DIREITO URBANÍSTICO, CIDADE E ALTERIDADE
Entre os dias 04 e 06 de Setembro de 2019, a Universitat de Valencia (Espanha) sediou o X Encontro Internacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). O evento, fruto da colaboração e proposta de internacionalização do CONPEDI com instituições de ensino superior de alto gabarito levou a um ciclo proveitoso de palestras, painéis e discussões acadêmicas em Grupos de Trabalho, um relevante numero de pesquisadoras e pesquisadores brasileiros – que, em contato com professores(as) e profissionais espanhóis, discutiram temas das mais variadas áreas de investigação, tendo como pano de fundo a “Crise do Estado Social”.
Reunidos na Facultat de Dret, no Campus Tarongers, da prestigiada instituição, na tarde do dia 06 de setembro, a Professora Doutora Maria Claudia da Silva Antunes de Souza (PPGD/UNIVALI-SC), o Professor Doutor Gabriel Antinolfi Divan (PPGD/UPF-RS) e o anfitrião do Grupo, Professor da Universitat de Valencia, Doutor Jose Antonio Ureña Salcedo, coordenaram o Grupo de Trabalho n. 19, dedicado a discussão da temática “Direito Urbanístico, Cidade e Alteridade”.
O Professor Ureña a receber os alunos e professores brasileiros fez uma fala inicial em que enfocou inovações valencianas relativas a perspectiva de novos standards urbanísticos que transformam a própria relação de convivência e mobilidade na experiência da cidade: há em Valencia uma proposta clara de realizar um plano de cidade que requer investimentos para que se pensem modais e gênero urbanístico (levando em conta o acesso a serviços e lugares públicos de forma otimizada). E isso envolve uma mirada diferenciada desde e para com o próprio Direito.
Foram, ao longo da tarde, apresentados e debatidos oito trabalhos que perpassaram com grande amplitude tanto as áreas temáticas propostas em vários vieses, quanto a interlocução profícua entre elas, constituindo o eixo do Grupo.
Os trabalhos apresentados carregaram a marca que já se faz tradicional nos eventos do CONPEDI, que, além da originalidade no teor dos artigos e propostas de estudo apresentados, exibem a liberdade de discussão que vai acrescida dos questionamentos, feedbacks e trocas propostas desde as indagações da banca formada pelos(as) coordenadores(as) quanto pela interlocução com os demais apresentadores(as) e publico assistente.
Nesse Grupo temático, foram, pois, apresentados os seguintes trabalhos:
ADRIANO MENDONÇA FERREIRA DUARTE (Doutorando em Direito ambiental e Desenvolvimento sustentável na Escola Superior Dom Helder Câmara - MG) apresentou o trabalho intitulado “Habermas e as cidades enclausurantes: uma análise das comunidades fechadas urbanas como um produto da crise da esfera publica” escrito em coautoria com a Professora BEATRIZ SOUZA COSTA (Dom Helder Câmara-MG). O trabalho perpassa uma leitura interdisciplinar, inclusive criminológica, que estuda o papel da formação geográfica e espacial na moldagem das cidades e das cidadanias a partir de edge cities, comunidades fechadas e novas muradas urbanas. O impacto dessa experiência gera uma miríade de discussões que atingem a própria questão do tipo de vivencia que se pode obter a partir de modelos e configurações que definem mesmo aquilo que se podem entender como esfera publica.
MURILO JUSTINO BARCELOS (Doutorando em Direito na UNIVALI-SC) apresentou um artigo produzido em coautoria com MELL MOTA CARDOSO CONTE (Mestranda em direito na UNIVALI-SC) intitulado “Direito imobiliário: do paradoxo entre a punibilidade pela alienação de imóveis sem incorporação imobiliária, requisitos legais para a aprovação da incorporação imobiliária e a necessidade de comercialização pelo empreendedor”. O texto enfoca a necessidade de uma regulamentação regrada e racionalizada em relação a questões relativas a incorporação imobiliária: questiona o excesso de regulação (sem recair em um total laissez-faire no tema) que pode desvirtuar a própria necessidade político-jurídica desse tipo de exercício fiscalizador.
VANILZA RIBEIRO XAVIER (Mestre em Direito pelo PPGD da UFMG-MG) foi coautora de um artigo apresentado por DANIEL GAIO (Professor de Direito Urbanístico da Universidade Federal de Minas Gerais – MG) denominado “A naturalização das remoções forçadas e o direito a moradia adequada”. O texto discute criticamente o grau perigosamente normalizado das remoções forcadas, pautadas em conceitos e em politicas que são geradores de exclusão planejada a partir tanto de discriminações de classe quanto da autotoreferente ausência de claros procedimentos administrativos que possam servir para obstaculizar e questionar os procedimentos
EDSON RICARDO SALEME (Professor Doutor na Universidade Católica de Santos-SP) e SILVIA ELENA BARRETO SABORITA (Professora da Universidade Paulista UNIP-SP e Doutoranda em Direito na Universidade Católica de Santos-SP) trouxeram para a apresentação o texto “A Importância do Conselho das Cidades para a formulação e implementação da politica de desenvolvimento urbano”. O trabalho ressalta a importância da capilarização de diretrizes para as cidades a partir de um Ministério das Cidades (hoje extinto pelo governo federal brasileiro) e o ConCidades – o conselho (federal) das cidades, e sua fundamental participação no desenvolvimento político das municipalidades a partir de uma assessoria técnica e de uma participação mais plural e democrática (e inclusive aderente aos ditames constitucionais)
GABRIELA AMORIM PAVIANI (Mestranda da Universidade Estadual de Londrina – PR) apresentou trabalho escrito juntamente com JULIANA CRISTINA LIMA GROCHOSKI (igualmente mestranda pela mesma instituição), chamado “Estudo do contrato de compromisso de compra e venda: um dos instrumentos mais utilizados para o acesso à moradia no Brasil”. Na toada de uma série de discussões ampliadas que permearam a tarde de trabalhos, as autoras trouxeram questionamentos e reflexões que partem da necessidade de efetivação do acesso à moradia e da questão jurídica que cerca o instrumento colocado à luz da análise. A tipologia do contrato em questão, e a evolução do seu uso (quase como substitutivo do pacto-padrão nos moldes atuais) foram alguns alvos da investigação.
PEDRO DIAS DE ARAÚJO JUNIOR (Mestre em Direito e Procurador do Estado de Sergipe – SE) fez um paralelo interessante entre teses de Direito Administrativo Brasileiro e Espanhol no trabalho intitulado “Configuração jurídica das novas potestades administrativas previstas na Reurb à luz da teoria de Eduardo Garcia de Enterría e Tomás-Ramon Fernandéz”. O autor trouxe um apanhado de conceitos que joga as ferramentas teóricas dos autores hispânicos para um comparativo interessante que complementa e inova em relação às premissas usuais do estudo da matéria (com foco na discussão da Regularização Fundiária Urbana– Reurb) em solo brasileiro. A inexistência de alguns aportes e institutos espanhóis no direito brasileiro e as possíveis entrecruzas doutrinárias diante das diferenças podem tanto ser entraves quanto pontes para a construção de ferramentais teóricos originais.
GABRIELA FAUTH (realizando estágio Pós Doutoral na Universidade Federal do Rio de Janeiro-RS) apresentou trabalho elaborado conjuntamente com ROSÂNGELA LUNARDELLI CAVALAZZI (Professora do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo na mesma universidade). O texto, intitulado “Práticas sociais instituintes e direito à cidade no contexto da crise” aponta para uma crítica de uma racionalidade do tipo universalizante (no sentido inexorável) como franca incentivadora de um projeto de cidades-standard. Faz, igualmente uma crítica aos obstáculos antidemocráticos e politiza a discussão sobre os espaços urbanos. Não deixa de mencionar os influxos do neoliberalismo e das racionalidades arraigadas na lógica predatória do mercado para propor uma abertura e um afastamento rumo uma (re)humanização do próprio debate e suas agendas.
GABRIEL DIVAN apresentou o trabalho escrito em coautoria com MARIANA CHINI, discutindo “Dimensões do Poder, Império e Semiocídio: possibilidades para um paradigma de alteridade”. O texto se centra em uma hipótese de maneiras não lineares (e por vezes não evidentes) de dominação e de exclusão de várias formas de diferença, a partir do conceito de semiocídio, e das bases para a crítica jurídica desse fator, buscando conexão com paradigmas de alteridade e de integração das diferenças (sob vários prismas). O texto parte de afirmação de diferenças para promover um debate que se acopla de modo insuspeito nas discussões travadas ao longo dos debates Grupo, dado que o componente político do próprio debate imaginado para o GT se aninha em suas premissas.
Os textos acima descritos, que compõem essa publicação, traçam um interessante panorama sobre miríades distintas que cercam as temáticas (feliz e proficuamente amplas) ilustradas pelo título, pela ementa proposta e pela seleção de artigos que delineou o Grupo de Trabalho. Representam fielmente o compromisso dos(as) pesquisadores(as) na abertura dialogal e na abertura epistemológica que faz com que os temas possam ser debatidos sempre com compromisso de desenvolvimento teórico e possibilidades de reflexo prático que se impõe relativamente à proposta. Os desafios de se pensar um renovado Direito Urbanístico, a Cidade em toda sua efervescência (e os obstáculos à emancipação e à convivência democrática), pautados (sempre) por uma premissa de reconhecimento e alteridade deram a tônica de nosso encontro em terras mediterrâneas. Que sirvam para inspirar quem agora estará lendo o material.
Só podemos dizer, no dialeto valenciano:
Gràcies. E bona lectura!
Valencia, Espanha, 07 de setembro de 2019
Profa. Dra. Maria Claudia da Silva Antunes de Souza – Univali/SC - Brasil
Prof. Dr. Gabriel Antinolfi Divan – UPF/RS - Brasil
Prof. Dr. Jose Antonio Ureña Salcedo – Universitat de Valencia - Espanha
ISBN: 978-65-5648-016-9
Trabalhos publicados neste livro: