XXIV Encontro Nacional do CONPEDI - UFS

JUSTIÇA MEDIÁTICA E PREVENTIVA

APRESENTAÇÃO

É com grande satisfação que apresentamos este livro produto dos dezenove trabalhos apresentados no GT de Justiça Mediática e Preventiva na 24ª edição do CONPEDI em Aracajú (Sergipe) em junho de 2015. O tema deste GT ganhou relevância e, já há algum tempo, sentia-se a necessidade de um ambiente próprio para a discussão dos meios adequados de resolução de controvérsias, tendo em vista, principalmente, o aumento do número e a qualidade dos artigos apresentados nesta área. Assim, por iniciativa dos coordenadores dos GTs de Acesso à Justiça e da Diretoria do Conselho Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Direito entendeu-se relevante a criação de um GT específico para tratar das formas consensuais de solução de conflitos.

A criação deste novo GT coaduna com um momento importante pela qual passam as ADRs no Brasil, principalmente, com a aprovação da Lei n°. 13.129/2015, que amplia a aplicação da arbitragem; da sanção do Novo Código de Processo Civil (Lei n° 13.105/2015), que traz capítulo específico sobre a mediação e conciliação e diretrizes para as audiências conciliatórias e mediáticas; e também da tão aguardada promulgação da Lei Brasileira de Mediação (Lei n°. 13.140, de 26 de junho de 2015).

Desta maneira, o Conpedi, atento às transformações no âmbito jurídico e social, vem, uma vez mais, responder aos anseios e às demandas da sociedade acadêmica, criando um veículo para tratar das discussões oriundas dos cursos de pós-graduação e pesquisas em Direito. Isto reflete, sem dúvida, na importância essencial do Conpedi como instrumento de encontro, discussão, reflexão e divulgação dos trabalhos realizados em cenário nacional e internacional.

Assinala-se, assim, que ficamos muito felizes com a incumbência de coordenarmos a primeira edição deste GT voltado à Justiça Mediática e Preventiva. Ao todo, como ressaltado anteriormente, foram 19 trabalhos apresentados, destacando-se que todos os autores e autoras marcaram, significativamente, presença. O debate foi conduzido de modo a facilitar a comunicação, o diálogo e o entendimento entre as pessoas interessadas, todos com grande envolvimento pessoal, profissional e afetivo com os temas abordados e revelam o estágio das pesquisas no que se refere à cultura da autocomposição dos conflitos emergentes na sociedade brasileira, enfatizando-se, nesse caso, os aspectos associados ao litígio na esfera do Poder Judiciário, e fora, na intervenção junto aos conflitos de interesse cujas partes ao procurarem os núcleos de prática jurídica e as câmaras arbitrais (Lei 9.307/96) tendem a acessar à justiça de um modo mais abrangente e eficiente.

A temática em tela encontra-se em voga em virtude do papel que passa a exercer a mediação na conjectura do Código de Processo Civil (CPC) que vigorará no Brasil a partir de março do próximo ano na medida em que está em harmonia com o Preâmbulo da Constituição Federal de 1988. Nesse contexto, a institucionalização da mediação no Brasil torna-se extremamente relevante, sobretudo, por abordar – extrajudicialmente e judicialmente - os conflitos associados à parentalidade e à conjugalidade no âmbito das famílias brasileiras. Assim, salientam-se os tópicos presentes no novo Código de Processo Civil e na Lei da Mediação aprovados recentemente para refletir acerca da necessidade da preparação cultural do conjunto da sociedade, das famílias e dos profissionais do Direito.

Nessa senda, percebe-se que há um incentivo ao diálogo e ao entendimento, voltando-se, assim, para a busca de um acordo. Provavelmente, a instalação da mediação por via institucional, estatal, – e, sobretudo, o seu entendimento e a sua implementação – poderá colaborar com a alteração da cultura do litígio expresso, em grande medida, pela judicialização de todas as controvérsias que ocorrem no âmbito social, e, ao mesmo tempo, poderá reduzir a quantidade de processos, que se arrasta junto ao Poder Judiciário há muitos anos. Ao mesmo tempo, nota-se a preocupação segundo a qual é necessário pensar para além da legislação, sobretudo, em relação à singularidade dos operadores do Direito no Brasil. Assinala-se, nesses termos, que o direito que vigora no País possui entre as suas fontes os “princípios gerais” que também interferem na criação da lei e, principalmente, na sua efetivação (ou não efetivação) ao concretizar materialmente o direito entendido aqui como o acesso à justiça enquanto direito fundamental dos direitos fundamentais.

Pode-se afirmar que, se inicialmente o movimento de acesso à justiça buscava endereçar conflitos que ficavam sem solução em razão da falta de instrumentos processuais efetivos, voltando-se inicialmente a reduzir a denominada litigiosidade contida. Hoje, atenta-se para o fato de a processualística voltar-se a resolver disputas – de forma mais eficiente e eficaz - afastando-se muitas vezes de fórmulas exclusivamente jurídicas e incorporando métodos transdisciplinares a fim de atender não apenas aqueles interesses juridicamente tutelados, mas também outros que possam auxiliar na sua função de pacificação social diante da percepção segundo a qual todo o conflito se diferencia do litígio à razão de ser multidisciplinar, ao passo que o litígio é um aspecto do conflito, aquele que se associa – direta e indiretamente – à dimensão jurídica. Toda a sentença é uma boa resposta ao litígio, mas não resolve o conflito em sua amplitude.

Além disso, percebe-se que por meio da incorporação desses diversos procedimentos ao sistema processual o operador do direito tende a preocupar-se, também, com a litigiosidade remanescente – aquela que, em regra, persiste entre as partes após o término de um processo heterocompositivo à medida que amplia-se a existência de conflitos de interesses que não foram tratados no processo judicial - seja por não se tratar de matéria juridicamente tutelada, seja por não se ter aventado certa matéria juridicamente tutelada perante o Estado. Soma-se a tal atitude, outra, a atentar para o princípio do empoderamento, em sintonia fina com um modelo preventivo de conflitos na medida em que capacita as partes a melhor comporem seus conflitos educando-as com técnicas de negociação e mediação. Além desses dois aspectos, pode-se voltar mediante o emprego desse instrumento de pacificação social para que haja uma maior humanização do conflito. Em outros termos: concebe-se o princípio da validação ou o princípio do reconhecimento recíproco de sentimentos, sobretudo, à medida que esse novo paradigma de ordenamento jurídico se desenvolve, nota-se a necessidade da adequação do exercício profissional de magistrados para que estes assumam cada vez mais uma função de gestão de processos de resolução de disputas. Naturalmente, a mudança de paradigma decorrente dessa nova sistemática processual atinge, além de magistrados, todos os operadores do direito, já que, quando exercendo suas atividades profissionais nesses processos, que, em regra são menos adversarial e mais propenso à utilização criativa dos instrumentos jurídicos existentes no ordenamento jurídico para uma atuação cooperativa enfocada na solução de controvérsias de maneira mais eficiente. Desse modo, criou-se a necessidade de um operador do direito que aborde questões como um solucionador de problemas ou um pacificador – a pergunta a ser feita deixou de ser "quem devo acionar" e passou a ser "como devo abordar essa questão para que os interesses que defendo sejam atingidos de modo mais eficiente".

Assim, as perspectivas metodológicas do processo de mediação refletem uma crescente tendência de se observar o operador do direito como um pacificador – mesmo em processos heterocompositivos, pois começa a existir a preocupação com o meio mais eficiente de compor certa disputa na medida em que esta escolha passa a refletir a própria efetividade do profissional. A composição de conflitos "sob os auspícios do Estado", de um lado, impõe um ônus adicional ao magistrado que deverá acompanhar e fiscalizar seus auxiliares (conciliadores autocompositivos, mediadores e árbitros no âmbito da Lei 9.307/1996), ainda que somente quando requisitado – como no exemplo da demanda anulatória de arbitragem. Por outro lado, a adequada sistematização desses mecanismos e o seu estímulo para que as partes os utilizem é marcante tendência do direito processual, na medida em que vai ganhando corpo a consciência de que, se o que importa é pacificar, torna-se irrelevante que a pacificação venha por obra do Estado ou por outros meios, desde que eficientes.

A arbitragem, neste sentido, funciona como um instrumento alternativo para solucionar as controvérsias que privilegia a autonomia das partes para determinar o alcance das medidas compositivas e a lei aplicável para alcançar tal solução. No âmbito interno, embora a Lei n. 9.307/96 não inaugure a arbitragem no plano jurídico nacional, foi responsável por imprimir uma feição mais moderna além de promover a sistematização do tema e, por isso, compreender as influências sob as quais se encontravam a jurisprudência brasileira em relação à arbitragem no momento de sua elaboração permite conhecer os mecanismos que proporcionaram o desenvolver de sua aplicação no país. No âmbito internacional, pode-se perceber a influência das Convenções de Direito Internacional em matéria de arbitragem na elaboração da lei nacional. Ainda que antes da incorporação de alguns instrumentos normativos ao âmbito interno, certas garantias eram necessárias para que o país pudesse apresentar uma maior confiabilidade a nível internacional no que concernia a proteção jurídica das questões arbitrais.

Agora, um dos pilares da arbitragem se refere à questão da segurança jurídica que deve ser analisada também sob a perspectiva da aplicação e interpretação posterior do reconhecimento e admissibilidade dos efeitos da sentença arbitral sobre as relações jurídicas. Ainda que haja uma regulação específica atinente à utilização do mecanismo arbitral, este só ganha força na medida em que as autoridades judiciais se inclinam pela devida observância da vontade das partes em se submeter a esta forma de solução de controvérsias, e logram admitir que no âmbito da esfera privada podem os particulares pactuar da forma que melhor lhes convier, observados os limites dispostos pelo próprio sistema. A adoção de uma lei segundo os mais avançados parâmetros internacionais não tem o condão de fornecer a segurança jurídica necessária se as instituições brasileiras, especialmente o Judiciário, não conseguirem compreender a importância do instituto para a concretização inclusive do direito fundamental de acesso à justiça.

O Novo Código de Processo Civil confirma a arbitragem como um instrumento jurisdicional autônomo e reconhece a importância do mesmo, pondo fim à eterna e estéril discussão sobre legitimidade, validade, legalidade e aplicação da sentença arbitral. Além disso, inova ao estabelecer a possibilidade de integração entre juízo arbitral e juízo estatal para cumprimento de medidas liminares, cautelares e antecipações de tutelas, bem como para condução e oitiva de testemunha renitente, dando plena eficácia ao art. 22 da Lei de arbitragem. Outro ponto digno de nota é que preserva uma das características básicas da arbitragem que é justamente o sigilo, já que a confidencialidade é essencial para a manutenção de certos negócios ou a formulação de estratégias empresariais e o desenvolvimento de novos produtos.

A mediação, a ser nesse momento discutida, constitui uma prática jurídica que pode contribuir com a construção da autonomia. Sendo assim, a obra em foco sugere a você leitor/leitora que atente para esse mecanismo não-adversarial de encaminhamento de conflitos enquanto prática pedagógica de construção da autonomia e de construção do Direito emancipatório. Em outras palavras, a mediação transformadora é, na verdade, uma forma de ecologia política de resolução dos conflitos sociais e jurídicos. Forma particular na qual o intuito de satisfação do desejo substitui a aplicação coercitiva e terceirizada de uma sanção legal. A mediação é uma forma alternativa ao processo judicial (com o outro) de resolução de conflitos e litígios, sem que exista a preocupação de dividir a justiça ou de ajustar o acordo às disposições do direito positivo.

Por fim, quer-se que essa obra possa contribuir com os esforços dos juristas que há décadas clamam pela mediação emancipatória que ao se transmutar de um mero procedimento de resolução de conflitos para se converter em um verdadeiro instrumento de exercício da cidadania, na medida em que possibilita a criação de um direito inclusivo, rompendo com o normativismo jurídico estatal, possibilitando - concretamente - o surgimento de um direito plural, capaz de absorver as expectativas de uma maior variedade de sujeitos sociais, em especial aqueles oriundos de segmentos mais marginalizados da sociedade. Assim, a mediação transformadora assinada por Luis Alberto Warat se coaduna perfeitamente com as perspectivas de uma nova política judiciária que deve estar comprometida com a democratização do direito e da sociedade.

Pode então o direito transformar a sociedade? Os autores/autoras dos textos desse livro pensam e agem de forma otimista a tal assertiva na medida em que além de guiar as coletividades na defesa daquilo que foi ao menos formalmente conquistado, o debate jurídico, enquanto manifestação do político, possibilita a ampliação do campo de luta pela afirmação de identidades – sejam elas individuais ou coletivas – e a conquista do reconhecimento e legitimação da pluralidade, em um verdadeiro exercício de emancipação da cidadania e democratização da sociedade. Diante de tal perspectiva, um livro pode transformar pessoas e estas o mundo.....

Nesse caso, nos resta a desejar a você que está nos acompanhando até aqui, que seja feliz, na medida do possível e faça uma adorável viagem mental entre as linhas dos trabalhos que se encontram nas próximas páginas!

Até breve,

• Profa. Dra. Adriana Silva Maillart (Uninove)

• Prof. Dr. Mauro Gaglietti (URI, FAI, IMED)

• Profa. Dra. Jamile Bergamaschine Mata Diz (UIT e UFMG)

Organizadores da obra

ISBN: 978-85-5505-060-2


Trabalhos publicados neste livro: