HISTÓRIA DO DIREITO
A história do direito é uma área jovem no campo acadêmico brasileiro. Como qualquer disciplina em consolidação, apresenta fortes desafios, que oscilam entre a profissionalização e o rigor acadêmico (indubitavelmente presentes na área no Brasil) e um certo diletantismo. Assim como o grande historiador francês do século XX, Phillippe Ariès, dizia-se (no caso dele, pela mais legítima modéstia) um mero “historiador domingueiro”, no Brasil temos ainda muitos acadêmicos provenientes de outras áreas alheias à história do direito que se aventuram nas plagas da “história do direito”. Os resultados desse fenômeno são heterogêneos: de um lado, vemos como altamente positivo que haja um interesse crescente pelo passado jurídico e pelo esforço de compreensão da esfera jurídica pelas lentes históricas; de outro lado, porém, vemos algumas aproximações à disciplina sem a devida mediação metodológica, sem a devida compreensão de que “atingir” o passado não é tarefa simples, mas que exige ferramentas e adestramento, sob pena de se cometer uma série de “pecados” teóricos – sendo que o maior deles para o historiador, segundo o célebre Lucien Febvre, era o pecado do anacronismo.
Os resultados compilados nessa nova coletânea do CONPEDI revela, a um só tempo, o robustecimento do GT de História do Direito, já que muito nos impressiona pela quantidade de trabalhos enviados (sendo alguns de excelente qualidade), e a heterogeneidade da produção acadêmica da área de história do direito no nosso país.
Como coordenadores do GT, nossa tarefa é sobretudo aquela de, durante o desenvolvimentos dos trabalhos no encontro do CONPEDI, encaminhar as discussões de modo a pontuar as especificidades teóricas e metodológicas do campo da História do Direito, refletindo sobre os limites de um campo do saber ainda em consolidação no Brasil.
Enquanto organizadores dos anais do GT, incumbe-nos organizar as contribuições dos participantes, ordenando-os tematicamente, em consonância com a temática geral do XXV Encontro Nacional do CONPEDI e de forma a tornar minimamente coerente a organização da diversidade temática e metodológica presente no corpo de textos apresentados. Assim, tendo em vista o arco temático “Direito e Desigualdades: diagnósticos e perspectivas para um Brasil justo”, organizamos da seguinte forma os trabalhos apresentados no GT História do Direito do XXV CONPEDI:
1) História do Direito e do Pensamento Jurídico
2) História do Direito na Europa
3) História do Direito e construção do Estado brasileiro
4) História Constitucional brasileira
No primeiro bloco, História do Direito e do Pensamento Jurídico, inauguramos o volume, em homenagem à temática geral do XXV Encontro Nacional do CONPEDI, com uma reflexão de caráter metodológico sobre a Nova História, a partir do estudo da obra Las mujeres ante la ley en la Cataluña moderna, de Isabel Pérez Molina, que aborda a condição das mulheres na Idade Moderna. No texto intitulado Melheres perante a lei na Catalunha moderna, Maria Τereza Fonseca Dias pretende contribuir para a compreensão dos fenômenos sociojurídicos do passado relacionados à temática de gênero.
Em seguida apresentamos textos que abordam aspectos de uma historiografia dos conceitos, o primeiro intitulado O conceito de Justiça na História, escrito por Ana Carolina Nunes Furtado e o segundo O conceito de soberania entre a formação das cidades medievais e a sociedade internacional clássica, escrito por Marcelo Markus Teixeira e Idir Canzi. Nesse último, a pesquisa histórica sobre o conceito de soberania leva a uma problematização da noção de soberania na Idade Média, abrindo espaço para se discutir a modernidade desse conceito em face do surgimento de uma sociedade de Estados, assim como do Direito Internacional.
O segundo bloco é composto por artigos que abordam temas variados da história do direito na Europa. Dada a proximidade temática com o último texto do bloco precedente, inauguramos esse grupo de textos com o ensaio Estado, Direito e religião na ordem jurídica medieval, em que Viviane Lemos da Rosa e William Soares Pugliese desenvolvem diferentes aspectos da ordem jurídica medieval, com enfoque nos temas do pluralismo jurídico, da ausência de unidade politica e da importância que a religião adquiriu na formatação de uma cosmovisão medieval. Os dois últimos textos desse bloco recuperam expressões do Direito Romano, com enfoque sobre a visão romanista da estrutura familiar. No texto A família romana: contributo histórico-jurídico, no qual Maisa de Souza Lopes e Vivian Gerstler Zalcman, no qual se pretende recuperar a contribuição daquela visão para o contexto atual e no estudo. Já Ricardo Alejandro Lopez Tello e Adriana Silva Maillart, no ensaio Tribuno da Plebe: contextualização histórica do acesso à justiça por métodos extrajudiciais de resolução de conflitos, têm por objetivo analisar a luta e o resultado das reivindicações da plebe, enquanto excluídos na sociedade, sobretudo no que diz respeito às suas chances concretas de “acesso à justiça”, pela via do “Tribuno da Plebe”.
O terceiro bloco de artigos, reunidos sob a temática História do Direito e construção do Estado brasileiro tratam de aspectos variados da formação do direito e das instituições jurídico-políticas brasileiras, da época colonial à República. O bloco é integrado por textos sobre o direito penal colonial, de autoria de Karina Nogueira Vasconcelos e Rodrigo Teles de Oliveira e intitulado Penalidade e Colônia: da liberdade punitiva às Ordenações Filipinas numa análise da punibilidade dos homens livres na capitania de Pernambuco; sobre as origens do contrato de arrendamento rural no Brasil, no estudo apresentado por Luís Felipe Perdigão de Castro no texto Os contratos de arrendamento rural no Brasil: origens históricas; assim como sobre a História do Federalismo Fiscal no Brasil Império, Guilherme Dourado Aragão Sá Araujo e Maria Lírida Calou De Araújo e Mendonça, em que se aborda a influência do modelo federalista norte-americano no movimento descentralizador no Brasil da década de 1830, a partir da pesquisa historiográfica e da análise de estudos financeiros e de documentos político-legislativos do Império. Outro interessante estudo é Uma análise da elaboração do Código Comercial brasileiro à luz da doutrina e debates legislativos históricos, em que Alexandre Ferreira de Assumpção Alves e Raphael Vieira da Fonseca Rocha discorrem acerca dos debates na Câmara dos Deputados nos anos que precederam a promulgação do Código Comercial Brasileiro em 1850, dando relevo à votação do projeto em bloco. Nesse segmento, destaca-se ainda, como particularmente afinada com o campo temático do XXV CONPEDI, a pesquisa de Jahyra Helena Pequeno dos Santos e Ivanna Pequeno dos Santos sobre a demanda pelo voto feminino no Brasil e sua abordagem histórica.
O quarto e último segmento, sobre História Constitucional Brasileira inicia-se com uma interessante reflexão sobre as expressões da temporalidade na história constitucional brasileira, elaborada por Luiz Fernando de Oliveira no artigo Tempo que passa, tempo que fica: o prescritível e o imprescritível como expressões de temporalidades na história constitucional brasileira. Em seguida apresentam-se pesquisas diversas sobre as transformações históricas em diferentes aspectos do constitucionalismo brasileiro, como ocorre nos textos A evolução do modelo burocrático de gestão brasileiro na República, de autoria de Daniela Almeida Bittencourt e Fabrizia Angelica Bonatto Lonchiati; A tutela constitucional da cultura no Brasil, de Letícia Menegassi Borges e Análise da gestão privada de recursos públicos a partir da contextualização histórica das políticas publicas de saúde no Brasil, escrito por Elda Coelho De Azevedo Bussinguer e Shayene Machado Salles. Ainda nesse bloco, uma reflexão sobre a evolução do constitucionalismo brasileiro à luz da nova perspectiva do constitucionalismo latino-americano, no trabalho Texto e contexto do constitucionalismo brasileiro: releituras a partir do constitucionalismo latino americano do século XXI, que tem por autor Pedro Henrique Nascimento Zanon.
Dois textos abordam a temática da história das transições políticas no Brasil. De forma mais direta, o texto Poder Judiciário, Regime Autoritário e Memória: a narrativa institucional sobre o regime autoritário, de Vanessa Dorneles Schinke, descreve a narrativa oficial sobre a atuação do poder judiciário durante o regime autoritário de 1964-1985 que foi apresentada nos espaços de memória da justiça comum brasileira. Já o texto De Médici a Marighella: uma história “certa”escrita por linhas tortas, ou uma história “torta” escrita por linhas certas, escrito por Filipe Segall Tavares , José Maria Barreto Siqueira Parrilha Terra , parte de relato de um caso relacionado com a temática dos “lugares da memória” para empreender um debate, a partir de Michel Foucault, sobre aspectos epistemológicos da história do direito.
Veja-se, pois, uma amostragem da produção cientifica no campo da História do Direito no Brasil, que convidamos nosso leitor a visitar.
Prof. Dr. Álvaro Gonçalves Antunes Andreucci (UNINOVE)
Profa. Dra. Juliana Neuenschwander Magalhães (UFRJ)
Prof. Dr. Ricardo Marcelo Fonseca (UFPR)
ISBN: 978-85-5505-193-7
Trabalhos publicados neste livro: