FILOSOFIA DO DIREITO, HERMENÊUTICA JURÍDICA E CÁTEDRA LUÍS ALBERTO WARAT
A presente coletânea é composta dos artigos aprovados, apresentados e debatidos no Grupo de Trabalho: “Filosofia do Direito, Hermenêutica Jurídica e Cátedra Luís Alberto Warat I” no âmbito do XXX Congresso Nacional do CONPEDI, realizado entre os dias 15 a 17 de novembro de 2023, na cidade de Fortaleza/ Ceará, na UNICHRISTUS, e que teve como temática central “Acesso à justiça, solução de litígios e desenvolvimento”.
Os trabalhos expostos desenvolveram, de forma verticalizada, diversas temáticas atinentes à Filosofia do Direito, Hermenêutica Jurídica e Cátedra Luís Alberto Warat, especialmente na relação dialogal com a Epistemologia, a Cosmovisão, o papel do STF e a consequente releitura do Direito. As pesquisas ora apresentadas funcionam como canais indispensáveis nos debates e propostas das pendências existentes nos campos indicados e na busca de soluções efetivas para as problemáticas indicadas.
José Eduardo Aragão Santos, Matheus de Souza Silva e Carlos Henrique de Lima Andrade abordam o contexto de criminalização da homofobia pela Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) n.º 26 e a postura supremocrática. A referida decisão busca enfrentar a necessidade de mitigar a condição de vulnerabilidade das pessoas LGBTQIAPN+, que convivem com a violência e a discriminação cotidiana. Tendo em vista tratar-se de uma decisão que atua a partir de um vácuo legislativo, o artigo expõe as discussões perante o papel ocupado pelo Supremo Tribunal Federal na aludida casuística.
Eid Badr e Samuel Hebron investigam os possíveis impactos da obra de Santo Agostinho na hermenêutica jurídica contemporânea, a partir dos trabalhos desenvolvidos por Martin Heidegger e Georg Gadamer. Foram abordados aspectos históricos, biográficos e os principais conceitos do pensamento de Santo Agostinho na busca de localizar conexões com os trabalhos desenvolvidos pelos dois citados filósofos alemães.
Charlise Paula Colet Gimenez, Osmar Veronese e Letícia Rezner refletem sobre a mediação na obra de Luís Alberto Warat como um instrumento para resolução de conflitos no sistema penitenciário brasileiro, visando ao cumprimento da função da pena, diante da ineficácia da função ressocializadora proposta pela Lei de Execução Penal (LEP) e da violação dos direitos humanos dos presos. Inicia-se o estudo sobre o conflito, considerado inerente à sociedade e à dinâmica social. Aborda a ineficácia da LEP como forma de ressocialização dos encarcerados, e a violação dos direitos humanos dos que se encontram no sistema prisional brasileiro. Propõem a mediação em Luís Alberto Warat como um instrumento para resolução de conflitos no ambiente prisional, com o objetivo de oportunizar aos encarcerados o enfrentamento dos conflitos de forma humanizada, sensível e amorosa, a fim de promover um ambiente com práticas cidadãs que respeitem os direitos humanos dos detentos.
Fernanda Barboza Bonfada e Leonel Severo Rocha investigam a necessidade de repensar o Direito e, em particular, o Constitucionalismo, devido às constantes transformações sociais e à crescente complexidade das relações interconectadas na sociedade global. Abordam o Direito Constitucional como uma teoria do conhecimento, explorando as três matrizes epistemológicas que permitem analisar o Constitucionalismo em diferentes contextos históricos. O problema central envolve a busca por uma teoria adequada para analisar e propor soluções para questões jurídicas globais, destacando a abordagem pragmática-sistêmica baseada na Teoria dos Sistemas Sociais Autopoiéticos de Niklas Luhmann.
Charlise Paula Colet Gimenez e Guilherme de Souza Wesz examinam a linguagem humana para a compreensão do campo jurídico, uma vez que a linguagem do Direito não deve ser limitada a significados unívocos. Nessa perspectiva, questiona-se: como Luis Alberto Warat concebe a semiótica no contexto jurídico ao examinar a semiologia do poder? Para responder a essa pergunta, Warat introduz uma semiologia política ou do poder, introduzindo novos paradigmas para o Direito e lançando críticas ao normativismo e ao positivismo jurídico. Sua abordagem semiológica é inclusiva, levando em conta a realidade social para atribuir novos significados ao campo jurídico, que devem atender às diversas necessidades dos cidadãos.
Telmo Gonçalves Lima e Thais Novaes Cavalcanti tratam exercício do Direito à Autonomia das pessoas afetadas com o Transtorno do Espectro Autista enquanto integrantes do grande grupo Pessoas com Deficiência Intelectual. Para tanto, investigam os conceitos de dignidade, pessoa, ipseidade, singularidade, capacitismo, vulnerabilidade, paternalismo e linguagem. Analisam ainda as duas possibilidades de efetividade do Direito à Autonomia por meio da expansão de capacidades e do paternalismo. Concluem que a pessoa afetada com TEA traz consigo uma deficiência intelectual cuja intensidade pode variar dentro da faixa denominada de “espectro”. Mas isso não lhe retira o direito à autonomia e o direito de ser diferente e tratado com inclusão e dignidade.
George Felicio Gomes de Oliveira analisa o exercício da chamada hermenêutica de segundo grau, ou imaginário, a qual vem sendo compreendida como fundamental para a existência humana e social e ora pontuada pelas cosmovisões moderna, contemporânea (ou pós-moderna) e indígenas. Avalia, a partir das ciências práticas aristotélicas, a ética e a política, como a busca pelo bem comum influencia aquelas construções do intelecto e da cultura sobre o mundo. Em seguida, traçados os parâmetros que as distinguem, observa sua tendência ao conflito, razão pela qual o Direito é convocado a intervir na disputa. Nesse aspecto, observa como o Judiciário brasileiro trata da matéria. Nesse contexto, investiga o caso dos indígenas Anacés em confronto com o Complexo Industrial do Pecém, no Ceará, concluindo pela existência de uma crise profunda a afetar a cosmovisão daquele povo indígena.
Talisson de Sousa Lopes, Andrea Natan de Mendonça e Adriana Silva Lucio propõem a introdução da filosofia do direito na educação, buscando ampliar a compreensão dos alunos sobre os fundamentos teóricos, éticos e políticos do direito. A disciplina visa desenvolver habilidades de pensamento crítico e promover uma consciência cívica e ética em relação ao sistema jurídico e seu papel na sociedade. Os instrumentos essenciais do estudo filosófico são assuntos muito frequentes e indispensáveis, como o sentido da aparição humana, como a origem e exício, a alegria e tristeza, o certo e o errado, a felicidade e a dor, o amor, a capacidade, dentre outros, que iluminam a relação entre todas as pessoas na sociedade aprendizagem e coexistência. Ao adotar essas abordagens, as instituições de ensino têm a oportunidade de enriquecer a experiência educacional, estimulando o desenvolvimento de competências críticas, a habilidade para resolver desafios complexos e a capacidade de tomar decisões éticas. Portanto esse estudo tem como objetivo articular sobre a compreensão dos fundamentos teóricos, desenvolvimento do pensamento crítico, reflexão ética e moral e consciência dos direitos e responsabilidades na educação de maneira comum.
Gilmar Antonio Bedin, Laura Mallmann Marcht e Tamires Eidelwein investigam, sob a ótica de Luis Alberto Warat, o qual se afastou da forma de pensamento de Hans Kelsen, ao destacar a relevância do princípio da heteronímia significativa como uma forma de ressignificação do direito. Analisam o confronto entre estas duas propostas epistemológicas. Por isso, a primeira seção apresenta as principais contribuições de Hans Kelsen para a Ciência Jurídica.
Matheus de Souza Silva, Lidia Nascimento Gusmão de Abreu e Karyna Batista Sposato, partem de reflexões humanistas com o reconhecimento de novos sujeitos de direitos, como os grupos vulneráveis. Em busca do ideário preambular de uma sociedade fraterna, a Constituição Federal de 1988 promoveu a conquista de direitos para os povos indígenas, crianças, adolescentes, idosos e pessoas com deficiência. Abordam a fraternidade, na defesa desta enquanto categoria constitucional, como ferramenta na mitigação de vulnerabilidades. Com a finalidade de interseccionar a fraternidade e a vulnerabilidade, partem dos estudos da vulnerabilidade, a qual apresenta uma dimensão ontológica e outra social. De forma inicial, identificaram que ambos os conceitos apresentam a relacionalidade como pressuposto. Compreendem o papel do Direito na mitigação dessa condição, ao investigar como a hermenêutica constitucional tem usado a fraternidade na mitigação de vulnerabilidades. Assim, com vistas à superação de um universalismo homogeneizadora pesquisa encontra na fraternidade um arcabouço jurídico suficiente a enxergá-la como instrumento hermenêutico relevante, apoiada no direito à não-discriminação em casos de efetivação de direitos fundamentais para grupos vulneráveis.
Francisco Tarcísio Rocha Gomes Júnior, a partir do método de revisão bibliográfica (pesquisa qualitativa), explica as escolhas políticas e demonstra que, mesmo que o teórico considere o direito como um conceito criterial, elementos avaliativos podem ser encontrados em sua teoria. A consideração do Direito como um conceito criterial significa que se entende que as verdadeiras condições de existência do direito só podem ser encontradas através da análise do histórico de instituições jurídicas. Esse erro - chamado de aguilhão semântico, por Ronald Dworkin em “Law’s Empire” - abrange as decisões avaliativas tomadas na construção da tese central da obra “The Concept of Law”.
Nelson Juliano Cardoso Matos e Elayne Kallyne Braga da Silva Sobral, traçam um panorama quanto ao histórico, aos fundamentos e ao conceito da perspectiva quanto às principais ideias trazidas por John Mitchell Finnis em sua obra mais conhecida, intitulada “Natural Law and Natural Rights” (Lei Natural e Direitos Naturais). O autor, por meio da teoria analítica do direito, objetivou demonstrar um viés racional ao direito natural, visto que, os positivistas o viam como algo distante do direito, e que tinha uma perspectiva mais obscura e supersticiosa.
Marcelo Machado de Figueiredo e Renata Albuquerque Lima defendem a importância da política na interpretação e aplicação do Direito. A busca de resposta ao problema da pesquisa exige que sejam traçados objetivos secundários, a saber: (1) qual o papel dos princípios na interpretação jurídica de Ronald Dworkin, (2) e como é utilizada a política de Dworkin pela hermenêutica. Demonstram as contribuições de Dworkin a hermenêutica jurídica se utilizando da política.
Francisco Tarcísio Rocha Gomes Júnior explica os conceitos de perspectiva do participante, conceito interpretativo e dimensões da interpretação. Por meio de pesquisa bibliográfica, a conclusão é que propor uma teoria da perspectiva do participante é uma ideia de Herbert Hart que Ronald Dworkin radicalizou em suas consequências. Nela, é defendida da tese de que não é possível realizar uma teoria jurídica sem se comprometer com a prática institucional estudada. Conceito interpretativo, em seguida, explica que o significado de conceitos jurídicos é resultado de um debater em torno de seu significado a partir da melhor luz. Isso se opõe ao conceito de direito como simples fato, em que as respostas disponíveis estão no passado institucional. Por fim, a interpretação possui duas dimensões, uma relacionada a seus fundamentos e outra a sua força. Dessa forma, é possível dizer que ambas estão entrelaçadas e que há uma conexão direta entre direito e política. Dworkin se mantém fiel a esses conceitos durante toda a sua obra.
Willis Santiago Guerra Filho, Márcia Regina Pitta Lopes Aquino, Belmiro Jorge Patto estabelecem um diálogo com um dos autores clássicos no campo jusfilosófico latino-americano, Luis Alberto Warat, tendo como ponto de partida o quanto foi desenvolvido em seus “Manifestos para uma Ecologia do Desejo” (1990), bem como no posterior “Manifesto da Cátedra Livre Multiversitária de Direito, Filosofia, Arte” (2012), elaborado com Willis Santiago Guerra Filho. Mantém-se também diálogo com a obra deste último em parceria com Paola Cantarini, “Teoria Poética do Direito” (2015), e que a conduziu a desenvolver a tese de doutoramento em Direito na PUC-SP, “Teoria Erótica do Direito (e do Humano)” (2017). Partindo-se da consideração do Direito como uma criação humana, coletiva, com natureza ficcional, aproximando-se da poética, constante do marco teórico desenvolvido por Willis Santiago Guerra Filho, na tese de doutoramento em filosofia defendida no IFCS-UFRJ: “O Conhecimento Imaginário do Direito” (2017), em que se dá a postulação do caráter imaginário do conhecimento e do próprio Direito, enquanto prática social e objeto de estudos teóricos, busca-se aqui trazer reflexões, com questionamentos críticos, por filosóficos, sobre o Direito e a sociedade em que nos inserimos contemporaneamente. Isso pela constatação da necessidade de um estudo interdisciplinar e aberto, bem como de uma metodologia e epistemologia trans- e interdisciplinares, que seja um discurso da convergência, da conexão dos diversos campos do saber, ao contrário, pois, do predominante discurso tecnocientífico, massificado, extremamente fragmentado e discriminador.
Janaina Mendes Barros de Lima e Renata Albuquerque Lima investigam a segurança jurídica, explicando se esse princípio pode ser aplicado nos atos cartoriais extrajudiciais. Discute-se a possibilidade da utilização da hermenêutica pelos notários e registradores na aplicação da lei. Portanto, a pesquisa introduz uma discussão sobre a segurança jurídica e sua aplicabilidade no sistema registral e notarial, entendendo que o registrador deve aplicar a hermenêutica, uma vez que analisará o conteúdo da lei, sobretudo, a interpretação sistemática.
Com grande satisfação coordenamos e apresentamos a presente obra, agradecendo aos autores(as)/pesquisadores(as) envolvidos(as) em sua produção pelas profícuas reflexões surgidas e debatidas, bem como reiteram e louvam a dedicação e competência de toda a equipe do CONPEDI pela organização e realização do exitoso e arrojado evento, realizado em Fortaleza/Ceará.
Reiteramos a esperança que a obra ora apresentada sirva como parâmetro acadêmico para a compreensão dos problemas da complexa realidade social sob a óptica da Filosofia do Direito, da Hermenêutica Jurídica e do legado do Professor Luís Alberto Warat. Desejamos leituras proveitosas na construção de uma nova perspectiva para os desafios impostos ao Direito no contexto contemporâneo pós-pandêmico de utilização dos mecanismos hermenêuticos como força motriz da constitucionalização e democratização da Ciência Jurídica.
Por fim, registramos a reflexão de Luis Alberto Warat ao vaticinar: “Utopias perfeitas explicam, com razões, a produção institucional de um sujeito de direitos sem direito à transformação autônoma da sociedade. Enfim, uma enorme carga ideológica que atravessa todo o processo de interpretação da lei.”
Prof. Dr. José Alcebiades de Oliveira Junior– UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e URI/RS (Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões)
Profa. Dra. Renata Albuquerque Lima- UNICHRISTUS e UVA (Universidade Estadual Vale do Acaraú)
Profa. Dra. Sílzia Alves Carvalho - UFG (Universidade Federal de Goiás)
Prof. Dr. William Paiva Marques Júnior- UFC (Universidade Federal do Ceará)
ISBN: 978-65-5648-867-7
Trabalhos publicados neste livro: