XXIV Encontro Nacional do CONPEDI - UFS

SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA E CULTURA JURÍDICAS

Apresentação GT de SOCIOLOGIA, ANTROPOLOGIA E CULTURAS JURÍDICAS

Com vinte e nove artigos, o Grupo de Trabalho “Sociologia, Antropologia e Culturas Jurídicas” proporcionou ricos debates e interlocuções entre os presentes no GT, autores e ouvintes que identificaram na proposta do Grupo, o campo adequado para interdisciplinaridade, usos de métodos e abordagens que vão além das pesquisas teóricas e jurisprudenciais, mais comuns em outros grupos de trabalho do CONPEDI.

Em especial os autores que apresentaram seus artigos representaram as mais diferentes instituições e regiões do Brasil, proporcionando discussões entre alunos, egressos e docentes de Mestrados e Doutorados de instituições como: Centro Universitário do Pará, Universidade Federal do Paraná, Universidade Federal do Rio Grande, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Universidade do Oeste de Santa Catarina, Universidade Federal do Oeste do Pará, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Centro Universitário La Salle, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Universidade de Brasília, Fundação Machado de Assis, Universidade Federal Fluminense, Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal, Centro Universitário Volta Redonda, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Universidade Federal de Minas Gerais, Universidade Federal do Espirito Santo, Universidade Federal Rural do Semi-Árido, Universidade Federal de Goiás, Universidade Federal da Paraíba, Universidade Federal de Santa Catarina, Faculdade de Campo Grande, Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP, assim como da anfitriã, Universidade Federal de Sergipe.

A maioria dos trabalhos do GT se concentrou em cinco eixos de debates, estruturados em pesquisas metodologicamente subsidiadas por diferentes instrumentos, abordagens e análises, caracterizando as perspectivas jurídicas, antropológicas e sociológicas esperadas no GT. Num primeiro eixo, que inclusive demandou uma solicitação de registro para que haja um grupo de trabalho específico, tendo em vista o crescente número de textos nos mais diversos GT’s dos últimos CONPEDI’s, se delinearam os trabalhos com enfoque em questões de Gênero.

Com o trabalho “A subordinação da esfera social à fiscal: uma análise sócio jurídica a partir da teoria da dominação masculina de Pierre Bourdieu”, Thiago Augusto Galeão de Azevedo tratou da relação subordinativa entre a esfera social e fiscal do Estado Democrático e Social Fiscal, decorrente da esgotabilidade dos recursos públicos, identificando-a como um reflexo constituinte da estrutura de dominação reproduzida pelo Estado, à luz dos preceitos teóricos da dominação masculina de Pierre Bourdieu. Já Clarice Gonçalves Pires Marques apresentou o artigo intitulado “O papel da ciência jurídica na subalternização da feminilidade: problematizações e desconstruções necessárias para a igualdade de gênero” que se debruçou sobre as identidades femininas enquanto produção cultural e sobre como a ciência jurídica contribui para a subalternização das identidades femininas.

No texto “Destrinchado por um artigo clássico sobre gênero. Gênero: Uma categoria útil de análise histórica (Joan Scott)” os autores Pablo Henrique Silva dos Santos e Paula Pinhal de Carlos se debruçaram sobre o clássico texto de Joan Scott, identificando a importância da autora sobre os estudos sobre gênero e sua influencia nos estudos brasileiros sobre a temática. Com um recorte dentro das discussões sobre gênero, a categoria “trans” foi tratada em dois artigos. No primeiro, intitulado “O (re)conhecimento trans”, os autores Renato Duro Dias e Amanda Netto Brum analisam o reconhecimento e a experiência da (des)construção dos discursos naturalizantes das identidades de gênero e sexual trans com base em estudos culturais. Já Paulo Adroir Magalhães Martins e Ana Paula Cacenote, no artigo intitulado “A necessidade de uma integridade legislativa para o devido reconhecimento das identidades transexuais no atual panorama jurídico-social em razão da crise do sistema jurisdicional”, ao utilizarem o método sócio-analítico e a abordagem dedutiva, discutem a necessidade de uma integridade legislativa no ordenamento jurídico brasileiro para a criação de uma lei que busque assegurar o devido reconhecimento às identidades transexuais.

Com uma pesquisa de campo de fôlego, o artigo “Pobreza, cachorrada e ‘cachaçada’: representações de policiais sobre a violência contra a mulher”, dos autores Júlio Cesar Pompeu e Rafael Ambrósio Gava, se sustenta em um estudo etnográfico nas Delegacias de Atendimento à Mulher da Grande Vitória para analisar a dinâmica de funcionamento desses órgãos e descobrir se a compreensão dessa dinâmica pode ajudar a explicar o porquê de o Espírito Santo ter índices tão altos de violência contra a mulher. Os autores chamam a atenção sobre como a representação social dos policiais estigmatiza as vítimas e, aliado a outros fatores, dificulta o combate adequado dessas infrações penais, encontrando nessa variável um dos possíveis fatores que explicam os altos índices capixabas de violência contra a mulher.

Outro instigante trabalho se referiu à “Justiça de gênero e direitos humanos das mulheres: percepções sobre feminismo em decisões dos Tribunais de Justiça do país” de autoria de Fabiana Cristina Severi, que trouxe para discussão as dificuldades de acesso à justiça das mulheres e de efetivação de seus direitos, a partir da análise de conteúdo de julgados, na tentativa de traçar a percepção dos Tribunais de Justiça sobre feminismo. Como último trabalho que versa sobre gênero, o artigo intitulado “Pode a subalterna negra falar na Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso do Sul?” de autoria de Tiago Resende Botelho teve como recorte temporal os anos de 1977 a 2014, período em que constatou a inexistência da mulher negra neste espaço legislativo por trinta e sete anos, o que o leva a questionar a legitimidade representativa da mulher negra na política.

O segundo eixo de trabalhos se constituiu em torno das discussões sobre trabalho e economia, com quatro artigos que refletem sobre imigração, exploração de mão de obra e crédito como reconhecimento. Numa pesquisa de campo com resultados que vão além dos discutidos no artigo, Rodrigo Espiúca dos Anjos Siqueira, e Thais Janaina Wenczenovicz escrevem no texto “Imigrantes senegaleses, direitos humanos e trabalho: dimensões materiais e concepções acerca da integração no Brasil” a respeito da integração desses imigrantes à sociedade brasileira, chamando a atenção sobre como na região norte do Rio Grande do Sul o migrante senegalês experimenta a primeira forma de integração através da obtenção de emprego.

Já no artigo “Panoptismo digital: a terceirização das centrais de teleatividades”, Ailsi Costa de Oliveira faz uma análise acerca da terceirização, enfatizando dentro deste fenômeno, as atividades laborais executadas nos call centers. A autora identifica os call centers como empresas terceirizadas baseadas em um modelo de precarização do trabalho, caracterizado pelos controles a que são submetidos os teleoperadores pelos supervisores e por toda uma estrutura telemática, que se constituem pelo que chama de panoptismo tecnológico.

Marcelo Maduell Guimarães, na apresentação de seu texto “O contrato de trabalho e a sua insuperável marca exploratória: breves críticas ao modelo de desenvolvimento capitalista” parte de alguns questionamentos acerca do modelo de produção e desenvolvimento capitalistas na discussão sobre o contrato de trabalho, explorando seus significados na história e chamando a atenção sobre as poucas transformações até dias atuais, que ainda pressupõe exploração. Na busca por compreender as relações de consumo mediadas pelo crédito, bem como os aspectos jurídicos da atividade creditícia no Brasil, Anna Taddei Alves Pereira Pinto Berquó escreve o texto “O uso do crédito e reconhecimento social: aspectos jurídicos da atividade creditícia no Brasil” onde explora a relação de cordialidade como categoria que permitiu o acesso ao crédito, uma vez que é uma das características históricas do comércio brasileiro tratar os negócios como relações pessoais.

Um terceiro eixo de interlocução entre os trabalhos apresentados se deu em torno de discussões sobre a Sociologia Jurídica. Nesse sentido o trabalho intitulado “A relação entre a modernidade reflexiva e a sociedade do risco com a sociologia do direito” Rodrigo Marcellino da Costa Belo, discute a relação de singularidade interdisciplinar entre sociologia e direito que deu ensejo a formação da sociologia jurídica como campo que buscava estudar como tal relação influía na própria definição do Direito e de seus institutos. Já o artigo “Entre a academia e os tribunais: a construção social do direito constitucional brasileiro” de Carlos Victor Nascimento dos Santos e de Gabriel Borges da Silva busca ampliar as discussões acerca da produção do direito constitucional brasileiro partindo de quatro elementos: (i) a delimitação dos autores que se tornaram referências, (ii) a distância entre teorias e realidade social, (iii) a expansão dos programas de pós-graduação em Direito e o aumento da circulação de ideias que envolvam matérias constitucionais, além (iv) das relações entre professores/pesquisadores e juristas. Os autores analisam como esses quatro elementos são incorporados à discussão como movimentos capazes de influenciar a construção do direito constitucional brasileiro.

No texto “Velhas e novas perspectivas da Sociologia Jurídica no Brasil: flores ou espinhos?”, Cora Hisae Monteiro da Silva Hagino faz uma análise da história da Sociologia Jurídica no Brasil. A partir de uma abordagem histórica a autora discute a dificuldade de institucionalizar a sociologia jurídica nas faculdades de direito até transformar-se em disciplina obrigatória, partindo assim para uma análise sobre a influência dessa disciplina para entender a dinâmica do Direito na sociedade brasileira.

Por fim, nesse eixo, Enoque Feitosa Sobreira Filho e Lorena de Melo Freitas apresentam o artigo “Uma leitura realista do idealismo jurídico a partir das ideias de Gilberto Freyre”. Neste artigo analisam através de uma metodologia retórica, a crítica realista freyriana ao idealismo jurídico, apoiando-se na análise que Gilberto Freyre faz à cultura do bacharelismo no Brasil. Os autores apontam como Freyre ao estudar a formação acadêmica dos Bacharéis em Direito destaca a necessária vizinhança existente entre as Ciências Jurídicas, a Sociologia e Antropologia, que trabalham com fatos concretos, empíricos da realidade sócio jurídica.

O quarto eixo versa sobre estudos relativos à cultura que congregam quatro trabalhos que tratam da cultura como direito. O primeiro deles, intitulado “O direito ao idioma e a preservação cultural e linguística das minorias na comunidade dos países de língua portuguesa”, escrito por Pedro Bastos de Souza, se preocupa em discutir a importância da proteção cultural e linguística das minorias, em um cenário de globalização. Já o artigo “Por uma discussão a respeito das questões identitárias no âmbito dos direitos humanos”, de Raquel Fabiana Lopes Sparemberger e de Márcia Letícia, discute sobre como o trânsito de povos e culturas fragmentou as identidades fazendo com que estas se multiplicassem, se transformassem e fossem, aos poucos, se moldando a novos cenários, tornando necessária a reflexão a respeito das questões identitárias em Direitos Humanos. Os autores Noli Bernardo Hahn e Francis Rafael Mousquer, no trabalho “O interculturalismo como mecanismo emancipatório”, chamam a atenção sobre como uma estrutura de relacionamento receptiva e resiliente entre as culturas existentes no cenário geopolítico mundial absorvem as diferenças existentes entre culturas. Fechando o eixo sobre cultura como direito, o trabalho “Rinha de galo: uma expressão de cultura, uma atividade esportiva ou uma ofensa à constituição?” das autoras Fernanda Luiza Fontoura de Medeiros e Letícia Albuquer debate a respeito da possível colisão de direitos fundamentais a partir de uma análise da jurisprudência brasileira firmada pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça. As autoras buscam responder à seguinte pergunta: a rinha de galo pressupõe o enfrentamento de uma questão cultural, de uma atividade esportiva ou, efetivamente, de uma ofensa à Constituição?

O quinto eixo, possibilitado pelos trabalhos aprovados no GT, envolve discussões a respeito de questões indígenas que passam por discussões sobre territorialidade, relação constitucional e cultura indígena. De autoria de Julianne Melo dos Santos, o artigo “Territorialidade indígena e a demarcação de terras indígenas no Brasil: tensões, contradições e potencialidades” busca compreender as limitações e as potencialidades do reconhecimento estatal da sociodiversidade indígena no processo de demarcação territorial. Já o trabalho sobre “Os povos indígenas e o tratamento constitucional latino americano: uma análise acerca dos ordenamentos boliviano e equatoriano” de José Albenes Bezerra Júnior trata do direito comparado e da análise dos textos constitucionais da Bolívia e do Equador, ao analisar os novos tratamentos constitucionais dispensados aos povos indígenas em países da América Latina. O artigo intitulado “Pensão por morte e poligamia indígena: redistribuição ou reconhecimento?”, das autoras Ana Catarina Zema de Resende e Fabiola Souza Araujo, apresenta uma análise da decisão judicial paradigmática que concedeu, pela primeira vez, uma pensão por morte em caso de poligamia de povos indígenas. As autoras indicam que apesar da determinação de distribuição de uma pensão por morte entre as viúvas e os filhos do segurado falecido mostrar avanço quanto ao reconhecimento da organização social própria dos povos indígenas, acaba por reduzir a avaliação da situação a uma mera questão de distribuição, negando um reconhecimento jurídico pleno da diversidade cultural. No texto “A Regularização das Terras Indígenas e os Dados do Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil” os autores Giselda Siqueira da Silva Schneider e Francisco Quintanilha Veras Neto discutem a questão da demarcação de terras e a necessidade de políticas públicas de investimento econômico para programas de promoção dos direitos de tais populações em suas aldeias.

Também abrilhantaram as discussões do GT “Sociologia, Antropologia e Culturas Jurídicas”, outros cinco artigos que versaram sobre teoria marxiana, direito à memória, educação em direitos, justiça restaurativa e ativismo judicial. No artigo “Teoria marxiana e racismo: possibilidades na busca de um Direito instrumento de transformação”, Franciele Pereira do Nascimento provoca a reflexão acerca da relação existente entre teoria marxiana e racismo, indicando que apesar de não ser suficiente para suprir todas as demandas advindas dos conflitos étnicos-raciais, a teoria marxiana é fundamental para a entender o capitalismo atual e o os reflexos do racismo neste sistema econômico. Com o trabalho “O Grupo Tortura Nunca Mais e seus sentidos de fazer justiça” Igor Alves Pinto parte da categoria “sensibilidade jurídica” colocada por Clifford Geertz e de uma pesquisa de campo com observação participante, de forma que através de um trabalho com inspiração etnográfica busca compreender como se produz e quais são os sentidos de justiça que o “Grupo Tortura Nunca Mais” quer ver representada pelo Estado. Os autores Diego de Oliveira Silva e Lutiana Valadares Fernandes Barbosa, no trabalho “Biopoder, educação, resistência e libertação: a função da defensoria pública de educar em direitos como forma de resistência e de libertação da opressão”, tecem reflexões sobre a função institucional da Defensoria Pública de educar em direitos como forma de possibilitar à população hipossuficiente a compreensão da dinâmica do biopoder e seus microssistemas, numa perspectiva de cumprir sua função institucional. Já no artigo intitulado “Abordagem sociológica da justiça restaurativa” Christiane de Holanda Camilo apresenta uma análise sociológica sobre os principais elementos fundantes da Justiça Restaurativa, apresentando-a como uma reinvenção contemporânea e aprimorada das formas de resolutividade de controvérsias comunitárias que visam o estabelecimento de estratégias integrativas e humanizadas que têm como propósito construir sistemas de justiça que possam ser implementadas, tanto no âmbito do Poder Judiciário quanto em comunidades que viabilizem a integridade de vítima e de ofensor, caracterizando a manutenção inclusiva do ofensor na reparação da ofensa assim como a reparação da ofensa em si.

O Grupo de Trabalho “Sociologia, Antropologia e Culturas Jurídicas” encerra seus artigos com o texto “A democratização do judiciário como resposta ao ativismo judicial: ideias iniciais”, de autoria de Vitor Costa Oliveira, que busca saber se há, em que grau, e de que forma, um elemento volitivo ligado ao ativismo judicial. Essas e outras perguntas e suas possíveis respostas é o que desejamos que os leitores mais atentos encontrem, para dialogar, criticar, interagir e refletir.

Ótima Leitura!

José Fernando Vidal de Souza - Uninove

Verônica Teixeira Marques – Unit e ITP

Alexandre Veronese – UnB

Coordenadores do GT Sociologia, Antropologia e Culturas Jurídicas

ISBN: 978-85-5505-065-7


Trabalhos publicados neste livro: