DIREITO PENAL, PROCESSO PENAL E CONSTITUIÇÃO II
Em uma tarde aprazível da primavera brasileira, no campus do Centro Universitário do Pará, reuniu-se o Grupo de Trabalho “Direito Penal, Processo Penal e Constituição II”, com o propósito de debater temas atuais do direito e do processo penal à luz da Carta de 1988. Não obstante o feriado de proclamação da república, os presentes ensejaram uma discussão fértil e comprometida com os temas do Grupo, os quais passam, doravante, a serem apresentados.
O artigo intitulado “A polícia criminal de drogas e o tradicional autoritarismo do sistema criminal: mais do mesmo?”, de autoria de Paulo Thiago Fernandes Dias e Sara Alacoque Guerra, trata de pesquisa dedicada ao estudo do Sistema Criminal brasileiro, via análise de inquéritos policiais deflagrados para a apuração de crimes relacionados ao tráfico de drogas na cidade de Imperatriz/MA. Os autores se valeram do método de pesquisa bibliográfica para o estudo das reminiscências autoritárias informadoras do Sistema Criminal. Na sequência, expuseram pesquisa empírica, utilizando-se do método qualitativo com o propósito de verificar a possível conservação do caráter autoritário do Sistema Criminal, a despeito da promulgação da Constituição da República, seja pelo conjunto de leis penais e processuais penais existentes, seja pelas práticas investigatórias tradicionais.
No artigo “os efeitos da pena e do cárcere etimologicamente analisada sob a perspectiva da dor: a real função do cárcere dentro da ideologia da defesa social”, de autoria de Márcio Eduardo Senra Nogueira Pedrosa Morais e Laís Freire Lemos, analisa-se a função do cárcere dentro de uma ideologia da defesa social e a propagação da dor e do sofrimento como imposição social e castigo. O método utilizado foi o descritivo e analítico, a partir do qual os autores fizeram a conceituação etnológica da punição e sua transmudação no decorrer dos séculos, conjugando-a com a ideologia da defesa social e da instabilidade social causada quando o crime é cometido.
O artigo seguinte, intitulado “a possibilidade da colaboração premiada unilateral do acusado no processo penal: uma breve análise do ‘plea bargaining agreement’ e da colaboração premiada no Brasil”, dos autores Juliano Keller do Valle e Marcos Leite Garcia, pretendeu-se investigar o instituto da delação premiada no Brasil, analisando primeiramente o seu conteúdo existente na legislação pátria, bem como no Código Penal e Processual Brasileiro. Com efeito, o texto busca, a partir da Teoria do Garantismo Penal, reestabelecer parâmetros e critérios racionais que possam ativar a estrita legalidade defendida por Luigi Ferrajoli no âmbito das colaborações, especialmente na possibilidade de serem aceitas unilateralmente. O texto propõe estabelecer a discussão acerca do grau de jurisdicionalidade do Estado-Juiz equilibrar as partes do processo penal, através dessa outorga unilateral em favor do acusado.
No artigo intitulado “pode o policial ou o Delegado de Polícia decretar prisão preventiva? Análise da (in) constitucionalidade do art. 12-C da Lei 11340/06”, dos autores Gustavo Noronha de Ávila e Luiz Antônio Borri, discute-se o seguinte: a Lei 13.827/19 inseriu o art. 12-C na Lei 11.340/06 objetivando facilitar a aplicação da medida protetiva de urgência consistente no afastamento do agressor do lar, domicílio ou local de convivência diretamente pelo policial ou pelo delegado de polícia. Desse modo, valendo-se do método hipotético-dedutivo e de revisão bibliográfica, os autores propõem a hipótese de que a inovação legal está em descompasso com a Constituição, face a necessidade de ordem judicial. Para tanto, examinou-se os requisitos necessários à aplicação de medidas cautelares no âmbito da persecução penal e propostas soluções caso identificada inconstitucionalidade no texto normativo.
O artigo “a policização da justiça: uma análise sobre a hipótese de Foucault no sistema de justiça criminal brasileiro a partir do direito ao contraditório”, dos autores Antônio Eduardo Ramires Santoro e Natália Lucero Frias Tavares, parte da hipótese apresentada por Michel Foucault de que a Justiça está a serviço da polícia. A partir disso, o trabalho teve por escopo responder à pergunta se essa assertiva se verifica no Brasil, configurando-se seu problema central. Para tanto, realizou-se uma pesquisa sobre o sistema processual penal de garantias no Brasil, bem como as formas peculiares de produção de informações por meio de provas conforme os desenhos processuais penais que se apresentam na prática judicial brasileira. Ao final, confirmou-se a hipótese de Foucault em razão do uso demasiado de informações produzidas na fase policial ou pela oitiva de policiais nas decisões judiciais.
O texto seguinte, cujo título é “o aprisionamento de inocentes no centro de reeducação feminino: uma perspectiva concreta da gravidez, do nascimento e da infância no cárcere feminino de Belém-PA”, dos autores Luana Miranda Hage Lins Leal Viegas e Oduvaldo Sérgio de Souza Seabra, analisa aspectos que envolvem a gravidez de mulheres presas, o nascimento de seus filhos, o aprisionamento de crianças com sua genitora e a separação entre mãe e bebê no cárcere feminino da Região Metropolitana de Belém-PA. Para tanto, os autores se valeram de uma pesquisa empírica, elaborada com enfoque no direito fundamental da presa ficar com seu filho durante o período de amamentação e nas disposições da Lei de Execuções Penais e das Regras de Bangkok sobre a maternidade no cárcere, averiguando a existência e eficácia de políticas públicas sobre o tema.
O artigo “gestão probatória, função da prova penal e sistemas processuais penais”, do autor Eduardo Correia Gouveia Filho, objetiva investigar a gestão probatória nos sistemas processuais penais. Na medida em que não há princípio unificador misto, tem-se, segundo o autor, que o elemento definidor do sistema processual será a gestão probatória, a qual, estando sob o poder do julgador, caracterizará o sistema inquisitório, ou, se estiver com as partes, o acusatório. No que tange à prova penal, concluiu-se que, diante da impossibilidade de se alcançar a “verdade real”, ela deverá possuir, sob limitações normativas, uma dupla função: reconstrução do passado e persuasão do juiz.
Por sua vez, no artigo “entre o garantismo e o expansionismo: a tutela penal do meio ambiente e o tipo penal de perigo abstrato”, os autores Luiz Gustavo Gonçalves Ribeiro e Carlos Henrique Carvalho Amaral analisam o discurso expansionista do Direito Penal frente aos novos bens jurídicos, sobretudo os bens jurídicos ambientais. Analisa-se a necessidade de proteção do meio ambiente e o papel do Direito Penal frente a sua proteção. Construída esta base verifica-se que é necessário discutir se os princípios fundamentais clássicos do Direito penal estão em risco de flexibilização. O estudo foi desenvolvido com metodologia jurídico-teórica e raciocínio dedutivo, com técnicas de pesquisa bibliográfica e documental. Concluiu-se que o Direito Penal também possui sua parcela de responsabilidade na proteção do meio ambiente.
No artigo “garantias penais e processuais penais do indígena e vulnerabilização étnica no Brasil: uma análise da jurisprudência dos tribunais superiores”, os autores Bruna Hoisler Sallet e Bruno Rotta Almeida abordam a aplicação dos direitos indígenas, notadamente os relacionados à seara penal, nos tribunais superiores brasileiros. Para tanto, em um primeiro momento, através de revisão bibliográfica, apontam a trajetória dos direitos indígenas em âmbito internacional e nacional, destacando algumas garantias penais decorrentes da condição étnica específica. Posteriormente, através da análise qualitativa, verificam a aplicação dessas garantias pelo Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça. Conclui-se pela utilização de uma interpretação restritiva, a qual acarreta a obstrução do acesso a direitos e a violação de princípios constitucionais penais.
No artigo “o valor probatório dos depoimentos colhidos em colaboração premiada: um alerta sobre a possível premiação da mentira”, os autores Roberto Carvalho Veloso e Luiz Régis Bomfim Filho analisam a dinâmica do procedimento de colaboração premiada e sua influência probatória na persecução penal. Segundo os autores, no processo penal constitucional e convencional alicerçado em um sistema acusatório, como adotado pelo Brasil, não se deve admitir a premiação da mentira em convencimento jurisdicional eventualmente condenatório, assim o fazendo por meio da metodologia qualitativa de revisão bibliográfica.
O artigo intitulado “ativismo judicial e o (des) equilíbrio da política criminal brasileira: o caso Sérgio Moro x Lula”, de Alexandra Fonseca Rodrigues, tem por objetivo estudar o ativismo judicial para avaliar se tal postura dos magistrados pode desequilibrar a política criminal, deslocando-a dos Poderes Legislativo e Executivo para o Judiciário. Para tanto autora realizou breve análise do caso envolvendo o juiz Sérgio Moro e o ex-presidente Lula, concluindo que a interferência do Direito Penal na Política criminal, apesar de ser reflexo do novo modelo de democracia, precisa ser realizada dentro dos limites constitucionais para que não venha a pôr em risco a concretização dos direitos humanos.
Já no artigo “denunciação caluniosa eleitoral: novidades e perplexidades da Lei 13834/2019”, dos autores Amanda Alves Oliveira Purger e Amaury Silva, é abordado o crime eleitoral previsto no art. 326 A, do Código Eleitoral, com a redação conferida pela Lei 13.834/2019. Traz-se à análise novidades e perplexidades para a compreensão hermenêutica do tipo penal e aplicação prática destas. Desenvolve-se reflexões comparativas com o tipo penal comum da denunciação caluniosa; descrevem-se incongruências na construção da tipicidade do novo crime eleitoral, a partir de referenciais específicos próprios do direito e processo eleitoral, a saber: Justiça Eleitoral, candidatos, convenções partidárias, registro de candidaturas e eleições. Analisa-se o veto presidencial à parte da Lei 13.834/2019 e organiza-se proposições concludentes quanto à alteração legislativa.
Os textos revelam, portanto, o quão eclético e rico são os temas, que esperam os organizadores seja o combustível para a leitura atenta e crítica deles.
Belém-PA, novembro de 2019.
Luiz Gustavo Gonçalves Ribeiro - ESDHC
Matheus Felipe de Castro - UFSC
Nota Técnica: Os artigos que não constam nestes Anais foram selecionados para publicação na Plataforma Index Law Journals, conforme previsto no artigo 8.1 do edital do evento. Equipe Editorial Index Law Journal - publicacao@conpedi.org.br.
ISBN: 978-85-5505-843-1
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