CÁTEDRA LUIS ALBERTO WARAT
Entre os dias 03 e 06 de junho, ocorreu o XXIV Encontro do CONPEDI, na cidade de Aracaju/SE. Com o tema "Direito, Constituição e Cidadania: contribuições para os objetivos de desenvolvimento do Milênio", o evento foi pródigo em abordagens qualificadas, no que tange ao enfrentamento dos desafios imposto pela complexidade da ciência jurídica.
Neste ano, o CONPEDI inaugurou o grupo de trabalhos denominado "Cátedra Luis Alberto Warat", com o objetivo refletir sobre as convergências, discussões e potencialização de investigações que tenham conexões com o pensamento de Luis Alberto Warat e, nos coube a condução dos trabalhos neste novo GT.
Luis Alberto Warat foi um grande pensador que, a partir de um sólido conhecimento do Direito, transitava livremente desde a filosofia, psicanálise, literatura até a teoria do Direito, de modo que, influenciou e continua influenciando pesquisadores destas áreas de investigações. Assim, o autor, com suas ideias contestadoras e radicais, vindas de lugares inesperados marcou profundamente o universo jurídico.
Warat sempre foi Professor de Direito. A sua vida se confunde com a história da crítica do Direito que caracterizou a pós-graduação brasileira dos anos oitenta, onde formou muitos juristas que hoje são destaque no cenário nacional. Esse argentino mais baiano, que muitos nascidos no nosso querido Estado da Bahia, por sua formação, foi um profundo conhecedor, da filosofia analítica e do normativismo kelseniano, e, vivenciou seu declínio, ao menos, do ponto de vista do realismo jurídico, que apontou a insuficiência da teoria de Kelsen, para a explicação o Direito, uma vez que, aquela, deixava de lado a sociedade, o que leva (entre outras causas) Warat a se interessar em temas como a Semiótica Jurídica, a Literatura, e o ensino jurídico.
O autor pertenceu ao seleto grupo de docentes, que inaugurou a pós-graduação stricto senso em Direito no Brasil, e, tanto como docente, quanto pesquisador e autor de diversas obras , demonstrou uma postura critica ao modo como o Direito era concebido e ensinado. O que muitos falam hoje como uma nova Hermenêutica Jurídica, ele já pensava desde os anos 70 e 80.
Assim, com uma forte análise crítica à interpretação formalista da lei, como já se mencionou em outros textos , Warat, sugere a noção de carnavalização, o Manifesto do Surrealismo Jurídico, a Cinesofia, e a ideia de uma Pedagogia da Sedução. O conceito de Carnavalização, que aparece em Bakthin (autor russo) em um primeiro escrito, na perspectiva waratiana, sugere que para se pensar o Direito é preciso uma linguagem carnavalizada, sem um lugar único, ou ponto certo, constituindo basicamente uma polifonia de sentidos. Trata-se de uma linguagem que não possui um centro, configurando-se em um lugar onde todos podem falar. Porém, no Manifesto do Surrealismo jurídico começam a nascer rompantes de imensa criatividade, definindo o novo pensamento waratiano. O surrealismo é muito importante, porque graças a ele, Warat postula, e os seus alunos ainda mais, que o que se pensa pode acontecer. Essa é uma ideia baseada na psicanálise e nas loucuras de Breton. Ou seja, a realidade é criada pela nossa imaginação.
Assim, com o que postulou, uma pedagogia da sedução, Warat, incentiva o pensamento crítico, mas voltado à alteridade, ao amor e o prazer. Desta forma, propunha a saída da sala de aula (e do Direito oficial). Para tanto, uma das estratégias que Warat também adotaria foi o tema da mediação, compreendida por ele como um espaço onde realmente as pessoas poderiam, talvez, manifestar e demonstrar seus desejos.
E, apesar do vasto percurso e contribuição teórica proposta por Luis Alberto Warat, foi justamente um dos últimos temas de interesse do autor, que praticamente tomou os debates durante o desenvolvimento do GT.
Nesse sentido, várias interfaces da mediação foram apresentadas. Com Alini Bueno dos Santos Taborda, a mediação escolar, com vistas à cidadania e cultura da paz, ganha destaque. Já Aleteia Hummes Thaines e Marcelino Meleu, apresentam, inspirado na teoria waratiana, um modelo de mediação hedonista e cidadã, como crítica a uma lógica instrumental negociadora que está sendo implantada no sistema jurídico brasileiro. Ana Paula Cacenote e João Martins Bertaso apresentam uma análise da Mediação como paradigma sociocultural no tratamento dos conflitos e na realização da cidadania, objetivando a adoção deste instituto no tratamento dos conflitos, como forma de realização dos valores da cidadania, da democracia, dos direitos humanos, da solidariedade, da autonomia e da pacificação social. Com Natalia Silveira Alves, destacou-se a fragilidade do discurso jurídico atual e a crise do monopólio estatal de administração de conflitos, com análise do que denominou crise de legitimidade vivenciada pelo Poder Judiciário brasileiro, a qual (entre outras) abre lacunas expressivas quanto à administração de conflitos no Brasil.
Além da mediação, o percurso teórico de Warat e o perfil do professor foram abordados pelos participantes. Gilmar Antonio Bedin, situa o pensamento de Luis Alberto Warat na trajetória da epistemologia jurídica moderna e demonstra os avanços teórico-políticos produzidos pelo autor a partir da referida trajetória. Assim, resgatando os primeiros passos dados pelo autor junto a escola analítica de Buenos Aires, os deslocamentos produzidos pelas suas novas leituras teóricas do direito e chega até a sua maturidade intelectual do final da década de 90 do século 20. Já Luis Gustavo Gomes Flores desenvolve uma observação sobre as contribuições provocativas de Luis Alberto Warat como estratégia de reflexão na construção do conhecimento jurídico, sobretudo, no que diz respeito ao ensino do Direito e ao perfil docente.
Roberto de Paula, problematiza o ensino jurídico do direito de propriedade no Brasil, tomando como ponto de partida as contribuições da teoria crítica dos Direitos Humanos para confrontar a epistemologia consolidada em torno do ensino do direito de propriedade, com aportes na proposta emancipadora de Warat e Evandro Lins e Silva. Aliás, desejo e razão são referido por Thiago Augusto Galeão De Azevedo em seu texto, inspirado pelas concepções críticas da obra Manifesto do Surrealismo Jurídico, de Luís Alberto Warat, objetivando um estudo da relação entre desenvolvimento e corpo, especificamente a associação dos países desenvolvidos à racionalidade e a dos países subdesenvolvidos à emotividade.
Lembrando a família como um locus de afeto, ou como referiram "bases estruturais aptas a garantir o pleno desenvolvimento dos indivíduos", César Augusto de Castro Fiuza e Luciana Costa Poli, apresentam uma abordagem jurídico-psicanalítica da família contemporânea, destacando a interseção saudável e proveitosa entre direito e psicanálise.
Joedson de Souza Delgado e Ana Paula Henriques Da Silva, destacam que para a realização satisfatória da justiça, um direito justo deve ser entendido como uma construção social para que ele atinja sua plenitude. Por tanto, o trabalho dialoga com um enfrentamento à teoria kelseniana, como referiram Camila Figueiredo Oliveira Gonçalves e, Antonio Torquilho Praxedes ao ressaltarem que a teoria de Kelsen tentou impor uma separação entre os métodos científicos da teoria jurídica e os de outras ciências sociais como se fosse possível conceber uma doutrina jurídica alheia de outros campos do saber.
Mas, como ressaltam Maria Coeli Nobre Da Silva e Maria Oderlânia Torquato Leite em suas observações, o pensamento epistemológico da ciência, como forma acabada do pensamento racional, não mais se sustenta no hodierno, o que leva a uma epistemologia envolta em discrepâncias quanto ao seu objeto e quanto ao lugar que ocupa nos saberes teóricos, cujas dissensões atingem a epistemologia jurídica, presente que os problemas epistemológicos do Direito também fizeram parte do discurso filosófico (concepções e doutrinas) manifestado nas teorias jurídicas. Desta forma, apoiadas em uma ótica waratiana, Bianca Kremer Nogueira Corrêa e Joyce Abreu de Lira, lembram que é necessário aprimorar a formação de juristas inclinando-os a conhecer a semiologia e a se valer da produção de linguagem em prol de mudanças sócio-políticas mais favoráveis.
Todavia, há de se analisar, como propôs Leonardo Campos Paulistano de Santana, a compreensão da cidadania no contexto latino-americano e sua "jovem" experiência, já que, os anos da década de 90 do século XX foram problemáticos do ponto de vista do Direito e da democracia no continente, o que, inevitavelmente interferiu na formação dos juristas, naquele contexto, e nos saberes produzidos nesse processo, que engendram uma série de mecanismos institucionais carregados ideologicamente, que, no entanto, aparecem como meios técnicos, objetivos e imparciais.
É assim, contrapondo o que Warat denominou "Senso Comum Teórico" à disposição dos juristas, ou seja: "um arsenal de pequenas condensações de saber; fragmentos de teorias vagamente identificáveis, coágulos de sentido surgidos do discurso do outros, elos rápidos que formam uma minoria do direito a serviço do poder" que se desenvolveram os debates, no recém criado GT - Cátedra Luis Alberto Warat, na calorosa Aracajú.
Fica o convite para o acesso a um pensar crítico-comprometido, ao percurso teórico deste saudoso professor, a começar pelos textos que ora se apresentam, e, que na sua maioria derivam de ex-colegas e alunos de Warat.
De Aracajú/SE, no outono de 2015.
Leonel Severo Rocha
Cecilia Caballero Lois
Marcelino Meleu
ISBN: 978-85-5505-031-2
Trabalhos publicados neste livro: