DIREITO PENAL, PROCESSO PENAL E CONSTITUIÇÃO I
Em uma tarde de Sábado, em pleno dia 24 de junho, por ocasião das festividades de São João no início do inverno brasileiro, o Grupo de Trabalho Direito Penal, Processo Penal e Constituição I reuniu-se, em breve, porém produtivo intervalo no arrasta-pé, com o escopo de debater temas modernos e interdisciplinares das Ciências Penais, que resultou na confirmação de que o Conpedi é hoje uma associação que contempla grandes profissionais, docentes e acadêmicos do direito. Com grande capacidade crítica, os estudiosos de ecléticos temas do universo do direito e do processo penal, corroboraram o sucesso dos eventos remotos do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito. Diversas Instituições, de norte a sul do país, estiveram representadas nos debates, culminando com um livro, de consulta imprescindível, que é composto dos seguintes artigos/capítulos, ora apresentados por título, autoria e síntese.
O texto “Justiça restaurativa: conjugação da eficiência penal com a finalidade retributiva da pena”, escrito por Carlos Augusto Machado De Brito e Felipe Augusto Forte de Negreiros Deodato, analisa a inovação da justiça restaurativa e promove um resumo histórico sobre o direito penal e a sua evolução até os dias atuais, com a ideia da constitucionalização do direito penal e a inserção das garantias. Para além disso, identifica os movimentos evolutivos do sistema penal e suas velocidades, colocando o desenrolar da importância da atuação da vítima para a resolutividade da lei penal. Ainda, o texto faz o cotejo da necessidade de um direito penal eficiente, mas sem deixar de lado a observância da finalidade retributiva do direito penal, e ressalta a importância do papel da vítima na justiça restaurativa, em especial nos crimes envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher objetivando a busca do cumprimento da função retributiva da pena conjugada com a eficiência do direito penal.
O trabalho “Justiça restaurativa: aplicabilidade prática no judiciário brasileiro”, de autoria de Rogério Roberto Gonçalves de Abreu, Allan Vítor Corrêa de Carvalho e Mariana Soares de Morais Silva, aborda a temática da Justiça Restaurativa concebida por Howard Zehr, e em quais âmbitos do judiciário brasileiro suas práticas poderiam ser adotadas a fim de melhorar a cultura de tão somente punir e prender, no intuito de desafogar o judiciário e diminuir a superlotação dos presídios. Com os resultados obtidos, os autores revelaram que há diversos estudos acerca da implantação de práticas restaurativas em diversos âmbitos do judiciário brasileiro, como nas varas de violência doméstica, infância e juventude e delegacias de polícia, mas que o grande obstáculo para uniformização das práticas consiste na ausência de normatização sobre o assunto.
O texto “Lei Maria da Penha: extensão do bem jurídico protegido e a transexualidade”, dos autores Marcela Da Silva Pereira e Antônio Carlos da Ponte, revela que, diante do contexto cultural e histórico vivenciado, grupos feministas se rebelaram contra a limitação de direitos, exigindo que estes fossem igualados aos dos homens; lutaram também por sua autonomia e liberdade, para que não houvesse mais sua submissão e dependência, inclusive quanto ao seu papel social, a uma figura masculina. Conceitos, como família, tiveram que ser revistos diante das mudanças nas relações interpessoais, de forma que o Direito estava se tornando um limitador da proteção e se via em desconformidade com a realidade vivida. O conceito mulher, prematuramente visto como sexo feminino, conceito biológico, mostrou-se insuficiente, devendo ser ampliado para assegurar a proteção do gênero, bem jurídico da lei 11.340/06. Dados apontam que a vulnerabilidade em razão do gênero feminino consiste em tema que exige uma maior atenção e cuidado, bem como uma política e garantias mais eficientes, tratando-se de problemática que clama atenção. Não diferente da situação dos transexuais, do gênero feminino, os quais, através das estatísticas, percebe-se que são alvos constantemente violados, vistos a margem da proteção. Revelam os autores que os Tribunais vêm decidindo pela ampliação do conceito, entendendo pelo gênero, além do sexo feminino, para que se possa alcançar situações diferentes ou até mesmo próximas, mas com o mesmo intuito e bem jurídico.
O intitulado “Mandados de criminalização e a tutela penal dos bens jurídicos difusos”, dos autores Antônio Carlos da Ponte e Cíntia Marangoni, discorre sobre a teoria dos mandados constitucionais de criminalização e suas implicações na proteção penal aos interesses difusos, diante do crescimento desta espécie de bens jurídicos universais, a partir do fenômeno da globalização e da sociedade pós-moderna. Com efeito, os bens jurídicos penais difusos devem ser tutelados por meio de instrumentos diversos dos utilizados no combate à criminalidade comum (que ataca bens jurídicos individuais), notadamente porque sua eventual lesão tem a capacidade de atingir um número indeterminado de pessoas e causar danos irreversíveis à sociedade. Para tanto, aborda-se o princípio da proporcionalidade (pelo viés da proibição da proteção deficiente) e a necessidade de reformas legislativas condizentes com a criminalidade contemporânea.
“Maternidade no cárcere privado: uma análise acerca do desenvolvimento adequado da criança a partir da teoria do apego”, com autoria de Jéssica Cindy Kempfer e Isadora Malaggi, busca analisar se o ambiente prisional é o mais adequado para a criança conviver com a mãe no pós-parto, a partir da teoria do apego e das atuais estruturas e instalações do sistema prisional. Diante disso, com o objetivo de concluir, através da teoria do apego e do atual sistema carcerário, o ambiente adequado para a criança, indaga-se a seguinte questão: a partir da teoria do apego e das atuais estruturas e instalações do sistema prisional, é possível afirmar juridicamente que, durante o tempo estabelecido na legislação, o convívio no pós-parto do filho com a mãe no ambiente prisional é o mais adequado? Desta forma, para responder à referida pergunta, é contextualizado o cárcere feminino no Brasil e o aumento significativo do encarceramento feminino. Ressalta-se, ainda, a maternidade e a teoria do apego, apresentando a importância do vínculo da criança com a figura de apego. Por fim, busca realizar de forma específica as relações entre mãe e filho com base na teoria do apego e as divergências frente ao ambiente prisional adequado. Como resultado final, o artigo externa que o ambiente prisional não é o lugar mais adequado para criança conviver com a mãe.
“Necropolítica e ressocialização no sistema prisional: impactos no direito à educação do apenado”, de Flavia De Paiva Medeiros De Oliveira e Drielly Cinthya Alves Nogueira, externa que o sistema prisional brasileiro ampara-se na punição e ressocialização do apenado, em que devem ser respeitados os princípios constitucionais de cumprimento da pena. No entanto, as prisões brasileiras estão permeadas por estruturas inadequadas e regimes disciplinares diferenciados que constantemente ferem a dignidade das pessoas privadas de liberdade e impedem a ressocialização. Assim, o artigo objetivou analisar a relação do conceito de necropolítica com o direito à educação do apenado no contexto prisional brasileiro. Para tanto, utilizou o conceito de necropolítica de Achille Mbembe na tentativa de problematizar o racismo e a política de morte do Estado brasileiro para com a população carcerária. Ao final, concluiu-se que, em uma análise necropolítica, não existiria uma coincidência na formatação da população carcerária e das motivações para a negação de seus direitos dentro e fora do contexto prisional brasileiro, inclusive no direito à educação como processo de ressocialização do apenado.
Já o artigo “O crime de lavagem de dinheiro nas transferências de atletas de futebol e a implementação preventiva de programas de criminal compliance em clubes brasileiros”, de Sebastian Borges de Albuquerque Mello e João Menezes Canna Brasil Filho, examina os impactos concernentes à implantação de programas de criminal compliance com foco de prevenção à lavagem de capitais, principalmente em transferências de atletas de clubes brasileiros de futebol. Inicialmente, aborda-se o fenômeno da globalização no mercado futebolístico, corresponsável pela multiplicação de investimentos internos e externos no esporte, o qual determina o incremento do risco do cometimento do delito de lavagem de capitais. Assim, discute-se ferramentas de governança utilizadas por entidades relacionadas ao esporte com o fito de coibir essas práticas criminosas, bem como as especificidades oriundas da instituição de programas de criminal compliance dentro de clubes de futebol, com características distintas de empresas de outros ramos, salientando a independência de um sistema de compliance como atributo essencial para elevar o êxito na prevenção desses delitos. Destaca-se, ainda, que o texto analisa os deveres de compliance que precisam ser observados por agentes envolvidos no setor e identificados na legislação vigente, tendo em vista a alta vulnerabilidade das operações nacionais e transnacionais envolvendo transações de atletas, particularmente em relação ao delito de lavagem de dinheiro.
Na sequência, Bruna Vidal da Rocha, Dani Rudnick e Tatiane Lemos Nascente apresentaram o texto "Reflexões históricas acerca do Tribunal do Júri", reiterando a historicidade e abordando, a partir de critérios delineados, a relevância e os aspectos controvertidos que envolvem o tribunal popular.
O artigo Educação no sistema prisional como efetivação da cidadania para os encarcerados no Estado da Paraíba, de autoria de Rômulo Rhemo Braga, Mariana Morais Silva e Allan Vitor de Carvalho, traz à baila os postulados fundamentais para a dignidade humano por meio do direito à educação efetivado no cárcere, por meio de importante estudo de caso.
A temática do poder probatório do juiz penal foi analisada por Américo Bedê Freire Junior e Vanessa Maria Feletti; e o ambiente prisional brasileiro como locus de violações de direitos humanos e apropriado para a estruturação das facções criminosas foi abordado por Luan Fernando Dias e Maria Aparecida Lucca Caovilla.
A provisoriedade da prisão e a morosidade judicial como violação de direitos fundamentais foi o objeto de análise do texto de autoria de Débora Simões Pereira; e o protocolo para a higidez do reconhecimento de pessoas como dimensão estruturante do procedimento probatório foi alvo da abordagem feita por Eduardo Garcia Albuquerque.
Seguindo a mesma toada, Luciano Santos Lopes e Pedro Afonso Figueiredo analisou a teoria da cegueira deliberada aplicada aos crimes tributários, com ênfase em suas repercussões e Luiz Gustavo Gonçalves Ribeiro, Luciana Machado Teixeira Fabel e Lélio Braga Calhau apresentaram e trouxeram para a pauta as discussões sobre os desafios opostos ao Direito Penal pelo ESG, Greenwashing e pelos programas de integridade.
Sem dúvidas, aqui uma grande obra que é produto de construção coletiva, oriunda de diversos bancos acadêmicos e profissionais desse país marcada por novas discussões, intensas transferências de tecnologias e práticas de inovação que, em muito, redimensionam a ciência do Direito, a dogmática jurídica-penal e a produção do conhecimento científico na área desse já tradicional grupo de trabalho.
Convidamos, pois, à leitura; cumprimentando, todos e todas, pelo êxito de mais um GT em um encontro virtual do CONPEDI.
Professor Doutor Luiz Gustavo Gonçalves Ribeiro
Dom Helder Escola Superior/MG
Professor Doutor Clovis Alberto Volpe Filho
Faculdade Dr. Francisco Maeda/Faculdade de Direito de Franca
Professor Doutor Thiago Allisson Cardoso de Jesus
Universidade Estadual do Maranhão, Universidade Ceuma e Universidade de Salamanca.
ISBN: 978-65-5648-737-3
Trabalhos publicados neste livro: