GÊNERO, SEXUALIDADES E DIREITO I
Diante do tema “Direito e desigualdades: o papel do Direito nas políticas públicas”, que orientou o XXVI Encontro Nacional do Conpedi, um Grupo de Trabalho (GT) que reflita sobre questões relativas a “Gênero, sexualidades e direito” tem importância fundamental. Afinal, o constitucionalismo, o desenho estatal e a efetivação dos direitos não são neutros em relação às identidades de gênero, à orientação sexual e à vulnerabilidade dos corpos, fazendo com que o desvelamento de seu caráter viriarcal e hetenormativo seja um primeiro passo para a construção de relações sociais de inclusão e reconhecimento.
Tal reflexão é ainda mais urgente em momentos de crise econômica e políticas de austeridade. Embora já se tenha afirmado que as crises econômicas deste século geram, no curto prazo, um impacto maior sobre os postos de trabalho ocupados por homens – razão por que se disseminou a expressão he-cession para caracterizar tal recessão – diversos estudos têm comprovado que, no médio e longo prazo, as mulheres são as mais afetadas, tanto na perspectiva do trabalho formal quanto informal.
O motivo disso pode ser encontrado no mercado, no Estado e nas próprias famílias delineadas segundo uma concepção androcêntrica. O mercado, diante da retração dos postos de trabalho, substitui aos poucos a mão-de-obra feminina pela masculina. O Estado reduz sua política de bem-estar social e transfere para as famílias o custo da reprodução e do auxílio às crianças, aos idosos e às pessoas com deficiência. Por fim, as famílias sobrecarregam as mulheres, fazendo-as assumir diversas funções sobrepostas como alternativa de readequação do orçamento familiar.
Nesse mesmo momento histórico, pessoas LGBT’s são privadas de políticas de saúde, de garantia de acesso ao mercado de trabalho, de integridade física, de afirmação da sua própria identidade. O discurso da meritocracia do Estado mínimo, contrário às ações e aos programas sociais que buscam tornar equânimes as vozes da polifonia social, esconde a prática hetero/andro/pigmentocrática reforçada há anos pelos fatores reais de poder. A responsabilidade do Estado por um direito historicamente normativo não se reduz por escassez orçamentário-financeira, principalmente quando ela pode afetar o mínimo existencial das pessoas titulares de direito.
Obviamente, nem todos os corpos sofrem a crise e a recessão do mesmo jeito. A discriminação interseccional, que sobrepõe camadas de exclusão por motivos étnico-raciais, de gênero, de classe, mostra porque é preciso garantir que as várias vozes oprimidas se expressem. Ninguém pode falar pelo subalterno. Assim, a importância do Grupo de Trabalho tem se mostrado cada vez maior: além de serem objeto das pesquisas, cada vez mais mulheres e pessoas LGBT’s tem assumido as rédeas dessas próprias pesquisas, apontando falhas nas premissas conceituais, nos marcos teóricos, nas metodologias do direito, além de avançar na construção de um novo “feminist legal”, ou mesmo, de um “queer legal”.
No GT “Gênero, sexualidades e direito I” várias foram as preocupações apontadas que podem ser agrupadas em três linhas. Na primeira delas, a que chamamos “Mulheridades, movimentos sociais e direito”, os trabalhos refletiram sobre a desigualdade e a binariedade institucionalidadas, a importância do movimento feminista para a construção de políticas públicas, as desigualdades de gênero no próprio Poder Judiciário, bem como a seletividade androcêntrica que gera exclusões de gênero em vários subsistemas e, especialmente, no jurídico.
Na segunda delas, denominada “Diversidade, dignidade e direito”, os artigos questionam as políticas de inclusão de pessoas LGBT’s no âmbito municipal, a inclusão da pessoa transgênero no mercado de trabalho, a patologização da transexualidade e as consequências dessa estigmatização, o direito de retificação de nome em caso de transexualidade e o processo de discussão imagética do processo identitário de pessoas trans a partir do cinema.
Na terceira e última linha de discussão, intitulada “Gênero, justiça e estruturas de poder”, as apresentações debateram sobre a criminalização pelo gênero, a disseminação não autorizada de imagens na perspectiva feminista, a invisibilização da violência contra a mulher no contexto da prostituição e a violência/discriminação interseccional.
O presente livro, situado no tempo e na história, sempre será um registro das preocupações que tem perpassado a Academia neste momento. Mais que isso, porém, ele espera contribuir no processo efetivo de emancipação de grupos excluídos, provocando o debate argumentativo sobre as questões naturalizadas de exclusão de identidade de gênero e orientação sexual. As subalternas falam – que o direito se abra ao diálogo inclusivo.
Organizadores:
Profa. Dra. Silvana Beline Tavares - UFG
Prof. Dr. Douglas Antônio Rocha Pinheiro - UnB
ISBN: 978-85-5505-456-3
Trabalhos publicados neste livro: