DIREITO PENAL, PROCESSO PENAL E CONSTITUIÇÃO II
O Grupo de Trabalho Direito Penal, Direito Processual Penal e Constituição II reuniu-se, na data de 16 de novembro de 2018, durante o XXVII Congresso Nacional do CONPEDI, sediado na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), campus Porto Alegre, com o propósito de discutir questões emergentes e de vultosa importância no tocante às práticas penais, às leis penais brasileiras e ao tratamento dado aos assuntos tratados em cada qual dos artigos pela doutrina nacional e internacional.
De início, poderá o leitor perceber que os temas tratados são ecléticos e transitaram, com grande transdiciplinaridade, por outras grandes áreas do conhecimento, mais precisamente as ciências humanas e as ciências médicas, estas exploradas, notadamente, quando analisada a questão das medidas de segurança, bem como no tratamento da dimensão biopolítica da violência perpetrada contra a mulher no âmbito doméstico e carcerário e, por último, quando da análise das práticas reificantes na sociedade do controle.
O tema das medidas de segurança foi explorado pelo artigo intitulado “Medida (de segurança) cautelar: a herança do tradicionalismo penal-psiquiátrico no processo penal brasileiro”, de autoria de Thayara Silva Castelo Branco e Antonio Eduardo Ramires Santoro, o qual aborda, a partir de uma perspectiva crítica, o ranço do positivismo criminológico que coloca a periculosidade como verticalizadora do Sistema de Justiça Criminal, análise realizada a partir da Lei nº 12.403/11, a qual reformou o sistema de cautelares no processo penal brasileiro, introduzindo, dentre elas, medidas diversas da prisão como a internação provisória de inimputável ou semi-imputável.
Por seu turno, o artigo de autoria de André Giovane de Castro e Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth abordou, a partir da filosofia agambeniana, a violência perpetrada contra as mulheres nas esferas doméstica e prisional, com base em dados de homicídios e encarceramento, à luz da Lei Maria da Penha e da Lei de Drogas, sob o título “Da casa ao cárcere: uma leitura biopolítica dos campos de violência contra a mulher”.
Já o artigo de Elesandra Maria Da Rosa Costella, sob o título “As (possíveis) respostas da teoria do reconhecimento às práticas reificantes da sociedade do controle” abordou o tema da utilização do direito penal como instrumento de controle social das classes marginalizadas, compostas por pessoas consideradas enquanto vidas dispensáveis, às quais se nega o reconhecimento e inclusão no sistema social, reificando-as, uma vez que a inclusão, na sociedade contemporânea, é condicionada à capacidade de consumo.
Importante destacar que os textos ora apresentados revelam o entendimento de pesquisadores das mais diversas partes do Brasil, de norte a sul e de leste a oeste, e externam parte da realidade prática vivenciada pela população de diversos Estados, desde o ponto de vista de questões prisionais até aquelas concernentes ao exercício de policiamento ostensivo realizado pelo exército brasileiro, nas chamadas práticas de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).
Isso fica muito evidente a partir do artigo de autoria de Guilherme Rego Magalhães, o qual, sob o título “A resiliência da prisão especial como instituição jurídica e social”, aborda o tema da prisão especial no direito brasileiro, da sua função em nossa estrutura social e de como ela foi racionalizada ao longo de sua história, a fim de apontar o seu anacronismo.
Por sua vez, o artigo intitulado “O princípio da sustentabilidade e a execução provisória da pena privativa de liberdade”, escrito por Alan Peixoto de Oliveira e Cássia Daiane Maier Gloger, analisou a compatibilidade da norma constitucional, como redigida na Constituição da República com a execução provisória da pena privativa de liberdade, diante dos aportes do Princípio da Sustentabilidade, empreendendo uma reconstituição do sistema Global de Direitos Humanos previstos nos documentos internacionais do qual o Brasil é signatário.
Nesse bloco, situa-se, ainda, o artigo intitulado “O inadimplemento da pena de multa e a progressão de regime prisional sob o prisma do direito penal libertário”, de Marcos Paulo Andrade Bianchini, que versa sobre a compatibilidade da decisão no Agravo Regimental da Execução Penal nº 16 – STF, que impediu a progressão de regime de condenado por inadimplemento da pena de multa, com a teoria do Direito Penal Libertário.
O artigo intitulado “A atuação das Forças Armadas nas Operações Ágata e o programa de proteção integrada nas fronteiras brasileiras no combate à criminalidade”, elaborado por Andreia Alves De Almeida e Savio Antiógenes Borges Lessa, por seu turno, tem por foco a atuação das Forças Armadas na faixa de fronteira, analisando seu poder de polícia e atribuição subsidiária – a partir do novo Programa de Proteção Integrada de Fronteiras.
Outrossim, as discussões envolveram desde as práticas desenvolvidas no seio de um direito penal de ordem tradicional/individualista, até aquelas relativas à lida com os novos bens jurídicos de ordem transindividual, a exemplo do meio ambiente, para o que apresentadas foram algumas transformações dogmáticas capazes de dotar o direito penal de empoderamento com vistas à realização de uma mais efetiva tutela do novel bem jurídico penal ameaçado ou agredido.
Nesse bloco, cumpre destacar o texto de autoria de Linia Dayana Lopes Machado e Viviane Aprigio Prado e Silva, o qual, sob o título “Tutela ambiental na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: a necessidade de uma teoria da decisão judicial”, empreendeu uma discussão sobre os desafios colocados pelo Direito Ambiental ao Poder Judiciário, considerando a existência do que pode ser considerado como lacunas legislativas no que diz respeito às práticas lesivas ao meio ambiente.
Também sobre o tema da tutela penal do meio ambiente, o artigo de Luiz Gustavo Gonçalves Ribeiro e Aflaton Castanheira Maluf analisou a evolução da legislação ambiental no Brasil, especialmente a legislação penal, com foco na questão penal ambiental atual e futura, com ênfase no PLS 236/2012, em texto intitulado “O Direito Penal ambiental no PLS 236/2012 – Novo Código Penal.”
De resto, verá o leitor que os textos também envolveram discussões concernentes ao processo de expansão do Direito Penal e da flexibilização de garantias na seara processual penal, demonstrando a necessidade de uma leitura transdisciplinar das Ciências Criminais. Essa preocupação assume centralidade no artigo de Daniel Angeli de Almeida, o qual, sob o título “A instauração de um novo paradigma do direito penal ante o advento da sociedade de risco: um necessário reexame da teoria do bem jurídico”, discute a entrada na era pós-industrial, a qual impõe mudanças em diversas áreas do conhecimento, sobretudo no Direito Penal, que se vê obrigado a rever seus princípios clássicos, a abandonar velhas verdades e adaptar-se para responder aos novos desafios da sociedade de risco.
Por sua vez, o artigo “O transtorno punitivo compulsivo e a banalização da cautelaridade processual”, escrito por Jéssica de Souza Antonio e Ana Paula Motta Costa, propõe uma reflexão crítica acerca da prática encarceradora cautelar que vem acometendo o Processo Penal, contrastando-a com uma racionalidade punitiva dentro do processo penal democrático.
No mesmo sentido, o artigo “Denunciação criminosa contra inimputáveis: senso ou contrassenso?”, de Sebastian Borges de Albuquerque Mello e Rafaela De Oliveira Alban, examina o crime de denunciação caluniosa, com a finalidade de verificar a possibilidade ou não do inimputável ser vítima dessa modalidade delitiva em face da previsão da elementar típica de imputação de “crime”.
Essa discussão – acerca do expansionismo penal e suas consequências – também permeia o artigo de Leonardo Pozzi Loverso e Greice Patricia Fuller, o qual aborda a possibilidade do acesso de dados em smartphones do investigado, o que tem se revelado controverso quando diretamente realizado pela polícia, a partir das recentes decisões proferidas pelo STJ e STF sobre o assunto. Trata-se do texto intitulado “Acesso de dados pessoais pela polícia em smartphones de suspeitos na investigação criminal”.
As novas tecnologias também ocupam espaço central no artigo “A tecnologia a serviço da criminalidade: meios de combate à lavagem de dinheiro em criptomoedas”, de Hamilton Calazans Câmara Neto e Romulo Rhemo Palitot Braga, que realiza uma ordem cronológica de criação e posterior valorização das criptmoedas, associando-se à análise da efetivação do crime de lavagem de dinheiro e sua respectiva Lei 9.613/98 e 12.683/2012.
A preocupação com o direito penal em face das novas tecnologias também está presente no artigo “Os aspectos penais da exposição pornográfica não consentida na internet”, no qual Osmar Fernando Gonçalves Barreto e Wagner Seian Hanashiro salientam que a exposição pornográfica não consentida na internet é uma violação e traz suas repercussões na esfera criminal, de maneira a ser enquadrada nas condutas já tipificadas no Código Penal, porém como um desdobramento da violência sexual, mas neste caso praticada no ambiente virtual, e, portanto, denominada como: estupro virtual.
O tema das garantias processuais e suas relativizações também ocupa espaço central no texto “A condução coercitiva da testemunha no processo penal e as garantias constitucionais”, escrito por Tatiane Gonçalves Mendes Faria e Maria Laura Vargas Cabral, e que investiga a condução coercitiva de testemunhas no processo penal e seus direitos fundamentais, principalmente o direito à locomoção e ao silêncio, a partir do entendimento exarado no julgamento da ADPF 395.
A preocupação com a temática das garantias e sua vulneração contemporânea também se evidencia no artigo “Conflitos entre o Direito Penal moderno e o garantismo à luz constituição federal de 1988”, de Jussara Maria Moreno Jacintho e Jorge Flávio Santana Cruz, que aborda as constantes reformas legislativas no âmbito penal e processual penal, que acabam interferindo nos direitos e garantias fundamentais, na medida em que suprimem ou reduzem as garantias por não respeitarem os limites impostos pelo legislador constituinte originário.
Esta temática também serve de fio condutor do artigo de Henrique Gaspar Mello de Mendonça e Carlos Alberto Menezes. Sob o título “A trajetória do Direito Penal: Modernidade; Garantismo e Constituição”, os autores relacionam a modernidade, o garantismo e a Constituição, a fim de detectar uma normatividade e meios efetivos para evitar arbítrios do Estado na sua missão de proporcionar segurança à coletividade.
Em face do contexto exapansionista delineado, alternativas são apresentadas. Nesse sentido, Marilande Fátima Manfrin Leida, no texto intitulado “Justiça Restaurativa e Justiça Retributiva: diferentes métodos à administração de conflitos e violência”, apresenta as diferenças entre a justiça restaurativa e a justiça retributiva na resolução de conflitos criminais, evidenciando a preponderância do sistema de justiça penal retributivo, cada vez mais punitivista e inquisitorial, imposto por um terceiro alheio ao fato, que define a residualidade da competência da justiça restaurativa.
Por fim, o texto de Valdir Florisbal Jung, intitulado “Tribunal do Júri: a influência do perfil do réu e da vítima nas decisões do conselho de sentença”, volta-se para o tema da influência do perfil do réu e da vítima nas decisões no Tribunal do Júri, salientando o quanto informações extraprocessuais, como a conduta e os antecedentes do réu e da vítima, influenciam suas decisões.
Enfim, diante de um cenário nacional de grande turbulência política e econômica e diante de práticas justificadas pelo neoconstitucionalismo e que ganham, com grandes efeitos colaterais, dimensões populistas em face das decisões proferidas por tribunais superiores em assuntos de extrema relevância no dia a dia das pessoas, os textos ora apresentados contribuem, de alguma forma, para iluminar o paradigma crítico do atual momento.
Boa leitura a todos, é o que desejam os apresentadores!
Porto Alegre, novembro de 2018.
Profa. Dra. Miguel Tedesco Wedy – UNISINOS
Prof. Dr. Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth – UNIJUÍ
Prof. Dr. Luiz Gustavo Gonçalves Ribeiro – ESDHC
Nota Técnica: Os artigos que não constam nestes Anais foram selecionados para publicação na Plataforma Index Law Journals, conforme previsto no artigo 8.1 do edital do evento. Equipe Editorial Index Law Journal - publicacao@conpedi.org.br.
ISBN: 978-85-5505-716-8
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