DIREITO PENAL, PROCESSO PENAL E CRIMINOLOGIA
Em uma agradável tarde de sol da primavera chilena, nas dependências da aconchegante e receptiva Universidade de Santiago, o grupo de trabalho Direito Penal, Processo Penal e Criminologia I reuniu-se com o propósito de discutir temas condizentes à dogmática moderna, seja do direito e do processo penal, seja no que diz respeito à política criminal e à criminologia. Os trabalhos ora apresentados revelam, como o leitor por certo verificará, o quão ecléticos, críticos e atuais são os temas e o quão comprometidos foram os autores na confecção dos textos. São eles, pela ordem do livro, identificados por título, autor (es) e breve resumo, os seguintes:
O primeiro, cujo título é “a criminalização do stalking no Brasil sob o olhar da criminologia crítica”, dos autores Ana Luísa Dessoy Weiler , Alexandre Juliani Riela e Joice Graciele Nielsson, busca avaliar a criminalização do stalking no Brasil com a Lei nº 14.132/2021 sob o olhar da criminologia crítica e do endurecimento da lei penal. O problema de pesquisa parte da seguinte indagação: em que medida a criação de nova lei incriminadora é eficaz para o combate efetivo do stalking? Parte-se da hipótese de que a lei penal tem um caráter simbólico e seletivo, e que a lei do stalking não combate o fenômeno de forma efetiva visto ser a lei insuficiente para uma mudança cultural. Os objetivos específicos da pesquisa estruturam o texto em três seções: a) discutir os processos de criminalização do sistema penal a partir da criminologia crítica de Alessandro Baratta; b) caracterizar o fenómeno do stalking a partir de sua conceitualização e da sua função fenomenológica; c) a criminalização do stalking no Brasil e seus efeitos. O método de pesquisa empregado foi o hipotético-dedutivo, mediante o emprego de técnica de pesquisa bibliográfica e documental.
O segundo, cujo título é “a violência institucional e a saúde psicofisiológica dos agentes de segurança pública na contemporaneidade”, também dos autores Alexandre Juliani Riela e Ana Luísa Dessoy Weiler: tem por objetivo fazer uma análise sobre a violência institucional frente à saúde mental dos agentes de segurança pública do Brasil, tanto no aspecto interior quanto exterior aos ergástulos. O problema que orienta a pesquisa parte do seguinte questionamento: em que medida a violência institucional adoece mentalmente os agentes de segurança pública no Brasil, limitando ou impedindo a sua atuação? Parte-se da hipótese de que os agentes de segurança pública estão com sua saúde mental fragilizada, uma vez que, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2020), no ano de 2019, morreram mais policiais por suicídio do que em serviço. Os objetivos específicos da pesquisa se desdobram nos seguintes tópicos: a) perceber de que modo a violência institucional impacta o agente de segurança pública; b) discutir a saúde mental do agente de segurança; c) analisar quais as soluções viáveis para a preservação da saúde mental dos agentes de segurança pública no Brasil. O método de pesquisa empregado foi o hipotético-dedutivo, mediante o emprego de técnica de pesquisa bibliográfica e documental.
O terceiro trabalho tem por título a “análise da evolução da finalidade das sanções de natureza criminal: das ordenações reais ao Código Criminal do Império”, dos autores Romulo Rhemo Palitot Braga, Mariana Soares de Morais Silva e Ricardo Henrique Lombardi Magalhães. No texto, os autores enfocam que, ao longo dos séculos, houve substanciais mudanças no Direito brasileiro acerca das questões de natureza criminal, de modo que houve um afastamento das penalidades muito severas. O texto busca compreender tal processo evolutivo, visando aferir a finalidade das normas de natureza criminal em momentos anteriores da História pátria, bem como objetiva verificar se as sanções de natureza criminal se afastaram da ideia de atemorizar a população. Foi utilizado o método de abordagem hipotético-dedutivo, em uma pesquisa descritiva e qualitativa. Concluiu-se que houve uma notória evolução das sanções cominadas para as práticas das condutas que foram tidas como criminosas, de maneira que se buscava a prevenção geral contra o cometimento de crimes através da atemorização da população diante da rigidez das normas “criminais” que já estiveram vigentes, ao passo que, atualmente, se busca, ao menos em tese, a ressocialização daqueles que cometeram delitos.
Em “breves considerações bioéticas e penais sobre o aborto após tentativa de suicídio”, os autores Luiz Gustavo Gonçalves Ribeiro, Camila Martins de Oliveira e Ana Virginia Gabrich Fonseca Freire Ramos exploram, a partir de pesquisa qualitativa e com o emprego de raciocínio dialético, uma situação ocorrida em São Paulo, em que uma mulher foi denunciada por aborto em ocasião na qual, estando grávida e deprimida, ingeriu veneno para ceifar a própria vida. A situação, estudada com ingredientes de política criminal e da bioética, expõe a ingerência do direito penal nas situações de vida em geral, e reclama uma maior e melhor reflexão sobre a violação ao princípio da ultima ratio ante a casos de emprego simbólico. Sem a análise das provas e do processo em si, mas apenas do fato e da denúncia oferecida, não se tem por qualquer pretensão interferir no julgamento do caso, mas valer-se dele para uma discussão transdisciplinar do direito e, em especial, no caso que serve de lastro à pesquisa, questionar a existência de dolo, da imputabilidade penal da gestante, da conduta do médico que comunicou o fato às autoridades e, por fim, da obediência ou não à diretriz do direito penal mínimo.
O quinto trabalho, cujo título é “colonialismo tardio e crimes patrimoniais: a funcionalidade da seleção dos crimes de pequena monta para o marco de poder planetário contemporâneo”, da autora Dorcas Marques Almeida, externa que a estrutura do poder global alterou-se substancialmente desde a segunda metade do século passado e, consequentemente, o poder punitivo também passou a ser manejado com a finalidade de atender a fins distintos. Anteriormente, o sistema punitivo era utilizado sobretudo com a finalidade de preservar a integridade das sociedades de consumo, porém, atualmente, o sistema punitivo é utilizado com a finalidade de dilapidar a autonomia das democracias. Diante desse cenário, o presente artigo tem como objetivo investigar se os crimes patrimoniais ainda são selecionados pelo poder punitivo e, em caso positivo, qual é a funcionalidade da seleção desses crimes para a estrutura de poder que contemporaneamente rege o globo. Para responder aos referidos questionamentos, o presente artigo adotou a revisão da literatura como metodologia e elegeu os autores Eugenio Raúl Zaffaroni e Ílison Dias dos Santos como marco teórico, sendo que a análise da obra dos referidos autores conduzirá à conclusão de que a seleção dos crimes patrimoniais é primordial para a estrutura de poder que contemporaneamente rege o globo e que, consequentemente, a seleção típica da estrutura de poder anterior foi aprofundada em níveis abissais.
O sexto texto tem por título o “controle judicial do acordo de não persecução penal”, e foi escrito por Jaroslana Bosse. O trabalho tem por escopo analisar a possibilidade de controle jurisdicional quando houver negativa injustificada de oferecimento de Acordo de Não Persecução Penal pelo Ministério Público. A Lei Federal n. 13.964/2019, que introduziu essa espécie de acordo como um novo modelo de resolução consensual de conflitos criminais, não deixou muito claro se o benefício se trata de um direito subjetivo do investigado ou de uma discricionariedade do Ministério Público. Ainda mais, caso o réu preencha os requisitos objetivos e subjetivos para o acordo e exista negativa injustificada por parte do Ministério Público, outro questionamento pertinente é se o Magistrado pode ou não exercer algum tipo de interferência. No trabalho é analisado o caso em que o Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou decisão do Juiz de primeiro grau que rejeitou denúncia, considerando a ausência de interesse de agir, diante da recusa infundada do Ministério Público em propor o acordo. Verifica-se, ainda, que o precedente é importante para a construção de uma via interpretativa na qual o Acordo de Não Persecução seja compreendido como um direito subjetivo do investigado.
Em “criminologia midiática: a agenda setting theory e o sensacionalismo como instrumentos fortalecedores do totalitarismo financeiro”, escrito por Mariana Colucci Goulart Martins Ferreira. Nele, a autora propõe o estudo da relação existente entre o direito penal e a mídia com o consequente fortalecimento do totalitarismo financeiro através da utilização da agenda setting theory e do sensacionalismo. Considerando-se a inexistência de uma assepsia política relativa ao direito penal, é possível afirmar que há um viés ideológico excludente e etiquetador em seu conteúdo. Tal escolha política favorece o totalitarismo financeiro e possui a mídia como um de seus instrumentos fomentadores, até porque esta está incluída naquele. A produção midiática veiculada conduz à transformação das vítimas do totalitarismo financeiro a adeptas de suas ideias. Nesse sentido, a mídia possui o condão de auxiliar na incidência do controle social punitivo em um público previamente etiquetado como “inimigo”, fortalecendo o totalitarismo financeiro a partir da manutenção de seu poder, tendo o sensacionalismo como uma ferramenta para ocultar os reais problemas e, por conseguinte, dificultar uma genuína transformação da sociedade.
O oitavo trabalho, “da teoria hermenêutica constitucional em Häberle e do método penal: sobre a conformação do direito penal na jurisdição constitucional”, de autoria de Renato Almeida Feitosa, faz uma análise crítica da teoria hermenêutica constitucional de Peter Häberle à luz do método penal, considerando a necessidade de ponderar e limitar a extensão da chamada “sociedade aberta dos intérpretes" como expressão de uma teoria constitucional democrática que ganha cada vez mais adeptos como instrumento metodológico de controle e afirmação dos valores constitucionais. O cotejo entre essas duas linhas metodológicas visa demonstrar a inviabilidade da abertura axiológico-normativa que esta teoria hermenêutica pretende dar, quando afeta à concreção do direito penal, haja vista as premissas epistemológicas de validade e eficácia do direito penal como condição mesma de preservação dos moldes de um Estado Democrático de Direito, nomeadamente do princípio da legalidade e seus corolários. Desta feita, traz-se como caso paradigma da problemática o precedente do STF (ADO nº 26) que ampliou o espectro de incidência da norma penal, subsumindo a homofobia à proibição normativa prevista no tipo penal que teria por objeto o combate ao preconceito de raça e cor. Nesta pesquisa, são tratados os pressupostos de legitimidade da jurisdição constitucional e das estruturas da teoria do crime e da teoria hermenêutica constitucional, evidenciando o caráter inconciliável destas.
O nono trabalho, intitulado “o Direito penal do inimigo como expressão do biopoder”, dos autores Lauro Mens de Mello, Rodrigo Francisconi Costa Pardal e José Antônio de Faria Martos, tem como objetivo o estudo conceitual da ideia de biopoder a partir de Foucault com a vida como objeto de controle, regulação e domesticação, relacionada com o poder disciplinar. Objetiva ainda uma análise do discurso relativo ao direito penal do inimigo em que se adota um conceito não ontológico, mas funcional de cidadão, que permite afastar esse status em determinadas condições. Analisa-se ainda a questão dos arquétipos de Jung que, a partir das representações, concebem forma de atuação do biopoder e que este difunde e legitima o direito penal do inimigo. Como resultados pretende-se demonstrar a forma de como opera o biopoder com a lógica de imunização voltada ao corpo social, com o discurso pseudo-legitimador de se manter a coesão social e como o biopoder é uma forma dissimulada de dominação sem o desgaste inerente ao confronto direto. Como conclusão constata-se o surgimento do direito penal do inimigo como forma de aniquilação do status de cidadão e transformação em homo sacer.
Em “dosimetria da pena no crime de tráfico de drogas: a natureza da substância enquanto vetor ilegal de criminalização da pobreza”, os autores Romulo Luis Veloso de Carvalho e Renata Pereira Mayrink externam que, definida a responsabilidade criminal de determinado cidadão, ou seja, afirmado depois de um processo que tramite em contraditório judicial, que alguém foi o autor de um fato típico, ilícito e culpável, o juiz do caso tem o dever legal de individualizar a pena. O primeiro passo para dosimetria da pena é a análise das circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, mas, para os casos em que o autor incorrer em algum dos crimes previstos na Lei n.º 11.343/2006, ou seja, violar uma norma penal incriminadora da Lei de Drogas, o juiz deverá se ater a critérios particulares de individualização da pena, estabelecidos no artigo 42 da legislação especial. O objetivo da pesquisa é analisar a aplicação desses critérios mencionados da Lei de Drogas, especialmente o critério natureza da substância, como mecanismo de concretização de uma política penal seletiva. Para tanto, a metodologia utilizada para desenvolvimento da pesquisa foi a descritiva-bibliográfica, através do estudo de estatutos normativos, além de doutrinas sobre o tema.
O décimo primeiro trabalho que se apresenta é o seguinte: “emoções e moralidade no tribunal do júri: notas sobre o uso de cartas psicografadas no julgamento do caso boate Kiss”, das autoras Carolina de Menezes Cardoso Pellegrini, Marina Nogueira de Almeida e Ana Paula Motta Costa. O texto tem como objetivo apresentar considerações preliminares acerca do uso de cartas psicografadas no Tribunal do Júri. Como cenário base para a discussão, utiliza-se o caso da Boate Kiss, no qual a defesa utilizou-se de carta supostamente psicografada de uma das vítimas, como forma de tentativa a atenuar/isentar a culpa do réu. Nesse sentido, o ensaio norteia-se pela seguinte pergunta de pesquisa: “como cartas psicografadas afetam as emoções e moralidades no Tribunal do Júri?”. Compreendendo o panorama constitucional do tribunal do júri e seus princípios norteadores, além de que é possível refletir sobre uma reconfiguração do cenário que mescla política e sentimento, como forma de impactar e mobilizar – tal qual o fez Cláudia Fonseca (2018), embora com objeto de pesquisa diverso, parte-se da hipótese de que o uso de cartas psicografadas no Tribunal do Júri tem sua força pautada, antes de tudo, pelo caso específico em julgamento – no caso, um evento traumático.
Em “gênero, raça e classe como estruturadores históricos das prisões brasileiras”, a autora Magali Gláucia Fávaro de Oliveira examina as opressões cruzadas de gênero, raça e classe como estruturadores históricos das prisões brasileiras. Para tanto, por meio do método dedutivo e com base em bibliografia regada por autores e autoras negras, inicialmente, analisou-se o problema de desigualdades e discriminação racial no Brasil, como esqueletos sociais reproduzido pelas instituições. Outrossim, por meio de uma linha histórica legislativa, do Brasil-colônia à contemporaneidade, traçou-se o viés incriminador nos quais nasceram e ainda permanecem as prisões brasileiras, vivificadas em uma era de abolição da escravatura de um lado, compensada de outro, pela criminalização da cultura e do modo de vida do povo preto, bem como pelos inúmeros incentivos de migração do povo europeu para o país. Diante das construções realizadas, ao fim, foi possível compreender que a mulher, preta e pobre, tem a cor, o sexo e a classe preferida do sistema de justiça criminal, compondo hoje uma proporção relativamente pequena entre as populações carcerárias ao redor do mundo, mas figurando o setor de mais rápido crescimento dentre as pessoas presas.
O décimo terceiro texto, que tem por título “ineficiência punitiva do art. 60 da Lei de Crimes Ambientais: sua comparação com as sanções cominadas às infrações administrativas”, dos autores João Victor Baptista Magnavita e José Claudio Junqueira Ribeiro, externa que “a Política Nacional do Meio Ambiente veio inaugurar um novo patamar de preocupação com o bem ambiental à medida em que se consubstancia em um dos mais importantes documentos legislativos sobre políticas públicas ambientais em solo pátrio. Dessa forma, pinçando um de seus instrumentos, o licenciamento ambiental, busca-se no presente estudo entender se os enunciados relativos a esse instrumento, elencados em forma de sanções administrativas e criminais, realmente servem como suporte que compele o agente infrator a cumprir a legislação ambiental. Cabe mencionar, ainda, que a pesquisa desenvolvida se utilizou da metodologia da pesquisa qualitativa, ao se apoiar na filosofia fenomenológica do que se propõe a estudar, do método de pesquisa explicativa uma vez que se preocupa em identificar os fatores e quesitos que determinam para a ocorrência de determinados fenômenos jurídicos estudados. Ademais, para fundamentar o presente trabalho, utilizou-se do método indutivo que foi conduzido pelas técnicas de pesquisa bibliográfica e documental, revelando, portanto, a base na qual se construiu o estudo em comento.
Em “mandados de criminalização, tratados internacionais e enfrentamento à corrupção”, os autores Antônio Carlos da Ponte e Cintia Marangoni tratam do combate às práticas de corrupção, verdadeira chaga que subtrai preciosos recursos públicos da sociedade, no contexto da teoria dos mandados constitucionais de criminalização e do princípio da proporcionalidade, em sua vertente de proibição da proteção deficiente. Para tanto, perpassou-se pelos instrumentos atualmente existentes no ordenamento jurídico brasileiro, incluindo os Tratados Internacionais firmados pelo Brasil no combate à corrupção, que também devem ser percebidos como mandados de penalização (diante do disposto no artigo 5º, §3º, da Constituição Federal de 1988), a fim de compreender-se o quanto ainda se poderá avançar nesta seara. Assim, o presente estudo ressalta a compreensão do crime de corrupção como um claro atentado aos direitos humanos, na medida em que priva o Estado de investimentos que seriam destinados à população, motivo pelo qual questiona-se sua inclusão no rol dos crimes hediondos, além de sua tipificação no âmbito privado, em atendimento a mandado constitucional implícito de criminalização e respeito ao princípio da proibição da proteção deficiente.
O décimo quinto texto tem por título “mesclagem de dados eleitorais em proveito do banco multibiométrico: Lei de Identificação Penal e Proteção de Dados Pessoais”, e foi escrito por Raissa de Cavassin Milanezi e Cinthia Obladen de Almendra Freitas. Nele, revela-se que o Pacote Anticrime inseriu na Lei de Identificação Criminal, Lei n.º 12.037/2009, o Banco Multibiométrico, que tem como objetivo armazenar dados biométricos, de impressões digitais e, quando possível, íris, face e voz, para subsidiar investigações criminais e identificar civilmente o indivíduo não identificado. Busca-se analisar juridicamente o referido Banco de Dados, sob a perspectiva da proteção de dados e de violação a direitos humanos e fundamentais, frente à sociedade de controle e vigilância. O problema de pesquisa tem por base a seguinte interrogação: Permite a legislação brasileira, em termos de garantias constitucionais penais e da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, a mesclagem de dados eleitorais e dos institutos de identificação em prol da persecução criminal? Para tanto, a pesquisa utilizou método dedutivo, em que foi realizado levantamento bibliográfico de livros, teses e dissertações com os descritores indicados abaixo. Ao final, a chegou-se à hipótese de que a mesclagem de dados na forma como está disposta na Lei de Identificação Criminal viola diversos preceitos penais e da LGPD.
Em “o ANPP – Acordo de não persecução penal e a revisibilidade jurisdicional do mérito do ato administrativo”, os autores Eduardo Puhl e Matheus Felipe De Castro apresentam como tema o acordo de não persecução penal – ANPP e externa que os mecanismos negociais têm se mostrado como tendência no âmbito criminal, com a possibilidade de aplicação de consequências penais sem a necessidade do devido processo legal, abreviando o lapso temporal entre o suposto cometimento da infração e a execução penal. Dessa forma, a pesquisa questiona se a realização dessa justiça negocial criminal produziria uma espécie de administrativização da justiça e quais seriam os seus efeitos para o exercício do poder punitivo. Objetiva-se, de maneira geral, analisar o instituto do ANPP e a jurisprudência correlata no que tange à natureza jurídica e ao controle judicial sobre seu não oferecimento. O procedimento de pesquisa observou uma metodologia dedutiva, com auxílio da técnica de análise de jurisprudência. Complementarmente utilizou-se uma metodologia exploratória para pesquisar a jurisprudência correlata ao ANPP. Conclui-se que o acordo de não persecução penal vem sendo interpretado como não constituindo direito subjetivo do acusado, bem como pela realização do fenômeno da administrativização do poder punitivo, tendo em vista a substituição de atores judiciais por atores administrativos na condução dos mecanismos negociais e que a posição em que os tribunais têm se colocado, de negar a revisão jurisdicional, parece conflitar com o princípio da inafastabilidade da jurisdição.
O décimo sétimo texto, “o contexto histórico de valorização dos direitos humanos e a violação da dignidade humana no sistema carcerário”, é de autoria de Renata Pereira Mayrink e Rômulo Luis Veloso de Carvalho. Nele se externa que a necessidade de respeito à dignidade da pessoa humana é incontestável na atualidade, mas, apesar de supremo, é um valor continuamente afastado. A pesquisa visa estudar a atual crise do sistema carcerário nacional, sob o enfoque da dignidade humana, com o objetivo de criticar as sistemáticas violações a esse direito fundamental. Inicialmente analisou-se o contexto histórico de surgimento dos direitos humanos, em seguida a crise no sistema carcerário nacional e as constantes violações ao valor essencial da dignidade humana. Por fim, conclui-se pela necessidade de uma reforma em diversos setores que lidam com a execução penal, já que a atual situação de mazela dos cárceres nacionais não pode ser atribuída a apenas um fator, mas sim a diversos que se somam. Acima de tudo é preciso que haja a máxima efetivação dos direitos humanos, sobretudo da dignidade humana dos encarcerados. A metodologia utilizada para desenvolvimento da pesquisa foi a descritiva-bibliográfica, através do estudo de estatutos normativos e jurisprudência nacionais e internacionais, doutrinas sobre o tema e vídeos.
Em “o direito penal e os reflexos dos avanços neurocientíficos: uma análise acerca da culpabilidade”, Júlia Gabriela Warmling Pereira, autora do texto, destaca que a relevância sobre as descobertas neurocientíficas inaugura uma nova era. E na medida em que as suas investigações vêm avançando, através de novas tecnologias de mapeamento cerebral, têm revelado localizações específicas de eventos cerebrais, os quais permitem inferir a crescente aproximação entre a neurociência e o direito. As ambições neurocientíficas têm se expandido e se impregnado na sociedade, situação que acarreta um peso maior nas leis e, diante desse fato, as questões atinentes ao direito merecem atenção para que se tenha uma inserção adequada à realidade. O direito e a neurociência constituem um tema com diversas implicações de cunho social, ontológico e metodológico, necessitando ser analisado, essencialmente, sob o aspecto dogmático penal, particularmente no tocante à culpabilidade penal. No que concerne às discussões acerca do direito penal, nota-se que transcende deste âmbito as investigações a respeito do comportamento humano. Compreende, também, o interesse em analisar a conduta humana e a própria questão do livre-arbítrio, igualmente relevante às neurociências. Não há dúvida de que as possíveis repercussões para o direito penal constituem um tema que tem levado diversos doutrinadores a se debruçar sobre as pesquisas, as quais devem ser analisadas com as cautelas devidas.
O décimo nono trabalho que compõe o livro tem por título “o exame criminológico sob a perspectiva crítica: apontamentos sobre a Súmula Vinculante nº 26 como política criminal”, e foi escrito por Jéssica Cristina de Moraes, Eduardo Bocalete Pontes Gestal e Sergio Nojiri. O texto objetiva analisar a construção dos pensamentos criminológicos e sua contribuição para uma lógica de controle social idealizada a partir de mecanismos de exclusão e institucionalização (encarceramento) em massa, tendo como base de investigação a súmula vinculante nº 26 que possibilitou o uso continuado do exame criminológico como ferramenta de avaliação de progressão de regime na contramão da nova redação do artigo 112, da Lei de Execução Penal, pela Lei n.º 10.792/03, a qual havia revogado esta perícia nesse contexto da execução da pena. Para tanto, faz-se uma breve passagem sobre os discursos presentes nas escolas criminológicas, traçando um caminho entre os pensamentos criminológicos da Escola Clássica à Positiva à Sociológica até a Criminologia Crítica, demonstrando como o “outro” (apenados, doentes mentais, pessoas sem ocupação e demais indivíduos que não contribuíssem com a sua força de trabalho) sempre esteve na posição política e social de membro não desejável na sociedade. Após, discorre-se acerca do exame criminológico e do seu uso durante a Execução Penal relacionado à apuração de mérito subjetivo à progressão de regime. Destaca-se, ainda, os pontos de embate entre referenciais apoiadores e contrários ao uso do exame, na medida em que vislumbramos que essa perícia otimiza o período de cumprimento de pena em regime mais gravoso e reverbera as problemáticas do sistema penal na prática. Finalmente, são tecidos comentários acerca da possível existência de fatores político-ideológicos na atuação Supremo Tribunal Federal com a edição Súmula vinculante nº 26.
No texto “o futuro da educação prisional: educação à distância sustentável” o autor Nelcyvan Jardim dos Santos expõe ser necessário conhecer as tendências futuras nos programas de educação e ensino. Neste artigo ele se concentrou em fornecer perspectivas sobre o futuro dos programas educacionais, necessidades de alunos e professores para uma educação inovadora e ao mesmo tempo suprir as necessidades de desenvolvimento educacional aos que estão privados de liberdade. Apresenta, ainda, vantagens em detrimento dos recursos humanos, segurança dos professores e acesso ao ensino a todos os detentos por meio dessa modalidade. Apesar do acesso à educação nos presídios se encontrar estampado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, Lei de Execução Penal, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, além de outras normativas, faz-se necessário mostrar que esses indivíduos, esquecidos pela sociedade, também têm direitos, capacidade e possibilidades reais de uma harmônica integração social. O desenho do artigo contempla a abordagem bibliográfica e documental e tem como objeto de estudo compreender os cenários educacionais do futuro, na aplicação da Educação à Distância nas unidades prisionais, como fator de valorização dessa modalidade de ensino para concretizar os direitos dos reclusos e minimizar a ausência de oferta educacional nos centros penitenciários nacionais.
Em “os estabelecimentos penais e os dados frente ao Covid-19”, a autora Ana Eduarda Bazzo Pupim realiza um estudo sistemático dos estabelecimentos penais frente a pandemia do Covid-19 e conclui, com dados do Infopen, que o sistema carcerário brasileiro é precário, desigual e violador de direitos básicos. Quinze vírgula três por cento (15,3%) das pessoas que se encontram em regime fechado deveriam estar em regime semiaberto ou até liberados, isto antes da pandemia; contudo, as regras de sanitização para o combate do Covid-19 não modificaram a realidade, porquanto difíceis de serem colocadas em prática. Na verdade, 81.214 de presos e servidores foram infectados com o Coronavírus, ou seja, 13,6% do sistema carcerário considerando a população de 2019, e 11,5% se considerada a população de presos de 2020, demonstrando a atual necessidade de reforma do sistema penitenciário brasileiro.
Em “progressão de regime em crimes hediondos no Supremo Tribunal Federal: uma análise empírica pela Súmula Vinculante 26”, dos autores Ana Clara Macedo Jaccoud , Pedro Burlini de Oliveira e Raphaël Tinarrage, discute-se que uma das principais discussões que circundam a execução penal dos crimes hediondos é a possibilidade de exigência de exame criminológico como requisito para progressão de regime. Isso porque, esse exame já foi obrigatório em Lei, a qual após revogada gerou uma lacuna que a Súmula Vinculante nº 26 (SV 26) do Supremo Tribunal Federal buscou colmatar. Frente a tal lacuna e as discussões emergentes, foi realizado um estudo empírico sobre o comportamento de casos no STF que pedem a progressão de regimes para condenados por crimes hediondos ou assim equiparados, verificando as nuances da aplicação dos requisitos para essa progressão. Para tanto, a pesquisa contou com uma produção empírica baseada em métodos de Machine Learning, a partir da criação de um modelo treinado para identificar decisões do STF relacionadas à SV 26. Além disso, o artigo apresenta uma exposição teórica sobre aspectos dogmáticos do exame criminológico e sua expressão jurisprudencial do STF. A partir dessa verificação, foram expostas descobertas sobre a persistência da exigência do exame e sobre a concentração de processos no STF tratando da progressão de regime nesses tipos de crimes.
No artigo “stalking e a tipificação do crime de perseguição da Lei 14132/21- um amparo à dignidade da pessoa humana e aos direitos da personalidade”, as autoras Evandra Mônica Coutinho Becker e Cleide Aparecida Gomes Rodrigues Fermentão discorrem que o stalking é um fenômeno cuja marca e as facetas são múltiplas. Tomados isoladamente, a miríade de atos dos perpetradores, geralmente, não é ilegal em si. Esse aspecto explica, em parte, porque o stalking só é percebido tardiamente pela vítima, o que significa que a persecução penal só intervém muito tempo depois. Frequentemente, vários comportamentos de assédio não se enquadram na lei penal porque, tomados isoladamente, não parecem ameaçadores (como, enviar flores ou presentes). No entanto, a gama de atos de perseguição concebíveis é ampla e pode incluir crimes como: danos à propriedade ou transgressão, que podem ser, por si só, objeto de queixa. A presente pesquisa tem como objetivo geral apresentar a tipificação do stalking como crime mediante a legislação brasileira bem como a infração de direitos do cidadão. Assim, os objetivos específicos deste artigo buscam, conceituar o que é stalking e o que o abrange, explicar e descrever a tipificação do ato de stalking como crime na legislação brasileira, bem como a responsabilidade civil que o imputa, apresentar e descrever os direitos fundamentais do cidadão, com ênfase no princípio da dignidade da pessoa humana e por fim, descrever como o crime de stalking fere os direitos da personalidade garantidos ao cidadão. Para desenvolvimento da pesquisa, as autoras se valeram do método de revisão bibliográfica. Por fim, concluiu-se que a lei 14.132/2021 foi essencial para especificar de forma clara e concreta o crime de stalking na atualidade, principalmente, mediante os avanços tecnológicas e a disponibilidade de diversas ferramentas para efetuar tal crime.
Observa-se, assim, que, como foi inicialmente dito, os autores incumbiram-se do compromisso de serem críticos e corajosos com vistas à maior e melhor adequação das práticas ao texto constitucional e das demandas da contemporaneidade em prol de um modelo integrado, proativo e transformador de Ciências Criminais.
Tenham todos(as) uma ótima leitura! É o que desejam os organizadores.
Prof.a Dr.a Cinthia Obladen de Almendra Freitas- PUC-PR - cinthia.freitas@pucpr.br
Prof. Dr. Matheus Felipe de Castro – UFSC - matheusfelipedecastro@gmail.com
Prof. Dr. Luiz Gustavo Gonçalves Ribeiro – ESDHC – Dom Helder – Escola de Direito - lgribeirobh@gmail.com
ISBN: 978-65-5648-569-0
Trabalhos publicados neste livro: