DIREITO PENAL, PROCESSO PENAL E CONSTITUIÇÃO II
Ainda em tempos de Pandemia provocada pela pulverização do Covid-19, acadêmicos e profissionais do direito e do processo penal, reuniram-se, na tarde do dia 8 de dezembro de 2020, para apresentar e debater temas ecléticos ligados às Ciências Penais e à Constituição. Se, por um lado, a pandemia proporcionou o recolhimento e o distanciamento social, por outro, revelou ser ocasião de análise crítica sobre o que tem sido produzido em âmbito legislativo, acadêmico e pelos Tribunais, na aplicação e, diante do ativismo consentâneo ao neoconstitucionalismo, produção do direito.
É certo que o tema geral do livro é bastante amplo e, por isso, os capítulos ora apresentados revelam apenas alguns segmentos parcelares, mas não por isso menos ricos, de discussão das ciências penais. Os assuntos abordados, na ordem que constam no livro, dizem respeito aos seguintes temas, doravante apresentados como capítulos da obra:
O primeiro, intitula-se “sobre a inauguração do instituto do juiz de garantias no processo penal brasileiro: transplante jurídico acrítico ou tradução legal adequada ao ordenamento jurídico pátrio?” Nesse texto, de autoria de Hélio Roberto Cabral de Oliveira, busca-se investigar a adequação ao ordenamento jurídico pátrio do instituto do juiz de garantias, inaugurado no processo penal brasileiro pela Lei 13.964/20, suspensa por decisão liminar do Supremo Tribunal Federal. Sob a perspectiva do Direito Comparado e da História do Direito Processual Penal, externa-se a forma como ocorreu a importação de tal instituto para certificar-se se houve um transplante jurídico acrítico ou uma tradução cultural devidamente adequada à realidade legal pátria.
O segundo trabalho, intitulado “responsabilidade estatal e o aumento da criminalidade em tempos de crise financeira pandêmica frente à medida provisória n. 966/2020”, de autoria de Gleycyelle Pereira da Silva, Caroline Regina dos Santos e Nivaldo Dos Santos, tem por escopo a análise da mitigação da responsabilidade civil e administrativa dos agentes públicos nas medidas de enfretamento da Pandemia do Novo Coronavírus, amparada pela Medida Provisória n.º 966/2020. Os autores enfatizam a prejudicialidade ao erário público e a consequente ausência de recursos para promoção de segurança pública no novo mundo virtual. O método dedutivo é utilizado para correlacionar os discursos, a partir de leis, de resoluções, de tratados internacionais, entre outros documentos relevantes. A metodologia bibliográfica foi utilizada para o desenvolvimento da pesquisa, garantindo maior abrangência da temática.
Em “‘Estrangeiros’ presos no Brasil: uma reflexão a partir da Lei n. 13445, de 24 de maio de 2017”, o autor Geraldo Ribeiro de Sá apresenta um diálogo com os conceitos de migrante preso, crimes violentos (roubo e homicídio) e não violentos (tráfico de drogas e furto) e outros, praticados por “estrangeiros”. Caracteriza-se a migração contemporânea, destacando-se os Migrantes Sul/Sul, compostos majoritariamente por “imigrantes e refugiados modernos”, ou seja, dos que chegam e entram sem pedir licença, e por isso nem sempre desejáveis. Em decorrência da igualdade de direitos entre migrantes e brasileiros, entre presos não nacionais e nacionais, debate-se com vários momentos da legislação constitucional e infraconstitucional. Informa-se sobre a Cabo PM Marcelo Pires da Silva, prisão exclusiva para “estrangeiros”, seus crimes e origens.
O texto seguinte, intitulado “reflexões propositivas sobre o pacote ‘anticrime’: uma versão empalidecida do conjunto de medidas profiláticas para refrear a criminalidade no Brasil”, de autoria de Cristian Kiefer Da Silva, propõe ao leitor reflexões críticas sobre o pacote “anticrime”, e destaca, primordialmente, a desjudicialização do conflito, a desburocratização, o desafogamento do Poder Judiciário, a diminuição de custos para a máquina estatal, a celeridade, a participação direta dos envolvidos (autor e vítima) na resolução do conflito, a conscientização da dimensão do valor dos bens jurídicos ofendidos e de suas consequências, a reparação do dano, a minoração da estigmatização e discriminação do apenado, a prevenção, a inclusão, a racionalização das leis e a pacificação social.
Em “o princípio da insignificância e o crime de apropriação indébita previdenciária: uma análise do entendimento do Supremo Tribunal Federal”, os autores Roberto Carvalho Veloso e Ronaldo Soares Mendes analisam a existência de incongruência quanto à aplicação do princípio da insignificância pelo Supremo Tribunal Federal ao crime de apropriação indébita previdenciária em comparação aos crimes contra a ordem tributária. Para tanto, se valem da abordagem qualitativa e da pesquisa bibliográfica. Ao final, concluem pela incongruência do Supremo Tribunal Federal quanto à aplicação desse princípio nos crimes contra a ordem tributária em comparação ao crime do Art. 168-A CP, posto que o bem jurídico tutelado por ambos é o mesmo.
Seguindo, o intitulado “Controle de convencionalidade: uma revisão epistemológica à luz dos princípios constitucionais e convencionais do devido processo penal”, de autoria de João Santos Da Costa, objetiva tecer considerações acerca do objeto do processo penal a partir do reconhecimento do controle de convencionalidade como inerente ao seu próprio conteúdo. O Brasil é signatário de diversos tratados internacionais, dentre eles alguns voltados para a defesa de direitos humanos, a exemplo da Convenção Americana de Direitos Humano. A eficácia normativa destas convenções ultramarinas é, ainda, bastante relativizada pela jurisdição brasileira, ainda que se reconheça a supralegalidade dessas normas. Desse modo, o autor propõe uma releitura do processo penal, no sentido de que o controle de convencionalidade seja reconhecido como um elemento próprio do conteúdo de seu conceito.
Em “o poder geral de cautela como garantia da tutela jurisdicional efetiva no processo penal”, a autora Núbia Franco De Oliveira discorre sobre a necessidade de reconhecimento do poder geral de cautela ao juízo criminal. O estudo trata de medidas cautelares diversas da prisão preventiva, descritas no art. 319 do CPP. O método utilizado foi o dialético, dadas as análises pautadas em estudos doutrinários, decisões judiciais, dispositivos legais e constitucionais, assim como pesquisas práticas realizadas por órgãos oficiais. O texto objetiva comprovar a compatibilidade e adequação do poder geral de cautela com os princípios basilares do estado democrático de direito e também a relevância de seu reconhecimento diante da realidade brasileira.
Outro trabalho, cujo título é “as concepções de poder e autoridade necessárias à interpretação da Lei n. 13869/2019”, dos autores Willibald Quintanilha Bibas Netto e Rafael Fecury Nogueira, externa a polêmica da criminalização de condutas oriundas de abuso de autoridade. Os autores sustentam que grande parte desta polêmica reside no fato de a lei utilizar de elementos do tipo de natureza sui generis. Assim, no intuito de compreender melhor as disposições gerais da referida lei, o trabalho analisa algumas concepções filosóficas de Poder e Autoridade para depois compreender como tais concepções auxiliam na interpretação jurídica dos elementos subjetivos (psíquicos) constantes na Lei nº. 13.869/2019.
O próximo trabalho, denominado “da prerrogativa de não se incriminar: considerações quanto a constitucionalidade do banco de dados de perfil genético”, de autoria de Viviane Freitas Perdigão Lima e Jessé Lindoso Rodrigues, parte das discussões sobre coleta e armazenamento de DNA de condenados por crimes e objetiva analisar a constitucionalidade do Banco de Dados de Perfis Genéticos (BDPG). O referencial teórico pauta-se na impossibilidade de se privilegiar um direito fundamental em detrimento de outro, ao ponto que o direito fundamental desprivilegiado no caso concreto perca ou esvazie o seu núcleo essencial. (ALEXY, 2008; DWORKIN, 2002). A metodologia é exploratória e descritiva do tipo documental. Observa-se que embora as discussões constitucionais sobre o tema ainda não tenham sido sedimentadas, o uso de tal tecnologia torna a persecução penal mais racional e inteligente.
O trabalho que sequencia o livro tem como título o seguinte: “dos instrumentos de justiça penal consensual e o acordo de não persecução penal”. Nesse trabalho, os autores André Luiz Brandini do Amparo, Edmundo Alves De Oliveira e Leonel Cezar Rodrigues analisam os principais instrumentos de justiça penal consensual presentes em nosso ordenamento jurídico, construídos desde a Constituição 1988, até o advento da Lei 13.964/2019, que instituiu, em âmbito legislativo, o acordo de não persecução penal. Os institutos foram analisados de molde a verificar suas hipóteses de aplicação e pontos controvertidos, com a correspondente definição doutrinária e jurisprudencial de cada tópico. Em sequência, buscou-se a análise em torno do princípio da obrigatoriedade e sua revisão ante ao novel instituto, bem como do acordo de não continuidade da ação penal.
Em “Criminologia verde, abuso animal e tráfico no Brasil: regulação penal deficiente na proteção efetiva do meio ambiente”, os autores Luiz Gustavo Gonçalves Ribeiro e Lélio Braga Calhau analisam, sob a ótica da criminologia verde e do direito penal ambiental, a deficiência da legislação penal brasileira no tocante ao tráfico de animais e alertam o leitor para a gravidade da conduta que atenta conta a dignidade animal e para a omissão do legislador na tipificação da conduta. A pesquisa apresentada é bibliográfica e o método de exposição escolhido foi o lógico-dedutivo.
O texto intitulado “a ressignificação do conceito de inimigo na cultura penal da idade moderna”, dos autores José Valente Neto e Jânio Pereira da Cunha, trata da ressignificação do conceito de inimigo na cultura penal da Idade Moderna. Após analisar a origem do conceito na antiguidade clássica, principalmente em Roma, observa-se a sua disciplina na Idade Média e na Idade Moderna. O objetivo do artigo consiste na investigação sobre a possibilidade de estabelecimento de uma definição de inimigo no âmbito das ordens penais da antiguidade e medievo. O método de pesquisa empregado foi o bibliográfico. Concluiu-se que a política e a pena são temas diretamente relacionados.
No trabalho “o sistema penitenciário brasileiro e os reflexos da covid-19”, as autoras Camila Verissimo Rodrigues da Silva Moreira, Rhayane Araujo Meneghetti e Fernanda Alberton Rodrigues externam que o sistema penitenciário brasileiro tem sido considerado precário em relação ao tratamento dos presos ante a grave violação de seus direitos fundamentais. Como se isso não bastasse, o surgimento da COVID-19 e a pandemia trazem à tona o questionamento sobre o princípio basilar do direito, o da dignidade da pessoa humana, o zelo pela vida, pela saúde do preso e de toda a população. Sendo assim, medidas precisam ser adotadas para garantia da ordem interna, da segurança dos presídios, de maneira a evitar motins, rebeliões e conflitos, preservando a vida das pessoas custodiadas e dos agentes públicos.
Por fim, o texto intitulado “o transexual como vítima do feminicídio”, também das autoras Camila Verissimo Rodrigues da Silva Moreira, Rhayane Araujo Meneghetti e Fernanda Alberton Rodrigues, tem por escopo esclarecer o significado da transexualidade e as razões pelas quais devem os transexuais ser reconhecidos como mulher na sociedade e consequentemente como vítima do feminicídio. A sociedade não está preparada ainda para compreender a insatisfação de uma pessoa com o próprio gênero. Isso gera preconceito, ofensas e até mesmo violência. Sendo assim, não se deve atribuir apenas o aspecto biológico na análise, mas também o aspecto psicológico, médico e jurídico.
Dito isso e apresentado o conteúdo do livro, desejamos, nós organizadores, que os leitores façam bom proveito dos textos e que sejam difusores do conhecimento ora externado.
Tenham todos ótima leitura!
Prof. Dr. Maiquel Ângelo Dezort Wermuth
Coordenador do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu (Mestrado e Doutorado) da UNIJUÍ
Prof. Dr. Luiz Gustavo Gonçalves Ribeiro
Professor Adjunto do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu (Mestrado e Doutorado) da Dom Helder-Escola de Direito. Promotor de Justiça.
Nota técnica: Os artigos do Grupo de Trabalho Direito Penal, Processo Penal e Constituição II apresentados no II Encontro Virtual do CONPEDI e que não constam nestes Anais, foram selecionados para publicação na Plataforma Index Law Journals (https://www.indexlaw.org/), conforme previsto no item 7.1 do edital do Evento, e podem ser encontrados na Revista de Direito Penal, Processo Penal e Constituição. Equipe Editorial Index Law Journal - publicacao@conpedi.org.br.
ISBN: 978-65-5648-164-7
Trabalhos publicados neste livro: