XXX CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI FORTALEZA - CE

CRIMINOLOGIAS E POLÍTICA CRIMINAL

Muito nos alegrou a coordenação do Grupo de Trabalho ‘Criminologias e Política Criminal', que – em grande sinergia entre os presentes – consignou expressivas pesquisas científicas com senso crítico apurado. As pesquisas vislumbraram harmonia com o próprio evento que tinha como mote ‘Acesso à Justiça, Solução de Litígios e Desenvolvimento’, no XXX Congresso Nacional do CONPEDI, realizado entre os dias 15, 16 e 17 de novembro de 2023. Isso significava trazer a temática criminal sob novos olhares e desafios, aspecto que se concretizou em brilhantes apresentações.

De plano, tivemos a abordagem sobre ‘Perigo Amarelo, Crimigração e Indesejáveis Contemporâneos’, na qual se evidenciou os perigos da intersecção entre a política criminal e a migratória, denominada crimigração; apontando paralelos históricos e internacionais com o intuito de compreender a realidade dos imigrantes no Brasil. Abordou o contexto da imigração japonesa, nomeada perigo amarelo, durante o governo de Getúlio Vargas, Estado Novo.

Em ‘Segurança Pública como Dever, Direito e Responsabilidade: a Densificação Jurídica em um Campo em Disputa’ a preocupação foi em densificar conceitos com base em uma leitura constitucional amparada nos princípios de interpretação constitucional e nos estudos sociológicos que tratam do conceito de segurança pública e políticas de segurança pública. O texto constitucional concebe, portanto, a segurança pública sob três dimensões: i) dever estatal; ii) direito e iii) responsabilidade de todos.

A terceira apresentação, dita ‘A Discriminação Indireta na Repressão Policial e o Dever de Adaptação Razoável no Auto de Resistência pelo Juiz’, analisou a questão da discriminação indireta nas ações policiais no Brasil, com ênfase na análise do "auto de resistência" enquanto instrumento jurídico. Revelou-se uma preocupante tendência de aumento nas mortes violentas resultantes de intervenções policiais, com uma marcante desproporcionalidade racial: 79% das vítimas são de origem negra. A pesquisa vai além do princípio clássico da igualdade, focando nos prejuízos reais sofridos por grupos discriminados, e destaca a necessidade de uma "adaptação razoável" no contexto jurídico, especialmente em relação aos direitos fundamentais.

Na continuidade, tivemos o artigo ‘A Teoria da Racionalidade Penal Moderna e o Adolescente Infrator: as Vulnerabilidades do Infrator e uma Análise de Dados no Âmbito da Justiça Juvenil na Comarca de São Luís’, no qual o objetivo central foi investigar as vulnerabilidades de adolescentes esquecidos pelas famílias, pela sociedade e pelo Estado, dada a carência de políticas públicas eficazes e baixa integração entre aquelas existentes, o que dificulta o acesso à educação de qualidade, provoca evasão escolar e escassez do controle social informal e formal, permitindo a inserção deles no mundo do crime. Ao final, foram apresentadas sugestões de políticas integralizadoras no tratamento do infrator.

A quinta apresentação tratou da ‘Medida de (In)Segurança: a Inconstitucionalidade da Medida de Segurança Penal no Direito Brasileiro’, na qual se expôs acerca dos elementos e natureza da Medida de Segurança aplicada aos inimputáveis acometidos de doenças mentais, fazendo uma distinção entre os que acreditam que este teria um caráter punitivo ou não na atual legislação penal brasileira, em conformidade com a Lei de Execução Penal e a Lei da Reforma Psiquiátrica. O trabalho critica a forma como a Medida de Segurança penal atropela os princípios basilares da aplicação da lei penal, sob a égide de prevenção especial, em desrespeito aos indivíduos já vitimizados pela sua condição médica e social. 

Na sequência, o artigo ‘Iure et Insania: Uma Breve História do Tratamento da Loucura da Sociedade Ocidental Clássica à Moderna’ trouxe o debate sobre os principais pontos dos períodos clássico ao moderno onde a interpretação do conceito de loucura e os tratamentos dos doentes mentais sofreu mudanças significativas, principalmente para o Direito, que hoje é responsável por assegurar um tratamento digno ao doente psíquico, independente da sua condição ou do cometimento de eventuais delitos. 

Outra importante discussão, denominada ‘Imputação de Crimes ao Dirigente Praticados pelos Subordinados’, analisou a responsabilidade criminal dos/as dirigentes nas organizações públicas e privadas sobre os atos realizados pelos seus subordinados no âmbito do Direito Penal. Os resultados da pesquisa evidenciaram que, na esfera do Direito Penal, a imputação da responsabilidade criminal é restrita ao concurso do agente na forma omissiva ou comissiva e somente pode ocorrer nos marcos da norma legal, que no presente caso, apresenta lacunas e ambiguidades que dificultam o tratamento da matéria na esfera jurídica.

A oitava apresentação, intitulada ‘Os Estudos Pioneiros sobre Criminologia, Negritude, Racismo e Direito no Brasil: 1971-2000’ abordou uma possível invisibilidade das/os autoras/es negras/os e das temáticas relativas a negritude e racismo na produção científica na área do direito como forma de prevalência de possíveis estruturas do racismo institucional na pós-graduação brasileira. O trabalho buscou desmistificar as nuances que permeiam a presença/ausência da negritude, seja na qualidade de sujeito histórico e ator do campo científico, seja na forma de temáticas relevantes e inviabilizadas.

Após, o artigo ‘Política Criminal sob a Ótica da Brevidade e Eficiência’ discutiu, dentro do âmbito da política criminal local, os fatores influenciadores de sua eficiência em decorrência do caráter limitado dos recursos públicos, assim como a busca da efetividade do direito penal em seu sentido amplo, qual seja o da paz social. Destacou que é necessário o manejo entre a celeridade e eficiência administrativa conjuntamente com a proteção das garantias constitucionais, em especial o da dignidade da pessoa humana, a fim de que o processo não perca as bases da criminologia em prol de um gerencialismo puro, negligenciando o cidadão à um mero objeto de administração.

Outro tema, muito atual e relevante, foi abordado em ‘Cultura do Medo e Criminologia Radical: o Proletariado como Protagonista do Temor’ que analisou a seletividade do sistema punitivo, com foco no impacto sobre o proletariado e sua influência pela cultura do medo. Isso reforça o poder das classes dominantes, gerando um constante temor nas classes subalternas. O artigo explora como a sociedade, cada vez mais amedrontada e controlada por estruturas claustrofóbicas, segurança privada e políticas de isolamento, o que reflete num verdadeiro apartheid social que exclui a classe dominada. Concluem que essa construção do sistema punitivo baseada na cultura do medo, sem correspondência com a realidade, é uma ferramenta de poder das classes dominantes para manter seu domínio.

O artigo intitulado ‘Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas e Criminal Compliance: Elementos Jurídicos e de Política Pública Criminal’ analisou o atual estado da arte acerca do assunto, buscando respostas para as seguintes indagações: Como essas empresas deverão sofrer sanções? O que o Estado realiza com suas políticas públicas criminais é capaz de solucionar tal celeuma? Atualmente qual o melhor caminho para a composição destes litígios? Destacou que o que se tem hoje em dia como um caminho a ser seguido é o criminal compliance. De acordo com esta política, o Estado transfere às empresas, através do desenvolvimento de programa de compliance (autorregulação), que é submetido ao controle estatal, o dever de esta promover sua auto-organização.

Em seguida, ‘Cárcere, Isolamento e Maternidade: Uma Análise das Medidas Adotadas pelo Poder Público para Enfrentamento do Coronavírus a partir do Estado do Maranhão’ analisou as estratégias jurídicas e políticas adotadas pelo Poder Público do Estado do Maranhão para a contenção da propagação do coronavírus (COVID-19) no interior das unidades carcerárias e seus impactos, diretos e indiretos, nos direitos das mulheres privadas de liberdade, no que tange ao convívio com os filhos menores, a partir de uma abordagem de perspectiva de gênero e da criminologia feminista. 

Após, a apresentação do artigo ‘A Aversão ao Pobre no Sistema Judiciário Brasileiro: Análise da Decisão Monocrática Proferida no Julgamento do Habeas Corpus n. 225.706’ trouxe a discussão sobre a interseção entre dignidade humana, perspectiva de gênero e legislação penal no Brasil, abordando a tipificação do delito de furto, os critérios para considerar presentes a exclusão da tipicidade pela insignificância da lesão ao bem jurídico protegido pela norma e a busca pela igualdade material de gênero conforme a Constituição Federal de 1988. O estudo destaca o julgamento do Habeas Corpus nº 225.706 no âmbito do Supremo Tribunal Federal, que abordou o tratamento desumanizado a uma mulher acusada de furto, com a prevalência de aspecto puramente legais em detrimento de vieses socioeconômicos, embora também previstos constitucionalmente.

O artigo intitulado ‘A Segurança Nacional e a Instrumentalização do Direito: Lawfare e o Sequestro de Movimentos Sociais’ abordou a incriminação de movimentos sociais, cujas propostas vêm crescendo de maneira exponencial após os movimentos de junho de 2013. O trabalho faz uma análise do movimento do Lawfare que instrumentaliza o Direito como arma de guerra de maneira limpa, mas com uma força repressiva importante sobre o território de países alvos, utilizando-se para a construção do presente texto a obra Andrew Korybko que trabalha com as revoluções coloridas e o caminhar para situações de golpes, colapsando territórios em que o fenômeno ocorre. 

A apresentação de ‘Combate às Drogas no Brasil: Ausência de Políticas Públicas e o Prejuízo para a Saúde e Segurança’ trouxe a reflexão sobre a relação entre políticas públicas e direitos fundamentais, destacando o enfoque de prevenção e combate às drogas. Discutiu a problemática entre o orçamento e as políticas públicas, elaboradas e executadas sem parâmetros concretos acerca de dados e sobre as reais demandas da sociedade. Enfatizou a necessidade de adotar políticas de redução de danos e de prevenção eficazes em vez de uma abordagem estritamente repressiva. 

O artigo ‘Ainda a (Des)Militarização como Paradigma e Paradoxo da Violência/Letalidade Policial no Brasil’ analisou questões fundamentais relacionadas ao paradigma da (des)militarização das Polícias, especialmente a Polícia Militar dos estados, e de que forma tal perfil (não apenas militar, como também belicista) repercute no cenário geral de violência. Ao final, conclui que o perfil militar das PM's catalisa a violência policial, uma vez que resta aos policiais militares, impedidos de procederem a investigação, apenas realizarem prisões - estas cobradas como inadvertido resultado de sua atuação.

Por fim, a última apresentação, ‘Política de Encarceramento e Preconceito Racial: É Possível Falar em um Sistema Jim Crow Brasileiro?’ problematizou o preconceito racial e os seus reflexos no encarceramento em massa, por meio da análise da representatividade da população negra no sistema penitenciário brasileiro. Partindo da obra de Michelle Alexander, refletiu sobre a analogia apresentada pela autora em torno do novo sistema Jim Crow de controle social por meio da segregação racial no sistema prisional. Concluiu que, ainda que a seletividade racial seja manifesta no sistema prisional, não se pode aplicar completamente a analogia proposta por Michelle Alexander.

Desejamos frutífera leitura do material que ora se apresenta, resultado dos estudos nas pós-graduações em Direito por vários lugares do Brasil, nas quais docentes e discentes trazem a lume os mais elaborados estudos da Academia Jurídica.

ISBN: 978-65-5648-844-8


Trabalhos publicados neste livro: