DIREITO CIVIL CONTEMPORÂNEO
A presente coletânea é composta dos trabalhos aprovados, apresentados e debatidos no Grupo de Trabalho: “Direito Civil Contemporâneo I”, no âmbito do XXIX Congresso Nacional do CONPEDI, realizado entre os dias 07 a 09 de dezembro de 2022, na cidade de Balneário Camboriú/Santa Catarina, na UNIVALI – Universidade do Vale do Itajaí, e que teve como temática central “Constitucionalismo, Desenvolvimento, Sustentabilidade e Smart Cities”.
Os trabalhos expostos desenvolveram de forma verticalizada diversas temáticas atinentes ao Direito Civil Contemporâneo, especialmente na relação dialogal com o Direito Constitucional. As pesquisas ora apresentadas funcionam como canais indispensáveis nos debates e propostas das pendências existentes nos campos indicados e na busca de soluções efetivas para as problemáticas indicadas.
Gustavo Henrique de Souza Vilela aborda os movimentos do constitucionalismo e da codificação do direito privado, traça suas características mais impactantes como a supremacia da constituição, a constitucionalização do direito, a publicização do direito privado e a descodificação do Direito Civil pelo advento dos microssistemas. A partir do conceito, da origem e da finalidade desses elementos, reflete-se sobre os impactos da aplicação do valor normativo dos princípios constitucionais, para que não sejam banalizados, a eficácia dos direitos fundamentais e a busca pela função social dos institutos jurídicos na aplicação do direito.
Flavia Portella Püschel investiga a relação entre doutrina e jurisprudência em diálogo com a crítica feita por Judith Martins-Costa, segundo a qual a doutrina civilista atual tornou-se inútil tanto para a aplicação do direito quanto para orientação dos operadores do direito e dos destinatários das normas jurídicas, a partir do caso da responsabilidade civil punitiva, o qual exemplifica com clareza os efeitos da ausência de diálogo entre doutrina e jurisprudência, apontado pela autora como sintoma da perda de autoridade e utilidade da doutrina civilista brasileira.
Gustavo Henrique de Souza Vilela reflete sobre o direito sucessório. Conquanto sua relevância, tendo em vista que a todos afeta, apresenta-se em um cenário de estagnação, que tem ancorado o ramo jurídico às vestes do passado. Em alguns institutos sucessórios, essa carência mostra-se mais acentuada, é o que acontece com a indignidade e a deserdação, responsáveis pela possibilidade jurídica de exclusão do direito fundamental à herança. Propõe que a exclusão sucessória tem potencial para transformar-se em mecanismo de combate à violência doméstica e familiar, mas para que isso aconteça é necessário afastar-se do perfil apenas vingativo e fazer aflorar seu viés preventivo, através de mudança legislativa expressiva.
Alderico Kleber De Borba e Vitor Antônio da Silva Faria investigam a constitucionalidade na vedação à escolha do regime de bens para o casamento, para pessoas acima de 70 anos de idade. A obrigatoriedade do regime de separação legal de bens, em decorrência da idade do contraente, foi positivada numa perspectiva individualista e patrimonialista no art. 258, parágrafo único, inciso II, do Código Civil de 1916, lardeado de influxos do modelo de Estado Liberal (atualmente superado). O art. 1.641, II do CC de 2002 repetiu a redação do CC/1916, mantendo a proteção estatal não sob a ótica da pessoa, mas sim do patrimônio. Na mens legis do art. 1.641, II, do CC/2002, o que se tem é a proteção de interesses econômicos e patrimoniais, relegando a segundo plano a autonomia da vontade e a dignidade da pessoa humana. A repersonalização do Direito Civil implica na emancipação humana, no sentido de repor a pessoa humana como centro do direito, passando o patrimônio ao segundo plano. O contraente do casamento que possui 70 (setenta) anos ou mais é plenamente capaz para o exercício de todos os atos da vida civil, inclusive livre disposição de seus bens. Num ambiente de Direito Civil constitucionalizado, o art. 1641, II, do CC/2002 é inconstitucional. A patrimonialização das relações civis é incompatível com os valores fundados na dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III da CF).
Éder Augusto Contadin e Alessandro Hirata alertam que a teoria da transmissão no Direito Civil das Obrigações não é tratada como teoria geral, mas organizam dogmaticamente e metodologicamente os elementos teóricos e os requisitos centrais de sua funcionalidade jurídica. Também, procuram aferir os efeitos jurídicos advindos dos instrumentos de circulação jurídica e a correlação estrutural com aqueles elementos e requisitos. O estudo dos direitos subjetivos (absolutos e relativos) e das posições jurídicas atomizadas em seus conceitos são ponto nodal para a compreensão do fenômeno translativo em Direito. Procede-se à análise teórica desses elementos centrais (direito subjetivo e posições jurídicas) associados à circulação jurídica de direitos pessoais (ou relativos, ou de crédito), que também podemos denominar de transmissão jurídica no plano do Direito das Obrigações. Como resultado da pesquisa, desvela-se a riqueza conceitual e estrutural dos negócios de transmissão de posições jurídicas obrigacionais, em que os contratos de cessão (de crédito, de débitos – também denominados “assunção de dívidas” – e de posições contratuais) designam a transmissão das posições jurídicas ativas e/ou passivas com fonte negocial, e não a própria fonte que os desencadeia.
Daniel Stefani Ribas, Danilo Rodrigues Rosa e Leticia Faturetto de Melo tratam do contexto atinente ao paradigma das funções da responsabilidade civil como instrumento para a estruturação da indenização nos casos de danos à liberdade de expressão. O fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana e a constitucionalização do direito civil permitem uma compreensão das funções da responsabilidade - compensatórias, precaucional e punitiva ou pedagógico punitiva - como diretrizes para fixação da indenização.
Eloah Alvarenga Mesquita Quintanilha e Jordana Aparecida Teza analisam a evolução genética no campo do Direito e o seu impacto no sistema judiciário brasileiro. Por meio de uma exposição de casos concretos, demonstra-se a posição do magistrado quanto à confiabilidade dos exames de DNA, admitindo a possibilidade de considerá-la como prova confiável, mas não infalível. Isso se deve à existência de complicações genéticas, (“quimerismo”: indivíduo com duas cargas genéticas) capazes de “mascarar” o seu resultado. A importância do instituto da prova judicial é reafirmada no texto, propondo um debate sobre os eventuais conflitos nos processos de investigação de paternidade e investigação criminal. Evidencia-se a inquietude quanto à ausência de regulamentação no Brasil sobre a metodologia utilizada nos exames de DNA. Neste sentido, preconiza-se pesquisar o quimerismo de forma lato sensu, sua influência nos resultados dos exames de DNA e o seu impacto nas ações de família quanto ao direito do estado de filiação e origem genética.
Rodrigo Rodrigues Correia propõe uma análise a partir da ausência de uma disciplina legal especialmente destinada à adequação do registro civil de pessoas transgênero, o Provimento nº 73 de 2018 do Conselho Nacional de Justiça cuida do processamento extrajudicial pelos Oficiais de Registro, independente de decisão judicial, buscando compreender quais os parâmetros utilizados para possibilitar o processamento extrajudicial da adequação do registro, independente de decisão judicial e de apresentação de documentos médicos que atestam a condição de transgênero ou a ocorrência de terapias e da cirurgia para redesignação sexual.
Alexandre Barbosa da Silva e Denner Pereira Da Silva investigam, sob a ótica da condição humana, a implementação do programa de compliance pode ampliar a margem de escolha das pessoas com deficiência, com segurança e autonomia, em complemento à atual forma de regulação estatal. Dentre os seus objetivos está a possibilidade de concretizar direitos fundamentais da pessoa com deficiência por meio das ferramentas de compliance, garantindo-se o seu ingresso e permanência nas instituições, na perspectiva de confirmação do exercício de sua capacidade civil.
Para Daniela Silva Fontoura de Barcellos , Alice Aparecida Dias Akegawa e José Caldeira Gemaque Neto, a pandemia trouxe juros altos, desemprego, inflação, enfim vários males tanto na saúde humana, sociedade como na gestão da administração pública e privada fatores que motivam a crise do Estado, logo o Poder Judiciário foi acionado para intervir nas relações interpessoais conflituosas para pacificar e resolver o caso concreto. Em resposta a esta indagação, foi possível estabelecer que a teoria da imprevisão e a resolução do contrato por onerosidade excessiva é a solução do caso concreto encontrado pelo TJMG nos tempos de pandemia na resolução da lide.
Ana Paula Cardoso e Silva e Renata Apolinário de Castro Lima, a partir do método hipotético-dedutivo, abordam a possibilidade ou não do casamento da pessoa com deficiência mental e intelectual após as alterações promovidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência - Lei nº 13.146 de 06.07.2015, o qual buscou promover a inclusão das pessoas com deficiência ao contexto social em que vivem como forma de garantir-lhes a dignidade da pessoa humana atribuindo-lhes autonomia existencial, alterando substancialmente a teoria das incapacidades antes instituída no ordenamento jurídico brasileiro, ao tratar de forma igualitária as pessoas que antes da sua vigência eram consideradas incapazes, tornando-as capazes. Analisa-se ainda as complexidades decorrentes do reconhecimento legal do direito ao casamento das pessoas com deficiência mental e intelectual abordando as condições necessárias para que estas pessoas exerçam este direito e, diante da possibilidade deste casamento, se poderiam decidir acerca do regime de bens a ser adotado e se teriam a plena liberdade para conduzirem a sociedade conjugal.
Marcio Bessa Nunes, Danúbia Patrícia De Paiva e Sérgio Henriques Zandona Freitas, traçam um panorama das mudanças jurídicas verificadas no século XX, durante a vigência do Código Civil de 1916, desde o ambiente em que foi criado, passando pelas alterações sofridas até o final de sua vigência, com o Código Civil de 2002. Examinam os conceitos de patriarcado e feminismo, e como a discussão desses fenômenos propiciou uma mudança de visão em relação ao papel da mulher e, em seguida, a toda pessoa humana, independentemente do gênero. Abordam a constitucionalização do Direito Civil, analisando os conceitos de dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais e direitos da personalidade. O tema-problema do presente artigo está no exame dos avanços constitucionais já efetivados no Direito Civil brasileiro do ponto de vista da autonomia e dos Direitos da Personalidade. Evidenciam, por fim, as perspectivas de desenvolvimento do Direito Civil, a partir do novo conceito de capacidade, visando estabelecer o modelo democrático para a compreensão da autonomia, especialmente a existencial, no Estado Democrático de Direito brasileiro.
Joel Ricardo Ribeiro de Chaves defende que, tanto pela via de aplicação do parágrafo 3º do artigo 23 da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais aos serviços notariais e registrais, quanto pela via de resolução de antinomia aparente entre a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e a Lei de Registros Públicos, o resultado final que se pode identificar é o da aplicação das normas especiais de registros públicos à retificação de erros no Registro Civil de Pessoas Naturais e, apenas subsidiária e complementarmente, a aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, no que esta não conflitar com àquela.
Marcio Bessa Nunes , Antônio Carlos Diniz Murta e Sérgio Henriques Zandona Freitas consideram que, com a mudança do Código Civil de 2002 (CC/2002), operada pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD), por meio da Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015, a capacidade passou a ser regra geral no ordenamento legal brasileiro. Porém, não há, no Direito, um conceito claro do que seja deficiência, sobretudo a mental, que apresenta nuances inviáveis de serem captadas pela mera dogmática jurídica. Assim, deve o Direito colher, de outras ciências e saberes, meios que auxiliem o operador jurídico a definir, no caso concreto, a deficiência, tarefa que pode receber substancioso auxílio da Sociologia e seu conceito social da deficiência. Por meio do estudo do novo conceito de (in)capacidade no direito brasileiro, o conceito de deficiência passa a ser visto como um resultado de um relacionamento complexo entre as condições do indivíduo e das outras pessoas, desde a família até a comunidade, sendo dada ênfase, assim, a todo o contexto no qual a pessoa está inserida.
Marta Rodrigues Maffeis e Cíntia Rosa Pereira de Lima constatam que a liberdade de expressão é um direito fundamental que se desdobra na liberdade de manifestação do pensamento e na liberdade de opinião e de comunicação, inserindo-se aí, a liberdade de imprensa e o direito de informar. Não raramente, vem a lume situações de colisão entre a liberdade de imprensa e a ofensa a direitos da personalidade de terceiros, como, honra, intimidade e vida privada. Portanto, censurar previamente qualquer manifestação do pensamento não estaria em acordo com a vontade do constituinte. É nesse sentido que o Supremo Tribunal Federal se posicionou na ADPF nº. 130/DF que declarou inconstitucional a antiga Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/67). Segundo o STF, a liberdade de expressão deve ser elevada à categoria de sobredireito, pois segundo o Ministro Ayres Britto, ainda que não haja hierarquia entre os direitos fundamentais, para que sejam exercidas as liberdades de expressão e pensamento, há necessidade de colocá-las acima de outros direitos fundamentais expressos na Carta Magna. Em advindo alguma lesão a direito de outrem, há que se responsabilizar o agente causador do dano, mas não impedir a prévia manifestação do pensamento.
Gabriela Neckel Netto, Jean Moser e Denise S. S. Garcia revelam que as criptomoedas se tornaram nos últimos tempos um avanço no universo dos investimentos, motivo pelo qual, o criptoativo vem se tornando alvo de penhora pelos credores que pretendem obter a satisfação do seu crédito, investigando a possibilidade ou não da penhora das criptomoedas, constatando-se a volatilidade das moedas digitais contribuem para a dificuldade da penhora desse bem apesar de que já se tem o entendimento de tratar-se de um ativo financeiro que constitui o patrimônio do devedor. Necessitando assim, de uma legislação especifica que venha esclarecer o procedimento de penhora desse bem em específico.
Joana Vivacqua Leal Teixeira de Siqueira Coser pesquisa se, mesmo diante de cláusula contratual expressa, caberia ao juiz a análise acerca da utilidade da prestação e, se possível, quais seriam os limites da intervenção judicial. Para tanto, faz-se uma análise da legislação e doutrina acerca da temática proposta. Inicialmente, aborda os atuais contornos da obrigação. Em seguida, estuda as definições e os critérios distintivos entre inadimplemento absoluto e mora. Posteriormente, analisa a possibilidade de atuação judicial diante de cláusula resolutiva expressa ou específica das hipóteses de perda do interesse útil do credor, fazendo uma abordagem acerca dos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, bem como dos limites e parâmetros para a atuação judicial.
Com grande satisfação os coordenadores apresentam a presente obra, agradecendo aos autores/pesquisadores envolvidos em sua produção pelas profícuas reflexões surgidas e debatidas, bem como reiteram e louvam a dedicação e competência de toda a equipe do CONPEDI pela organização e realização do exitoso e arrojado evento, realizado em Balneário Camboriú/Santa Catarina.
Reiteramos a esperança que a obra ora apresentada sirva como parâmetro acadêmico para a compreensão dos problemas da complexa realidade social sob a óptica civilista. Desejamos leituras proveitosas na construção de uma nova perspectiva para os desafios impostos ao Direito Civil Contemporâneo no contexto pós-pandêmico de utilização dos mecanismos de Direito Privado como força motriz da inclusão cidadã.
Profa. Dra. Helena Nastassya Paschoal Pitsica- UNIVALI (Universidade do Vale do Itajaí)
Prof. Dr. William Paiva Marques Júnior- UFC (Universidade Federal do Ceará)
ISBN: 978-65-5648-654-3
Trabalhos publicados neste livro: