DIREITO CIVIL CONTEMPORÂNEO I
A presente coletânea é composta dos trabalhos aprovados, apresentados e debatidos no Grupo de Trabalho: “Direito Civil Contemporâneo I”, no âmbito do XII Encontro Internacional do CONPEDI, realizado entre os dias 12 a 14 de outubro de 2023, na cidade de Buenos Aires/Argentina, na Facultad de Derecho - Universidad de Buenos Aires (UBA), e que teve como temática central “Derecho, democracia, desarrollo y integración”.
Os trabalhos expostos desenvolveram de forma verticalizada diversas temáticas atinentes ao Direito Civil Contemporâneo, especialmente na relação dialogal com os Direitos da Personalidade, as novas tecnologias e a consequente Democratização do Direito Civil. As pesquisas ora apresentadas funcionam como canais indispensáveis nos debates e propostas das pendências existentes nos campos indicados e na busca de soluções efetivas para as problemáticas indicadas.
Bruna Dezevecki Olszewski e Dirce do Nascimento Pereira abordam o contexto de superexposição de crianças nas redes sociais pelos pais – fenômeno conhecido como sharenting – caracterizado pelo compartilhamento de imagens, dados ou informações relacionadas aos filhos ainda em tenra idade, no âmbito da Internet. Com isso, o estudo centra-se na problemática relacionada à colisão de direitos fundamentais, especificamente relacionados à liberdade de expressão dos pais para publicarem o que bem entenderem, em contraponto ao direito de imagem da criança, considerando a necessidade de lhe conferir proteção integral.
William Paiva Marques Júnior investiga os desafios impostos ao Direito Civil Contemporâneo a partir da positivação do princípio da boa-fé objetiva, que incluiu o paradigma da eticidade. Nesse contexto, a boa-fé objetiva surge como elemento instrumental em todos os ramos civis atuando como elo entre os fenômenos da Ética e do Direito, especialmente em matéria de Direito dos Contratos. Objetiva-se analisar a função instrumental da boa-fé, contemplada pelo Código Civil de 2002, no campo do Direito Contratual, a irradiar os seus efeitos nos aspectos obrigacionais, familiares, sucessórios e patrimoniais (incluindo a responsabilidade civil).
Matheus Pasqualin Zanon , Aline Hoffmann e Paulo Roberto Ramos Alves refletem sobre a evolução das estruturas familiares na democracia, revelando uma relação complexa entre mudanças nas famílias e os princípios democráticos. Diferentes modelos democráticos moldaram as políticas de direito de família, com abordagens inclusivas reconhecendo e protegendo diversas formas familiares. Movimentos sociais, como os de direitos LGBTQIAP+ e igualdade de gênero, impulsionaram essas mudanças, enquanto a democracia respondeu a essas demandas por meio de legislações progressistas. No entanto, desafios persistem, como desigualdades entre grupos familiares. A relação é recíproca: as mudanças familiares influenciam a democracia e vice-versa. A compreensão da diversidade familiar e a proteção dos direitos fundamentais sob princípios democráticos são cruciais para o entendimento da sociedade. Enquanto as sociedades continuam a evoluir, esta interseção entre democracia e estruturas familiares permanecerá vital para promover igualdade, justiça e direitos humanos em nossa complexa e variada paisagem social, visto que a família é a primeira sociedade em que o sujeito está inserido.
Fabricia Moreira Rodrigues Mescolin investiga a aplicabilidade do princípio da solidariedade familiar como comando normativo, capaz de impor deveres prestacionais a cada filho, com a intenção de tornar uniforme a divisão dos cuidados entre os irmãos. Com a chegada da velhice, surge o problema da dependência, necessitando o idoso da ajuda para alcançar a satisfação das suas necessidades. Aos filhos maiores, incube o dever jurídico normativo de amparar seus genitores na velhice, estabelecido na segunda parte do artigo 229 da Constituição Federal de 1988. Dever esse, que, por vezes, é esquecido e violado por alguns filhos, que se omitem na participação dos cuidados ao idoso genitor dependente de assistência. Essa omissão gera um desequilíbrio na divisão dos cuidados entre os filhos, e, consequentemente, sobrecarrega o(a) filho(a) que cuida sozinho(a) do seu genitor. Essa sobrecarga sugere uma situação de evidente risco de exaustão, com possíveis consequências para a saúde física e mental desse(a) filho(a) cuidador(a).
Rafael Albuquerque da Silva e Elane Botelho Monteiro alertam sobre o direito à moradia no âmbito das relações privadas, em especial com a consagração do direito real de habitação por força de lei, expressamente previsto no Código Civil de 2002. Invocando a eficácia horizontal dos direitos fundamentais sociais, a pesquisa defende a possibilidade do direito real de habitação ser estendido ao filho com deficiência, tendo em vista a consagração do princípio da vedação do retrocesso social, que no caso seria aplicado diante da inclusão da referida previsão pouco antes do advento da lei civilista atual, que por sua vez não previu igualmente.
João Delciomar Gatelli , Taciana Marconatto Damo Cervi e Janete Rosa Martins tratam da viabilidade do emprego das novas tecnologias na sucessão testamentária. A temática dos meios eletrônicos e sucessão testamentária possibilitou a elaboração de um problema específico envolvendo o instituto do testamento, ou seja, se é possível, em um futuro próximo, o uso dos meios eletrônicos nos testamentos ordinários. Na busca de uma resposta ao problema levantado, partiu-se de uma hipótese positiva para investigar as possíveis inserções dos meios eletrônicos nos testamentos ordinários, assim como as críticas que poderiam agregar-se a uma eventual hipótese negativa. Assim, situando a temática no âmbito da Quarta Revolução Industrial percebe-se o cenário inevitável de compartilhamento por meio de dispositivos com a substituição das tradicionais formas de manifestação da vontade, o que vem sendo contextualizado em Internet das Coisas – IoTs. Neste aspecto, a pesquisa identifica quanto ao testamento público e particular a viabilidade da videoconferência e assinatura eletrônica como facilitadores ao instituto, bem como otimização de tempo e custos. Quanto ao testamento cerrado destaca-se o uso de chaves eletrônicas e códigos para garantir o sigilo de seu conteúdo até o óbito, o que também pode oferecer maior segurança quando comparado ao risco de violação do lacre tradicional.
Aline Klayse Dos Santos Fonseca analisa que a economia do compartilhamento tende a direcionar o olhar para a possibilidade de novo alcance jurídico ao princípio da exclusividade da propriedade para impulsionar negócios jurídicos que parecem limitar o conteúdo do direito de propriedade sem que haja a elasticidade do domínio. Assim, quando há necessidade de aplicação das normas jurídicas brasileiras em casos concretos, a legislação precisa de adequações para enfrentar os desafios oriundos da relação entre novas tecnologias e propriedade, de modo que as decisões judiciais sobre a matéria adquirem uma relevância que não pode ser ignorada. Apresenta o contexto histórico da economia do compartilhamento, aspectos conceituais e as principais aplicações desse modelo na atualidade para, então, dedicar-se à análise do Recurso Especial nº 1.819.075 – RS, no qual são suscitadas reflexões quanto à tese da qualificação jurídica da intermediação do acesso temporário de imóveis pelo Airbnb, notadamente no que concerne ao impacto da economia do compartilhamento na interpretação jurídica de destinação residencial, bem como à análise do caso Cali Apartments SCI (C 724/18), buscando contribuir de maneira prática sobre o tratamento da questão, por meio comparativo, entre o ordenamento jurídico brasileiro e estrangeiro..
Guilherme Augusto Girotto propõe uma análise sistêmica dos aspectos históricos e contemporâneos que informam o instituto dos danos morais, abordando divergências doutrinárias e jurisprudenciais. O caráter pedagógico, por vezes, adotado na prática (jurisprudência) enfrenta críticas da doutrina, e esta é a problemática, como pode-se delimitar o conceito de dano moral na contemporaneidade. Torna-se imprescindível conceituar o que seriam denominados como novos danos, para estes não integrem então de forma equivocada o conceito de dano moral. Assim, os denominados novos danos seriam espécies integrantes, junto ao dano moral, do gênero que é o dano extrapatrimonial.
Aline Klayse Dos Santos Fonseca investiga, sob a ótica das novas tecnologias, os denominados contratos inteligentes ou Smart Contracts que atrelam-se ao cenário de digitalização do Direito, propulsando um vasto campo de interesse e o engajamento crítico sobre se a Teoria Geral dos Contratos acomoda coerentemente o atual dinamismo das relações contratuais, bem como as novas formas de contratação.
Para Guilherme Augusto Girotto, a responsabilidade civil contemporânea está se deparando com a necessidade da sociedade de se ver tutelada pelas novas tecnologias, razão pela qual o Poder Legislativo vem buscando conferir maior legalidade aos ambientes virtuais, reflexo direto disto foi a edição do Marco Civil da Inernet e a LGPD. Em razão do silêncio do Legislativo em relação à classificação da responsabilidade civil prevista nesta última lei ser objetiva ou subjetiva, a doutrina pátria está dividida e, ainda surgem novas concepções para o tipo de responsabilidade prevista, qual seja, a responsabilidade civil proativa, com o objetivo de conferir maior respaldo ao usuário de ambientes virtuais.
Nathalie Carvalho Candido , Williane Gomes Pontes Ibiapina , Rayana Neyandra Sabino Barroso, a partir do método descritivo-analítico, abordam como os comentários de ódio podem ser configurados pela comunidade jurídica enquanto ato ilícito, sem que haja uma censura à liberdade de expressão, e, por conseguinte, o reconhecimento do dano. Abordam a motivação psicológica da figura dos haters, posteriormente perquire-se o funcionamento das redes sociais e de que forma culminam ao favorecimento dos ataques de ódio. Analisam ainda o reconhecimento dos limites da liberdade de expressão por meio da jurisprudência aplicada atual e quais os pressupostos para que haja a configuração da responsabilidade civil nos comentários de ódio.
Daniela Arruda De Sousa Mohana, Danilo Mohana Pinheiro Carvalho Lima e Anderson Flávio Lindoso Santana, traçam um panorama da função social do contrato no ordenamento jurídico brasileiro, desde a Constituição Federal de 1988, posteriormente no Código Civil de 2002, e sua alteração na Lei da Liberdade Econômica no ano de 2019. Em busca de individualizar o que vem a ser a efetiva função social, é realizada a sua distinção com a boa-fé objetiva e, apresentar em quais situações haverá a mitigação da autonomia da vontade em primazia da coletividade na modalidade externa, metaindividual e do terceiro opressor, além da proteção das partes envolvidas no negócio jurídico, sob o prisma da função social do contrato na modalidade interna, como uma autodefesa imposta pela sociedade, incluindo a visão do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema.
Frederico Thales de Araújo Martos e Alícia Braga Silva defendem a aplicabilidade da constituição de uma sociedade holding para elaboração do planejamento patrimonial e sucessório, bem como sua capacidade de inibir disputas entre herdeiros, diminuir a carga tributária e o risco da perda de controle sobre os bens e direitos da família. A análise da matéria, efetuada por meio de pesquisa bibliográfica, conclui que a sociedade holding, desde que bem estruturada, contribui para um planejamento patrimonial e sucessório bem sucedido, garantindo ao grupo familiar benefícios que vão desde financeiros à emocionais.
Alexsandro José Rabelo França, Thiago Brhanner Garcês Costa e Jaqueline Prazeres de Sena consideram que a interação entre a Lei n° 12.965/2014, o Marco Civil da Internet e a regulação do ambiente virtual, tendo como enfoque as características da responsabilidade civil dos provedores de aplicação. A crescente influência da internet na sociedade contemporânea, cenário para discussão sobre os desafios legais e éticos enfrentados pelos intermediários digitais, encontra no Marco Civil a estrutura basilar de um regramento que estabelece direitos e deveres para usuários do ambiente virtual, destacando seus princípios de neutralidade da rede, privacidade e colaboração multissetorial. Nesse contexto, a responsabilidade civil dos provedores de internet, com as implicações de sua atuação na moderação de conteúdo, é importante ferramenta para impedir violações de direitos no ambiente virtual, sendo objetivo deste trabalho esclarecer os critérios desse regramento. A análise ressalta a relevância da jurisprudência em evolução na definição da responsabilidade dos provedores de aplicação, com destaque para a discussão sobre a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil e suas implicações, na busca por um equilíbrio entre a liberdade de expressão, a proteção dos direitos individuais e a responsabilidade dos intermediários digitais.
Frederico Thales de Araújo Martos e Cláudia Gil Mendonça constatam a possibilidade de herança digital. Na ausência legislativa de como proceder à sucessão dos aludidos bens digitais, principalmente os adquiridos neste novo mundo chamado metaverso, muitas controvérsias são levantadas entre os juristas e, portanto, faz-se necessário buscar uma solução efetiva e satisfatórias para referidas demandas.
Arthur Lustosa Strozzi, Daniela Braga Paiano e Rita de Cassia Resquetti Tarifa Espolador revelam o pacto de coparentalidade à luz da teoria do negócio jurídico. Para isso, examinam a coparentalidade como fato jurídico ensejador de efeitos que permite a constituição, modificação ou extinção de situações jurídicas. Posteriormente, enquanto fato jurídico, por se apresentar relevante para o direito, o estudo indica que as pessoas podem celebrar negócio jurídico para declarar o objeto de seus desejos, quais sejam, a geração, criação, manutenção e desenvolvimento de filho, sem a existência de vínculo afetivo entre os genitores. Verifica-se que o mencionado instrumento preenche os três degraus da escada ponteana, enquanto negócio jurídico. Analisam julgados provenientes dos Tribunais de Justiça de Minas Gerais e do Paraná.
Rafaela Peres Castanho desenvolve pesquisa em torno de uma visão interdisciplinar sobre o Direito de Família, correlacionando-o com a teoria do apego e a teoria do afeto.
Daniela Braga Paiano , Gabriela Eduarda Marques Silva e Júlia Mariana Cunha Perini investigam que a Constituição Federal de 1988 constitui, no Direito de Família brasileiro, um marco histórico, ao reconhecer outras formas de constituição familiar além daquela oriunda do matrimônio, retirando da margem da sociedade àquelas uniões informais, denominadas popularmente como concubinato, ao reconhecer, de forma expressa, a união estável como entidade familiar. Nesse sentido, realizam uma análise comparativa do contrato de convivência no direito brasileiro e estrangeiro, perpassando pela análise da evolução histórica desse instituto e da autonomia privada dos conviventes na construção de uma relação eudemonista.
Com grande satisfação coordenamos e apresentamos a presente obra, agradecendo aos autores(as)/pesquisadores(as) envolvidos(as) em sua produção pelas profícuas reflexões surgidas e debatidas, bem como reiteram e louvam a dedicação e competência de toda a equipe do CONPEDI pela organização e realização do exitoso e arrojado evento, realizado em Buenos Aires/Argentina.
Reiteramos a esperança que a obra ora apresentada sirva como parâmetro acadêmico para a compreensão dos problemas da complexa realidade social sob a óptica civilista. Desejamos leituras proveitosas na construção de uma nova perspectiva para os desafios impostos ao Direito Civil no contexto contemporâneo pós-pandêmico de utilização dos mecanismos dos Direitos da Personalidade como força motriz da democratização do Direito Privado.
Profa. Dra. Daniela Silva Fontoura de Barcellos- UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Profa. Dra. Rosângela Lunardelli Cavallazzi- UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e PUC/RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro)
Prof. Dr. William Paiva Marques Júnior- UFC (Universidade Federal do Ceará)
ISBN: 978-65-5648-760-1
Trabalhos publicados neste livro: