DIREITO PENAL E CONSTITUIÇÃO I
A associação entre sistemas penais e democracia tem sido um dos objetivos mais duramente perseguidos por juristas, cientistas políticos, sociólogos e filósofos ao longo da ocorrência da modernidade, especialmente porque no espaço simbólico da democracia pretende-se fazer repousar uma espécie de redenção legitimatória das máquinas repressivas modernas. Tal tarefa não se apresenta como algo fácil, pois, parafraseando LaFree, quando se refere à relação entre criminologia e democracia (2003), é possível afirmar, paralelamente, que sistemas penais e democracia podem, a princípio, parecer ser estranhos companheiros de cama.
Arranjos organizacionais civilizatoriamente aceitáveis, dentro de padrões humanisticamente razoáveis, onde a violência do crime e a violência institucionalizada sejam objeto de constante redução, senão até mesmo de eliminação, considerando a criminalidade em constante crescimento e as possíveis respostas do Estado a esse fenômeno, representam um dilema não só para as jovens democracias latino-americanas e de países em desenvolvimento, mas também para democracias ditas consolidadas como a norte-americana. Falhas no sistema de repressão penal estatal supostamente encorajam a realização de ilegalidades e o surgimento de milícias justiceiras; reações excessivas por parte do Estado podem dar a impressão de um retorno a práticas policiais autoritárias e não humanistas. Ambas situações não se constituem como exceções em nosso cotidiano.
O que parece saltar a um primeiro olhar é que as relações entre sistemas penais e democracia não são tão óbvias, e menos evidentes ainda quando se trata de analisarmos essa relação em países como o Brasil, onde, nos últimos trinta anos, taxas indicadoras de criminalidade, por um lado, e de encarceramento, por outro, subiram em ritmos assustadoramente proporcionais, inobstante a retomada de um processo de democratização, cujo principal marco foi a promulgação de uma Constituição que caracterizou a República Federativa do Brasil como um Estado Democrático de Direito.
Há, aqui, indícios de um paradoxo singularizado, em uma face, por um processo de redemocratização e, ao mesmo tempo, em outra, por um aumento exponencial da criminalidade e do encarceramento em massa. Dois exemplos contemporâneos ilustram bem a magnitude desse desconchavo. Nos Estados Unidos, considerado o mais amplo sistema democrático do mundo e o lugar por excelência das liberdades, no final do ano de 2014, havia um número em torno de 2.217.947 encarcerados em seu sistema penal, perfazendo uma média de 693 presos por 100.000 habitantes (ICPR, 2014); no Brasil, uma incipiente democracia num país em desenvolvimento, o número de homicídios chega a uma cifra ao redor de 60.000 ao ano, enquanto a população carcerária, crescendo assustadoramente nos últimos 20 anos, chegou à casa de 607.7312 presos, numa média de 299,7 presos por 100.00 habitantes (INFOPEN, 2014, p. 15-16). Ao número absoluto de encarcerados, é importante agregar o percentual de crescimento da população carcerária brasileira, a qual chega a uma cifra proporcional de 575% no período compreendido entre 1990 e 2014. Em 1990 tínhamos ao redor de 90.000 presos, enquanto no ano de 2014 ultrapassamos 600.000 encarcerados. Se agregarmos a essa estatística também os indivíduos que têm sua liberdade restringida mediante prisão domiciliar, a situação é ainda mais grave, pois o total da população mantida sob o controle do sistema penal sobe para 711.463 pessoas (CNJ, 2014, p. 4), o que perfaz uma relação de 348,75 indivíduos controlados pelo sistema penal para cada grupo de 100.000 habitantes, considerando-se o total da população brasileira ao redor de 204.000.000 de pessoas.
Tentar modificar esse quadro social e político, onde criminalidade e encarceramento somente aumentam seus números tem se constituído num dos grandes desafios que pesquisadores não só do Brasil e do Uruguai, mas de todo o mundo têm se colocado como primordial em suas tarefas investigativas cotidianas. O CONPEDI não tem se omitido dessa tarefa de buscar um direito penal e um processo penal cada vez mais humanistas e democráticos. Muito pelo contrário. Ao criar os Grupos de Trabalho nos seus já vinte e cinco Encontros Nacionais e cinco Encontros Internacionais, nos quais sempre estão incluídos GTs de Direito Penal e Constituição, o Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito tem contribuído enormemente para a divulgação e trocas de pesquisas entre os acadêmicos que se ocupam de refletir acerca das atividades repressivas e persecutórias do Estado. Nesse V Encontro Internacional, realizado em Montevidéo, UR, no qual estiveram presente mais de mil participantes, não foi diferente.
A qualidade das pesquisas apresentadas no GT de Direito Penal e Constituição I foram de excelente qualidade, especialmente se considerarmos a atualidade das investigações apresentadas. Assim sendo, temos que destacar que as leituras das investigações apresentadas serão de grande valia para os que trabalham por um Direito Penal cada vez mais adequado aos standarts de ordenamentos jurídicos cada vez mais democráticos de Direito. São elas:
1) A Lei 11.340/2006 e as imunidades penais nos delitos patrimoniais, de Marcela Siqueira Miguens;
2) A prisão em flagrante e a transgressão do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, de Silvia Elena Barreto Saborita e Renata Soares Bonavides;
3) Execução provisória da pena: uma análise crítica à decisão do Supremo Tribunal Federal no habeas corpus nº 126.292/SP, de George Maia Santos;
4) O estado de necessidade desculpante na criminalidade econômica sob a perspectiva da teoria das emoções, de Carlos Luiz de Lima e Naves;
5) O exercício da medicina: uma reflexão à luz do direito penal, de Maria Auxiliadora De Almeida Minahim e Lucas Gabriel Santos Costa.
Prof. Dr. André Leonardo Copetti Santos - PPGD/URI, Santo Ângelo, RS
Prof. Dr. Santiago Garderes - UDELAR, Montevideo, UR
ISBN: 978-85-5505-241-5
Trabalhos publicados neste livro: