III ENCONTRO VIRTUAL DO CONPEDI

DIREITO, ARTE E LITERATURA

Apresentamos aqui os trabalhos discutidos dia 25 de junho de 2021, no Grupo de Trabalho (GT) de Direito, Arte e Literatura, do III Encontro Virtual "Saúde: segurança humana para a democracia”, do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito - CONPEDI.

O GT, de coordenação dos trabalhos dos Professores Doutores Marcelo Campos Galuppo e Paola Cantarini, envolveu 16 artigos, subdivididos em 5 eixos temáticos, todos trazendo uma abordagem interdisciplinar para o estudo do Direito, contribuindo portanto, para seu estudo científico. Os trabalhos apresentados abriram caminho para uma importante discussão, em que os pesquisadores do Direito puderam interagir, seja após a apresentação do artigo quando objeto de indagações pela coordenação dos trabalhos ou no final das exposições quando se abriu espaço para o amplo debate acadêmico entre todos.

Poucos grupos de trabalho são mais tradicionais e regulares que o grupo Direito, Arte e Literatura. Alguns participantes são constantes, apresentam seus trabalhos e participam das discussões ano após ano, alguns chegam trazendo novas ideias, novas abordagens, novos temas, outros, finalmente, vão mudando seus interesses e, a partir do enfoque do grupo, partem para novas pesquisas, que se desenvolvem de modo mais consistente em outros grupos. A Arte é assim, a Literatura é assim, o Direito é assim e, sobretudo, a vida é assim: um fluxo e refluxo constantes. Nesta edição o grupo contou com dezesseis trabalhos, que os refletem bem, e que podem ser agrupados em cinco blocos.

O primeiro bloco aborda temas da literatura universal e da teoria literária. Felipe da Silva Lopes, discute as funções catártica, estética, cognitiva e político-social da Literatura, desenvolvendo uma teoria que pode ajudar a compreender também as funções do Direito. Foram abordadas as funções da literatura e questionado de que forma alguma de suas funções se aplicaria ao Estado Democrático de Direito.

Christian Kiefer da Silva recorre a peças de William Shakespeare, como Romeu e Julieta, para estudar os efeitos reguladores do Direito dentro da Literatura, a partir de uma perspectiva da pacificação da sociedade em que o teatro se revela como o próprio tempero da vida. Destacou-se, outrossim a função do teatro como o de entender o ser humano, trazendo contribuições para o entendimento, portanto do próprio Direito.

Francisco Gerlandio Gomes dos Santos, Miriam Coutinho de Faria Alves e Carlos Augusto Alcântara Machado, a partir de uma comparação entre Javert (de Os Miseráveis) e o Capitão Nascimento (de A elite da tropa), investigam a representação social e a função de policiais (indivíduos, mais que de instituições) em uma perspectiva interdisciplinar que une Epistemologia Jurídica e Antropologia jurídica. Por outro lado, houve destaque ao princípio da fraternidade embasando e entrelaçando com as demais postulações dos autores.

Rodrigo de Medeiros Silva e Jarisa Maria Medeiros Silva estudam os problemas temporais e espaciais envolvidos na globalização a partir do personagem Finneas Fog (de A volta ao mundo em 80 dias). Finalmente, Diogo José Neves trabalha a concepção de teatro de Bertold Brecht e de Antonin Artaud para, com a metáfora da eliminação do fosso da orquestra, propor uma justiça mais humana, em que a distinção entre espectadores e atores se esvanece. Houve destaque para o aspecto religioso e a sacralidade envolvidos no teatro antigo, nas tragédias gregas, importando em uma concepção passiva do espectador.

No segundo bloco, dois trabalhos investigam o Brasil e seu Direito a partir de três obras importantes da Literatura Brasileira. Andressa Rodrigues de Jesus e Júlio César Barreto Rocha partem do personagem Jeca Tatu, do romance Urupês (de Monteiro Lobato) para mostrar que o projeto a deficiência de políticas públicas de saúde no Brasil é muito mais um projeto que um acidente, e, em uma análise dos grandes temas do amazonense Milton Hatoum, Patrícia Helena dos Santos Carneiro, Júlio César Barreto Rocha e Rafael Diogo Lemos estudam a interdisciplinaridade inerente ao conhecimento jurídico e a defesa de valores jurídicos públicos no Brasil.

O terceiro bloco é composto por trabalhos que exploram as artes plásticas e visuais. Renato Duro Dias aplica as concepções de Didi-Huberman e Mitchell para mostrar o espelhamento visual que existe entre a Justiça (e suas representações artísticas) e os cidadãos. Adriana Silva Maillart e Viriginia Grace Martins de Oliveira estudam o quadro Guernica (de Pablo Picasso), explorando sua simbologia no manifesto visual pela paz, pela liberdade e pela democracia em que a obra se constitui. Por fim, Adriana Rego Cutrim estuda o complexo problema da autoria na arte urbana, em especial nos graffiti, em que as constantes interações entre autor e público tornam quase inúteis os conceitos tradicionais do direito legislado.

No quarto bloco, dedicado ao Direito e Cinema, Fernanda Leontsinis Carvalho Branco e Breno Silveira Moura Alfeu investigam o problema da eutanásia, da ortotanásia e do direito ao término digno da vida a partir dos filmes Mar adentro e Intocáveis. Raissa Rayanne Gentil de Medeiros, Jessica de Jesus Mota e Kauê Suptitz analisam o filme Bacurau para mostrar o modo como o pluralismo jurídico pode se construir como uma prática de construção de um modo alternativo de vida, abordando o conceito de necropolítica e de seu significado para Achille Mbembe, traçando paralelos e diferenças com o entendimento de conceitos trabalhados por M. Foucault, como o de biopolítica. Por fim, Aline de Almeida Silva Sousa estuda o problema da imprevisibilidade do porvir (e da justiça do porvir) no filme Dolores, uma mulher, dois amores; a pesquisa aponta para a problemática atual de uma possível substituição de seres humanos por robôs, considerando, à luz da obra analisada, estes como possuindo sentimentos, sensibilidade, criatividade, ou seja, características humanas, com destaque para seus marcos teóricos principais citados, a saber, Jacques Derrida e Niklas Luhmann.

Finalmente, o quinto bloco reúne trabalhos que, com uma ligação mais fluida com a temática do Grupo de trabalho, ainda assim contribuem para temas a ele ligados. Noemi Lemos Franca, através de uma analogia entre o Aikido (arte marcial moderna japonesa, cujos movimentos assemelham-na a uma dança, em que a proteção do adversário é tão importante quanto a defesa de si próprio) e a Negociação por princípios, desenvolvida em Harvard, investiga a possibilidade de novos modos de composição de conflitos. Por fim, Rubens Beçak e Daniel Leone Estevam, a partir de uma perspectiva que se poderia dizer interna, invocando o conceito de personagem, analisam o papel da Educação em Direitos Humanos e a formação dos policiais.

O leitor pode ver, apenas pela relação acima, como são amplos os temas e as abordagens que o grupo de trabalho Direito, Arte e Literatura comporta. Lendo os trabalhos, ele perceberá também como pode ser frutífera a pesquisa nessas áreas para uma melhor compreensão do Direito.

Através de uma compreensão interdisciplinar, relacionando-se o direito com outras disciplinas, vinculamo-nos, portanto, ao discurso e à permanente evolução, respeitando-se a multiplicidade, a pluralidade, a pluridiscursividade, em contraste com a reificação monológica do discurso, fugindo ao excesso de formalismo que domina a concepção predominante do Direito desde a modernidade, considerando-se apenas as disciplinas como estanques e distanciadas. Tal análise possibilita, por conseguinte, uma compreensão renovada e re-humanizada do Direito, novamente fertilizado por outras abordagens, um Direito vivo, da vida, e não estéril e morto. A análise interdisciplinar, e a utilização da arte na compreensão e análise do Direito, envolvem também, em certo sentido, uma análise crítica e filosófica, aproximando-se de uma abordagem zetética, e não apenas dogmática, levando-se em consideração, por exemplo, o reconhecimento por parte de M. Foucault de que, a filosofia poderia ser interpretada também como teatro e como poética, tal como é a filosofia de Foucault para Deleuze . Com tal proposta interdisciplinar torna-se possível uma nova compreensão do direito, na esteira da postulação de Foucault quando afirma que devemos pensar em outra política e em outro direito, após a desativação dos dispositivos do biopoder. A arte vincula-se ao atravessamento de devires, forças cosmogenéticas, que criam resistências perante os dispositivos do biopoder, sendo um terreno fértil para se repensar e transformar o Direito na era contemporânea.

Paola Cantarini Guerra

Marcelo Campos Galuppo

(Coordenadores)

ISBN: 978-65-5648-324-5