DIREITO PENAL E CONSTITUIÇÃO
As articulações teóricas entre Direito Penal e Democracia permitem avançar nas discussões da Dogmática Penal, da Criminologia e do Direito Penal. Neste livro, perspectivas diversas de análise contribuem para pensar as experiências punitivas contemporâneas.
A sociedade da globalização, da revolução tecnológica, da desterritorialização do Estado, do fenecimento das estruturas tradicionais do constitucionalismo, do reposicionamento do Direito Penal, desvela um tempo de grandes mudanças e transformações, as quais atingem espaços jurídicos, políticos, econômicos e até culturais. Surgem, então, novos direitos, novos atores sociais e novas demandas, as quais reclamam novas formas de equacionamento e proteção de bens juridicamente considerados relevantes.
Intacto neste processo não restou o ordenamento jurídico. Afinal, o ordenamento jurídico não será relevante a menos que a lei (em sentindo amplo) seja capaz de produzir efeitos na sociedade. Destaque-se não tão-somente a impotência jurídica como causa deste inadimplemento, some-se neste quadro os vultos impeditivos e/ou promocionais decorrentes de condições nacionais, regionais, internacionais, tecnológicas, sociais e, especialmente, econômicas.
Parte dos textos enfrentaram as dinâmicas atuais do sistema de justiça criminal e as violações de direitos no sistema democrático. Luciana Correa Souza faz uma revisão bibliográfica apontando para a realização das funções de seletividade e reprodução social do sistema penal legitimado pelas promessas de segurança jurídica da Dogmática Penal. Edyleno Italo Santos Andrade e Daniela Carvalho Almeida da Costa descrevem a tendência de administrativização do direito penal e sua consequente violação dos princípios limitadores constitucionais penais. Lenice Kelner discute o processo de expansão do encarceramento e as violações sistemáticas de direitos dos presos. Bruna Nogueira Almeida Ratke e Celia Camelo de Souza, desde uma pesquisa empírica, revelam a ineficácia do direito à educação no sistema prisional frente às regras internas de segurança e à precária estrutura material dos estabelecimentos. Ezilda Claudia de Melo, por fim, problematiza os efeitos da espetacularização midiática nas decisões do Tribunal do Juri.
O modo como o regime de gênero afeta o funcionamento do sistema de justiça criminal e, por consequência, obstaculiza a realização democrática, também foi abordado sob perspectivas diversas. Mariana Faria Filardi e Maria Rosineide da Silva Costa exploraram as possibilidades alternativas à pena de prisão como forma de resposta mais adequadas aos crimes de violência doméstica contextualizados pela Lei 11.340/2006. Mayara Aparecida da Silva discutiu as previsões legais e doutrinarias e sua compatibilidade constitucional em relação ao não reconhecimento do marido como sujeito ativo do crime de estupro. E, por fim, Vitor Amaral Medrado e Nayara Rodrigues Medrado apontaram as incompatibilidades, desde uma macroanálise, entre as demandas punitivistas do movimento feminista e a realização de igualdade.
Fernando Martins Maria Sobrinho e Fábio André Guaragni assinalam a necessidade de que o Direito Penal Econômico dialogue e receba insumos interdisciplinares, especialmente, de critérios provenientes da atividade empresarial e do primado da função social da empresa, para além da visão restrita de máxima lucratividade.
Em linhas similares, o artigo “A construção do Direito Penal Ambiental e seu conflito no ordenamento jurídico brasileiro”, de autoria de Maurício Perin Dambros e Patrícia de Lima Félix, ao retomar o debate sobre bens jurídicos relevantes e o intuito protecionista do ambiente, defende um constante e perene diálogo do Direito Ambiental com o Direito Penal e com Direito Administrativo.
A proposta de Luiz Eduardo Dias Cardoso, em seu artigo, verte a importância da aproximação do Direito com a Economia, sob o viés da Análise Econômica do Direito. Para tanto, em termos específicos, clama pela relevância de aferição da efetividade aos crimes tributários à luz da Análise Econômica do Direito no Brasil. Assim, busca o autor verificar a hipótese de que a repressão aos crimes fiscais no Brasil é ineficiente, sobretudo em decorrência do mau aparelhamento do aparato repressivo estatal, conforme critérios fixados por Gary Becker.
Fábio Augusto Tamborlin insere questionamentos sobre a função do Direito Penal em cenários globalizados e orientados por uma sociedade de risco. Nestes termos, coloca o Direito Penal diante de uma das mais complexas situações de atuação, isto é, a passagem do Direito Penal para além das fronteiras nacionais.
No texto “Breves reflexões acerca do princípio do bis in idem e o Direito Ambiental”, a autora, Larissa Gabriela Cruz Botelho, retoma o estudo das convergências e divergências da teórica clássica do Direito Penal em relação aos preceitos de proteção ambiental. Para tanto, busca insumos na apreciação dada à problemática pela Corte Constitucional espanhola e seus reflexos na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
O artigo de Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith, destina uma crítica contundente à lei brasileira de combate ao tráfico de seres humanos, ao tempo que tal dispositivo aborda a prostituição no Brasil uma vez que este é o único propósito previsto pela legislação nacional, o que dificulta não só a real compreensão das diversas formas existentes de exploração, mas também as respostas adequadas por Estado.
No texto “O Patriot Act americano nas visões de Hannah Arendt e Giorgio Agamben: o direito penal do inimigo como remontagem do homo sacer”, os autores retomam a pauta da criminalização do terror e das novas fronteiras da persecução penal por “razões de Estado”, importando em progressiva mitigação de Direitos Humanos e garantias processuais pelos atos pós-11 de setembro de 2001.
A proteção penal do patrimônio cultural e da paisagem demonstra, na visão das autoras, que não se tutela apenas aqueles mas, sobretudo o liame subjetivo que os conecta com o ser humano, garantindo identidade e pertencimento ao meio, pretendendo responder qual o fundamento jurídico para a impossibilidade de se aplicar o princípio da insignificância e garantir solidariedade intergeracional na proteção do patrimônio cultural material e da paisagem na tutela penal brasileira.
Márcio de Almeida Farias, introduz uma posição crítica em relação à responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais e a necessidade de uma lei geral de adaptação, para tanto, conclui com a síntese da necessidade de ampla reestruturação dogmática do direito penal e processual penal para dar guarida às pessoas jurídicas.
Fabíola de Jesus Pereira e Andreia Alves de Almeida analisam a eficácia da colaboração premiada no combate à corrupção e o efeito dominó na operação Lava Jato, tema de grande atualidade e relevância na maior operação de combate à corrupção já realizada no Brasil.
Nelson Eduardo Ribeiro Machado argui a inconstitucionalidade do art. 28 da Lei nº 11.343/2006, que pune o porte de drogas para uso próprio, concluindo que a não criminalização do porte de drogas para consumo próprio quantificando um valor para a posse de pequena quantidade, bem como medidas alternativas à criminalização, de cunho administrativo, devem ser adotadas, tais como a possibilidade de tratamento do usuário, medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo, conforme prescrito no art. 28 da Lei nº 11.343/06, inciso III. Enfim, deve haver um esforço conjunto entre Poder público e sociedade em prol do enfrentamento do problema.
Alberto Jorge Correia de Barros Lima e Nathália Ribeiro Leite Silva apresentam uma análise dogmática dos mandamentos constitucionais criminalizadores e dos princípios constitucionais penais. Colocando em foco os princípios constitucionais penais e os mandamentos constitucionais criminalizadores, os autores concluíram que se deve ter em mente que, sendo os primeiros originários do Estado Liberal, e os segundos decorrentes do Estado Social, tal qual o Estado Democrático de Direito em que vivemos hoje deve constituir uma síntese e superação desses seus dois antecessores, também é preciso que, ao se estudar o Direito Penal Constitucional, leve-se em conta que tanto os princípios como os mandamentos desempenham papel de relevância no Direito Penal hodierno, e que entre eles deve haver a necessária correlação para que coexistam a fim de consagrar um Direito Penal mínimo e eficiente, que faça jus ao avanço das sociedades, enquanto democráticas.
Gerson Faustino Rosa e Gisele Mendes de Carvalho indagam se o casamento ainda é um bem jurídico penal ante o princípio da intervenção mínima do Direito Penal. A pergunta é respondida desafiando o crime de bigamia. Quanto ao casamento como bem jurídico específico, concluem os autores que, por óbvio, também deve-se, não somente dispensar, mas evitar a intervenção da ingerência penal, a qual decorre de um tempo em que não se admitia o divórcio, onde as pessoas uniam-se para a eternidade, onde criminalizava-se o adultério e outros fatos que hoje inexistem, especialmente em face da evolução cultural e legislativa, trazida pela nova Constituição, que revolucionou o Direito de Família.
Fernando Andrade Fernandes e Leonardo Simões Agapito trataram da hermenêutica midiática e das distorções dos critérios de atribuição de responsabilidade criminal. Frente às análises realizadas ao longo do texto, compreendem que a progressiva redução das garantias processuais e violação das liberdades individuais pela ultra exposição de fatos sigilosos do processo, à margem de conceitos normativos e critérios técnicos, sem a crítica necessária às instituições judiciárias e desprendido de qualquer autorreflexão, acabam por gerar uma distorção dos fatos, por consequência, do próprio direito penal e suas categorias, pensadas justamente como um contrapeso à intervenção punitiva sem controles.
Ana Clara Montenegro Fonseca e Vinícius Leão de Castro analisaram o impacto dogmático das chamadas circunstâncias concomitantes na formação do conceito finalista de culpabilidade normativa pura e seu confronto com a moderna perspectiva funcional-sistêmica. Após um detido enfrentamento do tema, os autores concluem que o funcionalismo normativo-sistêmico e, consequentemente, sua concepção de culpabilidade-, com seu método exageradamente normativista, não é bem-vindo vez que não limita a intervenção punitiva do Estado – pelo contrário, possibilita a sua maximização. Ademais, é esse modelo funcional incompatível com o ordenamento pátrio, que se funda na teoria finalista.
Diego José Dias Mendes tratou da não punibilidade do excesso na legítima defesa e as possíveis repercussões para a valoração da agressão licitamente precipitada pela vítima. Após comparar sistemas jurídicos que já superaram a questão, o autor concluiu que se hoje a mera proposta de explicação do comportamento criminoso à luz de atitudes da vítima já causa escândalo na sociedade, isto ocorre porque se trata de forma de pensar (técnica de neutralização) que de fato – segundo demonstra a vitimologia crítica – mobiliza comportamentos criminosos; conceber que dê azo também à impunidade não soa de modo algum sequer suportável à luz das finalidades preventivas e da necessária formalização do direito penal.
Halyny Mendes Guimarães analisou o efeito irradiante do princípio da presunção de não culpabilidade na esfera administrativa das corporações militares estaduais, concluindo que as previsões contidas nos estatutos das Corporações Militares devem estar ajustados a esse princípio constitucional.
André Eduardo Detzel e Aline Martinez Hinterlang de Barros Detzel trataram da superação das vedações dogmáticas para a responsabilização penal da pessoa jurídica, apresentando reflexões sobre o modelo construtivista de autorresponsabilidade. Os autores chegaram à conclusão de que a principal crítica feita ao modelo construtivista de autorresponsabilidade penal dos entes coletivos é que ele apresentaria imperfeições teóricas que o assimilariam ao conceito clássico de imprudência. Mas resumiram, por fim, que é possível, apesar das críticas, concluir que o modelo construtivista de autorresponsabilidade contempla fundamentos necessários para investigar, denunciar, processar e condenar uma pessoa jurídica pela prática de um crime ambiental, isto é, é possível assegurar a vigência do artigo 225, § 3º, da Constituição Federal.
À guisa de conclusão, o Grupo de Trabalho de Direito Penal e Constituição cumpriu às inteiras o seu objetivo, reunindo os excelentes artigos que agora são disponibilizados nesta publicação.
Profa. Dra. Camila Cardoso de Mello Prando (UNB)
Prof. Dr. Diaulas Costa Ribeiro (UCB)
Prof. Dr. Márcio Ricardo Staffen (IMED)
Coordenadores
ISBN: 978-85-5505-168-5
Trabalhos publicados neste livro: