuções Penais e Constituição Federal. As metodologias empregadas para elaboração do trabalho de pesquisa são a estatística, a monográfica e a comparativa. Embora sediados no mesmo território nacional e regidos pelas mesmas normas, os estabelecimentos penais brasileiros apresentam divergências no tratamento de seus detentos e no cumprimento das garantias constitucionais e direitos fundamentais do preso ou internado. No ano de 2022 o Brasil possuía aproximadamente 1.381 unidades prisionais em operação (DEPEN, 2023). Este estudo é desenvolvido por meio do método de análise de correspondência múltipla (ACM) e tem por objeto avaliar o espaço social dos maiores estabelecimentos do Brasil. Desse modo foram destacados os 214 maiores estabelecimentos, o que representa mais de 15% do total geral de presídios em operação. A pesquisa permitiu compreender algumas características dos estabelecimentos penais analisados e identificar algumas vantagens e falhas das unidades no tocante à estruturação física, garantia de direitos individuais, priorização da ressocialização por meio do estudo e trabalho dos detentos, com vistas ao seu desenvolvimento humano.
Em seguida, apresenta-se o artigo intitulado “O tempo como pena: desumanização e descaracterização da maternidade no cárcere feminino no Brasil”, escrito por Fernanda Analu Marcolla e Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth. Nessa pesquisa, investiga-se o “tempo como pena” na medida em que o tempo de encarceramento afeta a capacidade das mulheres de exercerem a maternidade e criar vínculo com seus filhos dentro do sistema prisional brasileiro. O objetivo geral da pesquisa é analisar de que maneira o tempo de encarceramento impacta a capacidade das mulheres de exercerem a maternidade, com foco na desumanização e descaracterização da identidade materna, considerando as inadequações estruturais do sistema prisional e as necessidades específicas das mulheres em termos de saúde reprodutiva e direitos maternos. Utilizando o método hipotético-dedutivo, a pesquisa revela que o tempo de encarceramento afeta significativamente a capacidade das mulheres de exercerem a maternidade dentro do sistema prisional brasileiro. Este impacto negativo é agravado pela estrutura inadequada do sistema prisional, que não oferece condições apropriadas para a manutenção do vínculo materno-filial e desconsidera as necessidades específicas das mulheres em termos de saúde reprodutiva e direitos maternos. A pesquisa conclui que a prolongada duração das penas resulta na desumanização e descaracterização da identidade materna, sublinhando a necessidade urgente de revisar e humanizar as políticas penais para garantir que os direitos reprodutivos e maternos dessas mulheres sejam respeitados e protegidos.
O artigo seguinte tem por título “PEC 45/2023 e a Política de drogas no Brasil: uma análise comparativa com a legalização da maconha no Uruguai”, e foi escrito por Carla Bertoncini, Carla Graia Correia e Matheus Arcoleze Marelli. No texto desenvolve-se que, nos anseios da política de drogas a nível mundial, a relação fronteiriça entre Brasil e Uruguai também é abalada. Demonstra-se uma enorme diferença na conduta da guerra contra o narcotráfico, partindo da segurança pública às políticas públicas. Notória e incontroversa, a Lei nº 19.172/2013 promulgada pelo então presidente do Uruguai, José “Pepe” Mujica, legalizou e regulamentou toda a cadeia da cannabis em solo uruguaio. Por outro lado, a relação brasileira é controversa: enquanto o STF decide sobre descriminalização do porte de maconha para uso pessoal, o Poder Legislativo atua, em resposta, para criminalizar ao máximo o porte e a posse de entorpecentes. A apresentação de contrapontos, através do método dedutivo, bem como de alternativas e soluções, buscando sempre a análise da lei uruguaia e de sua aplicação em seus órgãos de regulamentação, é a marca de que o Brasil ainda tem muito a aprender com o progressismo aplicado nas políticas públicas de sua ex-província, afastando o punitivismo e a repressão.
O artigo seguinte tem por título “Racismo como produto do sistema penal: a seletividade inerente à criminalização secundária”, dos autores Denner Murilo de Oliveira e Luiz Fernando Kazmierczak. Nele, destaca-se que, diante da desigualdade racial existente no plano social, a pesquisa tem como objetivo averiguar a reprodução do racismo pelo sistema penal brasileiro, abordando, a priori, as diferentes formas de racismo. O tema-problema do trabalho reside na seguinte indagação: Diante da representatividade de negros nas prisões, de que forma o sistema penal reproduz o racismo no Brasil? Para isso, realizou-se uma análise acerca do conceito de racismo institucional, racismo estrutural e racismo individualista, além da averiguação da relação entre racismo e direito. Além disso, observou-se dados referentes à população carcerária no território brasileiro, expondo o perfil dos apenados e evidenciando que há grande representatividade da população negra no cárcere brasileiro. Em seguida, utilizou-se dos objetos da criminologia crítica para compreender o sistema penal como reprodutor do racismo, sendo o marco teórico desta pesquisa a obra denominada “Criminologia Contribuição Para Crítica da Economia da Punição” de autoria de Juarez Cirino dos Santos. Por fim, a metodologia utilizada para o desenvolvimento da pesquisa é a dedutiva, partindo-se de um aspecto geral acerca do racismo e chegando ao campo particular do racismo reproduzido pelo sistema de justiça criminal e, ainda, expondo que a criminologia crítica pode ser aplicada para compreender a relação entre racismo e sistema penal.
O artigo seguinte, intitulado “Reconhecimento de pessoas nos crimes patrimoniais praticados mediante violência ou grave ameaça: análise dos julgados do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia”, dos autores Sebastian Borges de Albuquerque Mello e Beatriz Andrade Candeias, pretende analisar a adoção das regularidades legais e dos preceitos da psicologia do testemunho na produção do reconhecimento de pessoas, bem como a valoração deste elemento probatório nos processos penais tramitados na Bahia que versam sobre crimes patrimoniais praticados mediante violência ou grave ameaça. Questiona-se, assim, se os reconhecimentos de pessoas valorados pelo Tribunal de Justiça do Estado da Bahia são dotados de fiabilidade e se a Corte baiana adota o atual entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema. Desse modo, este trabalho realizou uma pesquisa empírica, a partir da metodologia indutiva, com abordagem por amostragem de dados qualitativos e quantitativos oriundos de 163 (cento e sessenta e três) acórdãos do Tribunal de Justiça disponíveis no website “jurisprudência TJBA” no filtro dos meses de maio e junho do ano de 2021, a partir da busca pelas palavras-chave “roubo” e “157”. Com isso, foi possível concluir que, na Bahia, a prática probatória do reconhecimento de pessoas tem como cunho a produção de variáveis sistêmicas e de estimação, ante a falta de acurácia dos atores de justiça sobre o funcionamento da memória, gerando alta probabilidade de produção de falsos reconhecimentos e, por consequência, elementos que não deveriam compor o acervo probatório da hipótese acusatória nas decisões da Corte baiana.
O próximo artigo, intitulado “Sistema de justiça criminal e a pandemia da Covid-19: um novo discurso jurídico-penal para legitimar velhas práticas punitivas”, do autor Léo Santos Bastos, externa que, em vista da pandemia da COVID-19, o cenário global se modificou para promover a contenção da transmissão do vírus, especialmente por meio do isolamento social. Contudo, a partir do histórico punitivo do país que armazena a terceira maior população carcerária do mundo, buscou-se avaliar, pelas lentes da criminologia crítica, de que forma os julgadores e julgadoras do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul interpretam os efeitos da crise sanitária e as medidas tomadas para seu enfrentamento no sistema de justiça criminal, que apontam para a manutenção do encarceramento, a desconsiderar as prescrições sanitárias de prevenção e, em última análise, a vida das pessoas privadas de liberdade. No presente artigo, foi possível averiguar e demonstrar que métodos de criminalização se estendem para as decisões judiciais a partir de discursos que julgam adequado o aprisionamento dos corpos em tempos de pandemia. Demonstrou-se ainda que as pessoas privadas de liberdade no Brasil compõem os mesmos grupos sociais excluídos em diferentes épocas. Por fim, examinou-se como a reiteração de discursos, decisões e práticas hegemônicas colabora com a perpetuação e manutenção do atual estado de coisas inconstitucional de nossas penitenciárias.
O próximo artigo tem por título “Teorias das penas e o descumprimento da função da pena no Brasil e a omissão estatal”, e foi escrito por Carolline Leal Ribas, Renata Apolinário de Castro Lima e Roberto Apolinário de Castro. No texto, os autores analisam as modalidades de teorias da pena e o tipo de pena aplicado no ordenamento jurídico brasileiro. A pesquisa versa sobre a omissão estatal e o descumprimento da função da pena no sistema brasileiro, que adota a Teoria Mista. Aborda-se, também, temas-problemas do julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental nº 347, do Supremo Tribunal Federal, que considerou a situação prisional no Brasil um “estado de coisas inconstitucional” com “violação massiva de direitos fundamentais” da população prisional, por omissão do poder público, conceituando-se assim como, “estado de coisas inconstitucional”. Se trata de uma problemática atual e que possui relevância para a sociedade, em função do cenário ao qual são submetidos os reclusos do sistema penitenciário brasileiro. O artigo procedeu a investigação científica empregando a metodologia consistente na pesquisa bibliográfica, utilizando-se do método dedutivo.
No artigo derradeiro, intitulado “Visão geral das decisões de cassação criminal sobre lavagem de dinheiro”, a autora Natalia Acosta examina os aspectos problemáticos dos crimes de lavagem de dinheiro levados à Suprema Corte de Justiça do Uruguai por meio de recursos de cassação. Inicialmente, o artigo apresenta o problema de pesquisa. Em seguida, por meio de uma metodologia de pesquisa jurídico-empírica, são abordadas as decisões de cassação sobre o assunto desde a promulgação da lei original até a presente data. No Uruguai, os crimes de lavagem de dinheiro são punidos desde 1998. Entretanto, os resultados são escassos. Por um lado, porque há poucas condenações e, por outro, porque, em geral, os casos não chegam à terceira instância. Foram encontradas sete sentenças, e todas elas têm em comum a relação problemática com as atividades criminosas anteriores, que, exceto em um caso, foram cometidas no exterior. No entanto, em todos os casos, sabia-se ou deveria saber-se que os recursos eram provenientes dessas atividades e essa conclusão foi alcançada por meio de provas circunstanciais.
Observa-se, portanto, que se tratam de trabalhos ecléticos e atuais e que, por certo, se lidos e compreendidos, oferecerão uma grande contribuição para o avanço das práticas e políticas necessárias para o aperfeiçoamento das ciências criminais no Brasil.
Por fim, nós, organizadores do livro, convidamos todos para uma leitura aprazível e crítica de todos os textos.
Montevidéu, primavera de 2024.
Professor Doutor Antônio Carlos da Ponte, Universidade Nove de Julho e Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. acdaponte@uol.com.br
Professor Doutor Luiz Gustavo Gonçalves Ribeiro, Dom Helder-Escola Superior. lgribeirobh@gmail.com
ISBN: 978-85-5505-968-1
Trabalhos publicados neste livro: