TEORIAS DO DIREITO, DA DECISÃO E REALISMO JURÍDICO
Os artigos aqui publicados foram apresentados no Grupo de Trabalho subordinado ao tema “Teorias do Direito, da Decisão e Realismo Jurídico”, inserido no VII Encontro Internacional do CONPEDI, que teve lugar nos dias 7 e 8 de setembro de 2017, em Braga (Portugal), em parceria com a Universidade do Minho (UMinho), através do Centro de Estudos em Direito da União Europeia (CEDU).
Enoque Feitosa analisa criticamente o modo como a matriz liberal individualista dos direitos humanos – que marca, desde a formação inicial, os operadores do Direito – condiciona a interpretação e a aplicação que os juízes fazem das normas constitucionais em vigor, não raro com prejuízo para a plena realização daqueles direitos. É assim – observa – com a interpretação do direito de propriedade, que é feita pelos juízes brasileiros com completa desconsideração pela função social da propriedade, o que, no entender do autor, muito contribui para que a questão do acesso à terra seja um problema secular no Brasil. Da análise da prática judicial brasileira, o autor conclui que prevalece um entendimento eminentemente privatista do direito de propriedade, “que desconsidera sua interpretação a luz da Constituição” e que deve ser ultrapassado para que se possa finalmente resolver a questão agrária, indispensável a uma democracia plena no Brasil.
Germano Henrique Roewer analisa o modo como o Supremo Tribunal Federal brasileiro tem vindo a transmutar-se no seu papel de protagonista na efetivação dos direitos fundamentais, perante a frequente (e, não raro, deliberada) inércia do legislador. Convocando os argumentos esgrimidos pela doutrina brasileira e estrangeira sobre a tensão entre separação de poderes e ativismo judicial, o autor observa que a Constituição brasileira de 1988 dotou o poder judiciário de uma série de mecanismos processuais de controlo sobre as políticas públicas e que foi essa assunção de responsabilidade pela resposta aos anseios sociais que fez com que o poder judiciário assumisse um protagonismo mais político do que jurídico na construção das suas decisões, sem estar para isso habilitado. O autor procura encontrar limites negativos à atividade jurisdicional, de modo a que as interpretações extratexto não ofendam direitos fundamentais e não retroajam os avanços alcançados pelo Estado Social, uma preocupação motivada pela recente jurisprudência do Supremo em matéria de acesso a medicamentos.
João Bernardo Antunes de Azevedo Guedes discute a importância da “consideração do contexto” na interpretação da lei a partir da análise de alguns tipos penais castrenses fixados pelo Código Penal Militar brasileiro, de 1970. Ao autor interessam particularmente as “ambiguidades” decorrentes, para a aplicação do Código nos dias de hoje, do decurso de 47 anos desde a sua entrada em vigor; ambiguidades que, segundo o autor, são potenciadas pelo facto de o Direito fazer uso de uma linguagem natural, comum a todos os membros da sociedade. Alertando para os riscos associados a um literalismo positivista por parte dos juízes, o autor defende uma “interpretação extensiva” – também dita atualista – do Código Penal Militar, em que o intérprete atente nos princípios vigentes e na realidade social existente ao tempo da aplicação das normas. Partindo da obra de Ronald Dworkin e de José Juan Moreso, o autor analisa alguns casos que podem gerar ambiguidades na aplicação do Código Penal Militar nos dias de hoje, como o ingresso clandestino, o ato libidinoso e o fruto praticado durante a noite.
Carla Maria Peixoto Pereira e Jean Carlos Dias discutem os entendimentos distintos de Herbert Hart e Joseph Raz sobre a “regra de reconhecimento” – fundamento da autoridade do sistema jurídico, para o primeiro, e critério de pertinência de identidade do sistema jurídico, para o segundo. Partindo do conceito de sistema jurídico, os autores apresentam o pensamento de Hart e de Raz na sua evolução ao longo do tempo. Apesar de sublinharem o inestimável contributo teórico de Hart para a Teoria do Direito, os autores reconhecem que a teoria hartiana é inaplicável aos Estados de Direito do século XXI, questão esta que - o enriquecedor debate propiciado no Grupo de Trabalho – pode (e deve) implicar em aprofundamentos futuros por parte dos autores do artigo em tela.
Matheus Meott Silvestre e Carina de Castro Quirino partem da constatação de que todos os direitos fundamentais têm custos para os cofres públicos para discutirem as implicações práticas da evolução verificada no Direito Constitucional brasileiro no sentido de alargar o rol de direitos consagrados na Constituição através da defesa da normatividade dos princípios e do papel do poder judiciário na proteção dos direitos fundamentais. Segundo os autores, estes desenvolvimentos – especialmente notórios no que vem a designar-se por “judicialização da saúde” – têm constrangido o Estado a arcar com custos elevados e obrigações “desarrazoadas”. Entre as metateorias da decisão judicial, os autores preferem o pragmatismo jurídico (com as suas dimensões do consequencialismo, contextualismo e antifundacionalismo), por oposição à visão principiológica e garantista da decisão, já que aquele é uma “visão mais atenta às consequências das decisões judiciais” e, por isso, mais adequada ao exercício da função judicial em tempos de crise económica.
Já Celso Luiz Braga de Castro e Flora Augusta Varela Aranha partem da observação de que o conceito de sanção continua a ser prevalecente na teoria da norma, mau grado todos esforços no sentido de repensar o positivismo jurídico, para discutirem qual a função social do caráter punitivo da sanção para a teoria da norma jurídica na atualidade, em vista do reconhecido papel das sanções premiais, e qual a influência que a teoria dos sistemas poderá ter sobre a releitura da sanção no estudo do Direito, o que – como evidenciaram – implicou e implica em uma nova e diferenciada abordagem do problema.
Matheus Pelegrino da Silva discute as críticas feitas por Luhmann à teoria do Direito de Kelsen, concluindo que estas críticas não são válidas, já que têm subjacente a rejeição da natureza normativa do Direito e – segundo o autor – não é possível elaborar uma apresentação teórica do Direito sem que se observe a normatividade enquanto característica essencial do Direito, ainda mais como instrumento garantidor de uma sociabilidade jurídica de carater democrático, o que se evidenciaria de per si no Direito moderno, dogmaticamente organizado.
Rafael Lazzarotto Simioni e João Paulo Salles Pinto analisam as propostas decisionistas da obra de Carl Schmitt à luz do seu contexto histórico-político, chamando a atenção para o facto de estas terem representado, ao tempo, uma das críticas mais contundentes ao positivismo jurídico então ascendente. Ao criticar a redução do Direito à lei, Schmitt havia chamado a atenção para a contingência da realidade empírica, o que, juntamente com o seu conceito de soberano como aquele que decide em situação de exceção, passou a estribar a sua construção teórica. Segundo os autores, apesar de terem sido para o contexto específico da crítica contra o positivismo na Alemanha de Weimar, as visões schmittianas de soberano e contingência podem servir de referencial teórico para explicitar ecos de decisionismo (baseados, sobretudo, na ideia de exceção) na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal brasileiro, o que ilustram através da análise de várias decisões recentes.
Diego de Paiva Vasconcelos discute a construção concetual apresentada como nova modalidade de tutela dos direitos fundamentais e de controlo da constitucionalidade – o Estado de Coisas Inconstitucional (ECI) –, analisando a sua evolução, os termos em tem vindo a ser apresentada e o modo como encaminha o Direito em direção a outros sistemas e abordagens no que concerne ao trato dessa problemática central que é aquela que se refere a uma das questões mais relevantes de uma sociedade democrática, qual seja o controle democrático e popular da vivência social sob a égide do Estado de Direito.
A fase conclusiva das apresentações do Grupo de Trabalho foi deixada aberta à avaliação dos participantes, os quais destacaram a relevância científica das produções apresentadas ao Encontro e o enriquecedor debate e contribuições acadêmicas havidas no âmbito da relevante atividade intelectual desenvolvida no Grupo de Trabalho por professores, estudantes e pesquisadores presentes, oriundos de instituições brasileiras e estrangeiras da maior relevância, no centro sediado na Universidade do Minho.
Prof.ª Doutora Patrícia Jerónimo – UMinho
Prof. Doutor Enoque Feitosa Sobreira Filho – UFPB
Doutora Alexandra Rodrigues Araújo – UMinho
Nota Técnica: Os artigos que não constam nestes Anais foram selecionados para publicação na Revista CONPEDI Law Review, conforme previsto no artigo 7.3 do edital do evento. Equipe Editorial Index Law Journal - publicacao@conpedi.org.br.
ISBN: 978-85-5505-504-1
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