DIREITO DO TRABALHO E MEIO AMBIENTE DO TRABALHO I
UMA GERAÇÃO VAI, E OUTRA VEM; PORÉM A TERRA SEMPRE PERMANECE.
São de Érico Veríssimo, celebrado e reconhecido autor gaúcho, de uma das mais belas obras da literatura brasileira, a trilogia de O tempo e o vento, as palavras que intitulam esta apresentação. Para além da discussão sobre a formação histórica do Estado do Rio Grande do Sul, que, honrosamente, recebeu, neste segundo semestre de 2018, o XXVII Congresso Nacional do CONPEDI, a obra cíclica de Veríssimo propõe uma reflexão sobre a existência, a resistência, a memória. Na dualidade do tempo, aquele que corroi, passa e, por vezes, destroi, e do vento, que permanece e se repete, lembramos que o trabalho também é sopro de vida, presença neste mundo marcado pela inexorável passagem do tempo e dos ventos.
Há algum tempo, estamos escutando que o trabalho deixará de existir, que as novas tecnologias remodelarão o mercado de trabalho e profissões tornar-se-ão obsolescência em uma sociedade cada vez mais marcada pela velocidade. Consumo, riqueza, trabalho, liquidez. Um ciclo voraz se cria em nossas vidas e, sem percebermos, estamos na Roda-Viva do Chico, porque “a gente quer ter voz ativa e no nosso destino mandar”, mas quantas vezes “eis que chega a roda da vida e carrega o destino para lá”? O trabalho manda no nosso destino. Somos seres relacionais e o trabalho é uma das figuras centrais que permite a formação de nossa identidade.
Tendo a tecnologia evoluído exponencialmente nas últimas décadas, em especial no atual século XXI, as raízes clássicas do Direito do Trabalho encontram-se em cheque e beiram a extinção. Aqui, não se fala de precarização das relações de trabalho, desproteção do trabalhador, fomento à percepção de lucro descomedida ou desatenção aos direitos humanos, cuida-se de intensa transformação epistemológica para a qual, talvez, os principais operadores do Direito do Trabalho ainda não estejam preparados.
Todas estas modificações são fruto do avanço tecnológico que desafia a humanidade nos últimos tempos, de modo que de nada adianta estabelecer resistência quanto ao fenômeno. Perquirir a existência de uma crise do trabalho no Brasil não é algo da nossa história recente, porque esta crise é fruto da pretensa tentativa de se produzir riqueza, reduzindo-se o trabalho, pelo menos naquela configuração tradicional que se conhece. No entanto, não se pode olvidar que o trabalho é o meio de acesso da maioria dos indivíduos aos produtos necessários para as suas vidas. Neste sentido, não há como se pensar, ao menos atualmente, numa sociedade que não precisa do trabalho de seus cidadãos.
O Grupo de Trabalho Direito do Trabalho e Meio Ambiente do Trabalho I, apresentado neste Congresso do CONPEDI, realizado na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Campus Porto Alegre, evidencia que as reflexões expostas não se contentam com soluções Prêt-à-Porter. Ao contrário, questionam, saem do lugar comum, fazem frente à liquidez de nossas relações desejando a perenidade do conhecimento. Nossos profícuos debates mantiveram o rigorismo científico que se espera da Academia e levantaram dúvidas quanto à mens legis estabelecida pela Reforma Trabalhista. Como conciliar capital e trabalho? Partindo-se de tal premissa, aparentemente simples, mas que carrega profundidade de significação, obtivemos a apresentação de temas como a limitação do dano moral e a sua inconstitucionalidade frente ao princípio da dignidade da pessoa humana, um dos principais dilemas neste momento de nova legislação.
Ainda, questões como flexibilização e terceirização, a reconstrução do sentido do princípio da proteção do trabalhador de Plá Rodrigues, o trabalho do estrangeiro, a corrupção como entrave para a efetivação de direitos trabalhistas e a crise econômica como obstáculo ao alcance do trabalho enquanto verdadeiro direito social permearam muito mais indagações do que respostas fechadas. Não estávamos neste Grupo para apresentar respostas. Não somos centelhas cerradas.
O papel da ONU e a Agenda 2030, os influxos tecnológicos no trabalho e no Direito do Trabalho, o dever de informação do empregador e o teletrabalho foram temáticas que demonstraram a preocupação transnacional que a matéria possui, em um contexto ainda lastimável de empregados vitimados em acidentes de trabalho, motivando uma atuação conjunta de todos os atores que compõem a relação empregatícia.
Não fugiu ao Grupo de Trabalho temas áridos como a redução do intervalo intrajornada, a relação capital e trabalho, o trabalho escravo contemporâneo, assédio sexual e o Compliance como ferramenta capaz de amenizar a hostilidade deste ambiente que clama pela miragem de uma Justiça célere e apta a proteger os hipossuficientes. Por fim, temas como o contrato de trabalho do menor, greve, políticas de inclusão para trabalhadores deficientes e a preocupante discriminação contra o empregado com HIV demonstram que nossa relação com o Direito do Trabalho, para além de jurídica, é empática, sociológica e filosófica. Somos testados, o tempo todo, ao exercício de nossa capacidade de nos colocarmos no lugar do outro, verdadeiro sentido da palavra alteridade e perfeitamente cabível neste momento de reconstrução ideológica do Direito do Trabalho.
O (novo) Direito do Trabalho deve ampliar sua proteção jurídica a qualquer forma de trabalho, observando suas peculiaridades e tendo olhos firmes nos anseios sociais. Os trabalhadores são as pessoas fortes que desejam viver e não querem apenas sobreviver. Não aceitam menos do que viver em plenitude, dignas, íntegras e respeitadas pelo que são. Fortes são os que ousam defender dignidade entre os que não possuem força suficiente e que só querem sobreviver. Deles, tiramos a lição de que a atividade empresarial se desenvolve pela força motriz do trabalho. Trabalhadores, empregados e empregadores não devem estar em posições antagônicas. Não devem apenas ver o tempo passar. É tempo de trabalho.
Com votos de boa leitura, deixamos nosso agradecimento por tanto haver nos ensinado este grupo de pesquisadores. Na certeza de que ainda estaremos juntos em outras oportunidades, porque o vento há de nos brindar o reencontro.
Professora Drª. Luciana Aboim Machado - UFS
Professor Dr. Guilherme Wünsch - UNISINOS
Nota Técnica: Os artigos que não constam nestes Anais foram selecionados para publicação na Plataforma Index Law Journals, conforme previsto no artigo 8.1 do edital do evento. Equipe Editorial Index Law Journal - publicacao@conpedi.org.br.
ISBN: 978-85-5505-702-1
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