GÊNERO, SEXUALIDADES E DIREITO II
A ideia de criar um Grupo de Trabalho destinado a debater com exclusividade questões de gênero, sexualidades e direito nasce da vontade política e teórica de professoras e professores preocupados com as persistentes desigualdades acadêmicas de entre homens e mulheres em todos os campos do saber, em especial, no campo do direito. Com efeito, diante da constatação que, em pleno século XXI, não se encontra ainda delimitado um campo de reflexão feminista, consideramos este momento uma enorme conquista para o direito e acreditamos no potencial emancipador que o GT Gênero pode representar para a área como um todo.
O artigo Acesso à justiça para mulheres vítimas de violência: uma análise da cidadania como empoderamento como elemento de promoção da igualdade de Taina Ferreira e Ferreira questiona, no que tange à violência contra mulher, se ainda existem obstáculos na operatividade do sistema judicial que impedem o acesso à justiça pleno e satisfatório por parte das mulheres. Busca a autora, portanto, apontar os avanços sobre o tema na legislação brasileira e ainda, ressaltar as principais dificuldades no tratamento da violência contra mulher no país, assim como destacar qual a importância do movimento feminista na solução dessas dificuldades.
Isadora Vier Machado e Crishna Mirella De Andrade Correa em seu trabalho, Na trilha dos feminismos: Lei Maria da Penha, extensão universitária e a constituição de novos atores sociais no enfrentamento às desigualdades de gênero, relatam uma experiência de extensão universitária que se consolidou com proposta de ofertar um núcleo de assistência jurídica gratuita para mulheres em situação de violências (NUMAP/UEM - Núcleo de Extensão sobre a Lei Maria da Penha). Através desta experiência, as autoras apontam para a importância das universidades como novos atores sociais no enfrentamento da violência de gênero e para o fato de a extensão universitária pode ser capaz de reconfigurar o quadro interventivo estatal e fortalecer o âmbito de tradução dos discursos feministas.
Os direitos da personalidade são um conjunto de bens intrínsecos do indivíduo e que constituem a sua individualidade. Estes direitos são inatos à pessoa, ou seja, são essenciais e basilares para a construção de um mínimo necessário ao exercício da personalidade humana. Este importante problema é o ponto central do trabalho de Tamara Simão Arduini, Violação aos direitos da personalidade da mulher: uma prática do cotidiano. Para a autora, quando se fala em violação aos direitos da personalidade é imprescindível fazer menção as minorias vulneráveis, como as de gênero, tendo em vista que as mulheres representam uma grande parte das vítimas desse fenômeno.
A influência do patriarcalismo na prática do homicídio qualificado pelo feminicídio de Goreth Campos Rubim e Dorli João Carlos Marques analisa a influência da ideologia patriarcado no homicídio qualificado pelo feminicídio, ressaltando o elevado índice de morte de mulheres no país e, em especial, na cidade de Manaus. Complementarmente, o trabalho discute até que ponto as medidas tomadas pelo Estado tem se revelado eficazes, assim como, busca, ainda, analisar as estratégias e ações constantes das politicas públicas de enfrentamento da violência contra as mulheres adotadas pelos operadores da segurança pública do Estado do Amazonas.
As autoras Carolina Soares Castelliano Lucena De Castro e Gisela Baer de Albuquerque em Prisão domiciliar e os espaços destinados à mulher - uma reflexão a partir das teorias de Nancy Fraser e Carole Pateman, examinam a alteração legislativa no artigo 318 do Código de Processo Penal promovida pela Lei 13.257/2016 a partir de algumas teorias feministas. Segundo Carolina e Gisela, a lei trouxe a possibilidade de a prisão preventiva ser substituída por prisão domiciliar para pais de crianças até 12 anos, contudo, a referida lei, traz requisitos substancialmente diferentes para homens e mulheres. Assim, refletindo acerca da diferenciação de tratamento estabelecida por essa alteração legislativa, a partir das ideias construídas pelas teóricas feministas Carole Pateman e Nancy Fraser sobre a noção de espaços públicos e privados, buscam-se pensar sobre o lugar que naturalmente é destinado à mulher em nossa sociedade.
Em Pornografia de vingança: a violência de gênero sob uma perspectiva social e legal, Liziane da Silva Rodriguez e Gabriela Ferreira Dutra analisam as especificidades do crime de pornografia de vingança por meio de um estudo da doutrina brasileira e estrangeira. A partir disto, as autoras traçam um paralelo entre o tratamento legislativo dado à este tipo de crime no ordenamento brasileiro e na legislação europeia. Dessa forma, procuram compreender se o tratamento dado a esse crime, no Brasil, encontra-se tutelado de maneira satisfatória ou é preciso atentar um pouco mais para o tratamento que esta situação tem recebido na Europa e outros países cuja legislação encontra-se mais comprometida com as premissas de gênero.
Tatiana Lazzaretti Zempulski e Antonio Marcos Quinupa em seu artigo A discriminação no trabalho decorrente de gênero tratam das questões relacionadas ao trabalhador que se encontra em situação de discriminação, principalmente em situações decorrentes de gênero. Advertem que a efetividade dos direitos nem sempre vem sendo observada, principalmente quando se abordam as questões referentes a este modelo de discriminação nas relações de trabalho. Portanto, após uma breve análise dos direitos fundamentais dos trabalhadores gerais, do direito comparado e no direito pátrio, o artigo introduz no estudo o conceito de gênero e sua abordagem no direito do trabalho e na jurisprudência pátria.
É o poder, aceita porque dói menos: o empoderamento da mulher na contemporaneidade de Juliana Silva Dunder e Eduarda Celino Rodrigues tem como objetivo demonstrar como o movimento feminista auxiliou no processo de empoderamento feminimo. O feminismo, tal como demostram as autoras, serve como um fomentador para que mulheres se reconheçam como sujeitos dignos de direitos e capazes de cumprir com deveres. As autoras concluem que é possível visualizar grandes mudanças com relação aos espaços de atuação das mulheres que devem ter o direito de serem donas de suas vidas e não serem impedidas de ocupar espaços por questões discriminatórias, sexistas, machistas, na esperança de que isso seja apenas uma marca na história e uma utopia no futuro.
Cárita Chagas Gomes em Feminismo e interrupção voluntária da gravidez: uma análise reflexiva sobre a falácia legislativa da permissibilidade do aborto, mostra como a questão do aborto tornou-se um debate recorrente desde os anos 70, que levou parte dos países ocidentais a descriminalizá-lo em suas legislações. O artigo busca, portanto, analisar alguns ordenamentos jurídicos, com vistas a afirmar a ideia de que a permissão da prática do aborto tem bases na consideração que cada país possui sobre a concepção do início da vida. Não obstante, grande parte dos países não criminalize o aborto em suas legislações, existem pontos controversos e posicionamentos conservadores que impossibilitam, efetivamente, sua concretização. O artigo concluiu que o pleito feminista ainda está longe de ser plenamente alcançado, pois a liberdade e a igualdade não podem ser condicionadas, sob pena de não o serem.
Em A discriminação positiva como garantia de igualdade aos homossexuais, Letícia Vasconselos Barcellos e Phillip Gil França mostram como as uniões homoafetivas são uma realidade social e é dever do Estado contribuir para que sejam consideradas no plano dos direitos, respeitadas e tratadas com a igualdade de garantias das uniões heteroafetivas. Os autores mostram como a orientação sexual não é definida por padrões impostos pela sociedade, essencialmente heteroafetiva, mas pela personalidade de cada pessoa. De acordo com o trabalho em tela, pode ser constatado que, ainda que a proteção do Poder Judiciário aos homossexuais seja constante, as atitudes discriminatórias são inúmeras, especialmente ao se analisar o número expressivo de crimes de ódio que ocorrem no Brasil.
O trabalho A (des)construção do conceito freudiano: a pulsão sexual vista como compreensão da sexualidade humana de Taiane da Cruz Rolim tem por objetivo demonstrar, a partir da psicanálise, que, tanto na dinâmica do gênero como na dinâmica da sexualidade, as identidades são sempre construídas. Com efeito, isto ocorreria pois é assim que compreendemos os sujeitos: como formas múltiplas de identidades que se transformam e que podem ser fixas ou permanentes e que podem, até mesmo, ser contraditórias. Assim, o artigo pretende mostrar a existência de um processo de identificação, desidentificação e rearticulação, de construção de um novo discurso do eu, dos outros e do desejo.
O objetivo das autoras Dayse Gracielle Soares de Araújo de Figueiredo e Izabela Alexandre Marri Amado, em seu trabalho Transexualidade e o direito de aposentadoria no regime geral de previdência social, é demonstrar a necessidade do Estado se organizar, modernizar e planejar para conceder o direito das pessoas transexuais de se aposentarem na idade correspondente ao gênero que se identificam, levando em consideração a legislação previdenciária vigente para homens e mulheres. Para dar vazão a esta importante temática, o trabalho realiza uma pesquisa exploratória sobre a questão da aposentadoria dos indivíduos transexuais, com intuito de formar um arcabouço teórico, uma vez que se trata de assunto novo e são poucos os materiais disponíveis para consulta. Por fim, o trabalho procura ressaltar a importância da intervenção do Estado para solidificar os direitos sociais deste grupo e minimizar possíveis consequências ao erário por falta de planejamento previdenciário.
Em Da sexualidade humana: do direito ao reconhecimento da identidade de gênero, Sarah Tavares Lopes da Silva busca analisar e debater o tema da sexualidade da pessoa humana, com ênfase no direito à identidade de gênero. No trabalho, é abordada a sexualidade da pessoa humana no contexto internacional, enquanto componente dos Direitos Humanos. Logo após, o trabalho apresenta o anteprojeto Estatuto da Diversidade Sexual, elaborado no Brasil (pela Comissão Especial da Diversidade Sexual do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil) para discutir, no intuito de inibir, a discriminação e marginalização das pessoas que não se enquadram no padrão heterossexual (dentre elas: transexuais, travestis, transgêneros e intersexuais).
O autor Paulo Adroir Magalhães Martins discute, em Gênero, sexo, sexualidade e condutas sexuais: uma analise médico-legal da identidade sexual ante o direito de autodeterminação, as “novas” identidades calcadas em características que compõem a identidade pessoal dos indivíduos e que não são reconhecidas social e politicamente. Dentre as manifestações de sexualidades, o autor aponta as transgeneridades como objeto de grande polêmica nos diversos espaços de discussão, tanto no meio acadêmico como nas outras esferas de convivência da sociedade. O trabalho mostra que, se por um lado, houve certa aceitação de várias identidades sexuais, mesmo que tacitamente, por outro lado há, ainda, uma grande discriminação para com as pessoas trans, demonstrada pelas constantes campanhas de diversos segmentos sociais e órgãos do poder público, voltadas para o fim dessa intolerância.
A transexualidade é um assunto que já vem sendo tratado há muito tempo pelos tribunais, e, com o biodireito, este problema vem à tona pelas circunstâncias e evolução da sociedade. Este é o ponto de partida do trabalho de Paulo Joviniano Alvares dos Prazeres, denominado (Re)conhecimentos de identidades trans: vulneração e violências. Para o autor, a discriminação edificada na opção de orientação sexual ou identidade gênero remete a toda e qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência com base na orientação sexual ou identidade de gênero que vise trazer prejuízos a igualdade ante o ordenamento. No estudo aqui apresentado, portanto, o centro da discussão é a diferença entre o sexo biológico e o psicossocial, a dicotomia em relação ao direito de adequação social de uma minoria diferente daquela que se padroniza como normal e a perspectiva ante os direitos humanos da personalidade e garantias fundamentais.
Ligia Maria Ladeira Tavares e Cecilia Caballero Lois trazem para o debat o chamado feminismo radical. Em Anotações sobre a teoria feminista do direito de Catharine Mackinnon, as autoras objetivam introduzir as ideias gerais da teoria do direito da professora da Universidade de Michigan, desenvolvida, tal como já citado, sob as premissas do feminismo radical. MacKinnon concebe a subordinação das mulheres não como decorrência das desigualdades jurídica e política, mas sim, como decorrentes de uma política sexual implementada pela ideologia patriarcal, inclusive no âmbito do Estado. O direito, sob a perspectiva feminista, não é neutro, mas masculino em sua criação, interpretação e aplicação, como reflexo do sistema de dominação sexual. O reconhecimento da ausência de neutralidade do direito constitui ponto chave para a construção de uma teoria apta a permitir o alcance da cidadania pelas mulheres.
O artigo que encerra este volume denomina-se O princípio da isonomia real e o fundamento da dignidade da pessoa humana através de ações afirmativas de raça de Marina Barbosa Vicente e Roberta de Miranda Castellani. Neste trabalho, as autoras analisam a implementação das ações afirmativas no Brasil, como uma política estatal capaz (ou não) de efetivar o princípio da isonomia e o fundamento da dignidade da pessoa humana. Tomando como um de seus argumentos o fato de que essas ações seriam uma alternativa para reduzir a desigualdade de inserção dessas minorias na sociedade, inicia conceituando-a, retrocedendo às suas origens, diferenciando, políticas públicas de ações afirmativas, demonstrando seus objetivos, a problemática constitucional para, por fim, concluir qual é o papel do Estado no que concerne à essas políticas e suas garantias.
Por fim, como a leitora e o leitor poderão constatar, é possível afirmar que os trabalhos aqui reunidos, cada um a sua maneira, tem por característica fundamental a determinação de repensar o direito em bases feministas, inclusivas e democráticas. Esperamos que a leitura seja proveitosa e, especialmente, transformadora.
Prof. Dr. Carlos André Birnfeld - FURG
Profa. Dra. Cecilia Caballero Lois - UFRJ
ISBN: 978-85-5505-345-0
Trabalhos publicados neste livro: